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Pensamento dos pacientes com alexitimia é voltado para o exterior, de traços afetivos pobres, escasso valor simbólico e predominantemente operatório, ou seja, relações interpessoais baseadas em ligações utilitárias, carentes de afeto, com dificuldade de apreender os próprios sentimentos e os dos outros, com tendência à dependência ou à solidão – Fotomontagem com fotos Freepik
Dificuldade de expressar emoções está ligada a contexto competitivo e de empobrecimento da linguagem
Para psicólogos, associação entre a condição conhecida como alexitimia e alguma doença orgânica não se evidencia de forma consistente; problema estaria mais ligado às características típicas da sociedade atual
Alexitimia é uma condição mental onde há uma dificuldade de reconhecer e expressar emoções, estando associada a um estilo de pensamento baseado no concreto. Ela pode levar a relações utilitárias, sem afeto, tendendo à dependência ou à solidão. Por muito tempo, acreditou-se que o problema estava associado a distúrbios físicos, chegando a ser classificado como doença psicossomática, ou seja causada ou agravada pelo sofrimento psicológico. No entanto, um artigo escrito por dois professores do Instituto de Psicologia (IP) da USP, baseado em revisão teórica, aponta que essa relação não ficou demonstrada na prática. De acordo com o trabalho, a alexitimia e o pensamento operatório estão diretamente associados ao contexto social atual, marcado pela competição econômica e social, empobrecimento da linguagem oral e escrita, mentalidade racionalizante e crescente sofrimento cotidiano.
“O objetivo da pesquisa era verificar se as teorias sobre alexitimia e pensamento operatório encontram ressonância na prática clínica cotidiana”, dizem ao Jornal da USP os professores Avelino Luiz Rodrigues e Allan Felippe Rodrigues Caetano, do IP, autores do artigo Alexitimia e psicossomática: o empobrecimento da linguagem e os processos do adoecer, publicado na revista Neurociências e Comportamento. “Na década de 1980, essas teorias tentavam relacionar configurações mentais com determinadas doenças físicas, notadamente àquelas denominadas de forma extremamente equivocada de ‘doenças psicossomáticas’, e começaram a se tornar predominantes. O grande problema é que na nossa prática clínica e de pesquisa das inter-relações mente-corpo, ou seja, da psicossomática, isto não era evidenciado.”
Segundo descrevem os autores, o pensamento dos pacientes com alexitimia “é voltado para o exterior, de traços afetivos pobres, escasso valor simbólico e predominantemente operatório, ou seja, relações interpessoais baseadas em ligações utilitárias, carentes de afeto, com dificuldade de apreender os próprios sentimentos e os dos outros, com tendência à dependência ou à solidão”.
A alexitimia já foi considerada uma forma de funcionamento mental que seria característica das “doenças psicossomáticas”, isto é, doenças causadas ou agravadas por sofrimento psicológico, por haver uma suposta dificuldade na capacidade simbólica de representar emoções, mantendo-se assim um estado de tensão emocional que contribuiria para o surgimento de sintomas físicos. “Hoje sabemos que a associação entre alexitimia e doença orgânica não tem sido evidenciada de forma consistente na literatura, sendo, portanto, questionada. Encontramos pessoas clinicamente saudáveis com características alexitímicas”, apontam Rodrigues e Caetano.
Os autores citam um estudo feito por Maria Helena Sproveri, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, e pelo professor Francisco Assumpção, do IP, em 1997, que avaliou 15 famílias com filhos assintomáticos, onde foi detectado que as mães apresentavam maiores índices de estresse e os pais, maiores dificuldades na expressão do afeto. “Eles concluem que a alexitimia pode ser encontrada na personalidade do tempo atual, características de um perfil socialmente esperado e ambos os achados parecem decorrentes dos papéis desenvolvidos pelo homem e pela mulher na família brasileira”, relatam.
Abordagem psicossocial
“Em artigo publicado em 2014, Reflexões críticas sobre o conceito de alexitimia, escrevemos que era plausível indagar se a alexitimia representa, na verdade, a tipificação dos nossos tempos, no sentido de construção social”, afirmam Rodrigues e Caetano. “Desta forma defendemos que aspectos psicossociais deveriam ser aventados na reflexão sobre alexitimia. No artigo recém-publicado, buscamos aprofundar o raciocínio psicossocial.”
"É notório que existe na contemporaneidade um empobrecimento da linguagem tanto oral quanto escrita. A redução do vocabulário, assim como a estereotipação de frases, atesta o empobrecimento da linguagem. Menos palavras e menos verbos conjugados significam menor capacidade de expressar emoções e menor capacidade de elaboração do pensamento”.
Avelino Luiz Rodrigues e Allan Felippe Rodrigues Caetano
“Vivemos o tempo de uma ‘tecnificação da cultura’ e um desenvolvimento quase que inimaginável das indústrias técnico-eletrônicas que acabam em uma invasão tecnológica e comercialização da subjetividade que infestam a vida subjetiva e a vida social”, apontam os autores do artigo.
De acordo com Rodrigues e Caetano, há um sofrimento aflitivo crescente e cotidiano, com um aumento importante da competição social e econômica, além de um volume de informações impossível de receber uma elaboração cognitiva mais ou menos razoável. “O sujeito é governado pelo impulso de possuir e dominado por um pensamento operatório, uma mentalidade racionalista e racionalizante, uma razão sempre instrumental”, observam. “Afinal, há um predomínio de um pensamento concreto.”
“Muitas doenças se alteraram no tempo. Não vemos hoje, ou são bem menos frequentes, quadros clínicos do passado, como o da conversão, a paralisia de ontem parece que foi substituída pela fadiga, o perfil epidemiológico das doenças cardiovasculares se modificou e isto não pode ser compreendido apenas pelas variáveis biológicas”, concluem os autores. “O que se oferece para discussão neste artigo é que a alexitimia e o pensamento operatório, apresentados como os mais correntes do processo de somatização, na verdade, são construções sociais, tipificações, formas emblemáticas do nosso tempo, e desde há muito sabemos que o organismo e, ainda mais, o eu, não podem ser devidamente compreendidos fora do particular contexto social em que foram formados.”
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