Cuidados da família podem interferir no desenvolvimento da locomoção de bebês

Ambiente, crenças dos pais e rotina podem influenciar desenvolvimento motor, quando os bebês começam a se movimentar

 Publicado: 31/07/2024

Texto: Da Redação*

Arte: Olívia Rueda**

bebê de jardineira dá seus primeiros passos em uma sala com auxilio de adulto, ao fundo sofá com almofadas e vasos de plantas

Crianças cujos pais concordavam com a ideia de que o desenvolvimento motor precisa ser estimulado andaram antes do que aquelas cujos pais discordavam dessa ideia – Foto: Freepik

Ainda que pareça um processo comum e previsível, aprender a andar pode depender de fatores que vão muito além dos biológicos, segundo uma pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. O estudo feito por Maylli Daiani Graciosa, sob orientação do professor Edison de Jesus Manoel, analisou o desenvolvimento motor dos bebês a partir da visão epigenética, que considera também a interação com o ambiente. Os resultados mostraram que bebês que brincam com mais frequência no chão aos cinco meses podem começar a se locomover de maneira independente mais cedo. O início do andar independente foi mais tardio para aqueles que, aos nove meses, ficavam frequentemente no berço ou na posição de barriga para cima.

Dar o primeiro passo em algo muitas vezes exige paciência e dedicação, principalmente quando se trata dos bebês. Engatinhando ou se arrastando, os pequenos passam por diversas experiências até conseguirem, finalmente, realizar a locomoção de maneira independente. A epigenética considera que se trata de um processo envolvendo a interação de vários elementos que vão do gene às células, das células aos órgãos, ao sistema nervoso, ao comportamento, ao ambiente físico e ao ambiente social. Na pesquisa, as crianças cujos pais concordavam com a ideia de que o desenvolvimento motor precisa ser estimulado andaram antes do que aquelas cujos pais discordavam dessa ideia.

De acordo com os pesquisadores, o processo de desenvolvimento motor não é determinado isoladamente nem pelos genes, nem pelo meio social, mas pelas relações recíprocas entre todos os elementos. Desta forma, é fundamental investigar como as experiências são construídas pela pessoa em desenvolvimento (os bebês) e as pessoas ao redor (os pais).

Um dos objetivos foi caracterizar os variados caminhos de desenvolvimento da locomoção desde o seu surgimento pelo arrastar ou engatinhar até o andar com ou sem apoio. Assim, os pesquisadores estudaram a interação entre os cuidados familiares (posicionamento e superfícies onde o bebê é colocado e crenças parentais) e as características e habilidades do bebê (habilidades motoras, idade, dimensões corporais). Essa análise levou a dados sobre as variações no tempo e a forma de surgimento de comportamentos de locomoção.

“A tese de doutorado foi elaborada com base em uma curiosidade empírica que eu sempre tive: ‘por que existe tanta variabilidade no desenvolvimento motor de bebês?’”, explica Maylli Daiani Graciosa. “Minha dúvida era principalmente no desenvolvimento de comportamentos de locomoção.”

É fundamental investigar como as experiências são construídas pelos bebês e os pais - Foto: Freepik

Fatores biológicos e sociais

A pesquisadora acompanhou 45 bebês típicos que tinham entre cinco e 18 meses ao longo de seis meses. Eles foram divididos em três grupos de acordo com a idade: cinco a 11 meses (grupo 1), nove a 15 meses (grupo 2) e 13 a 18 meses (grupo 3). Também foram considerados o status de desenvolvimento motor do bebê e o ambiente em que permanecia quando acordado, assim como o posicionamento ou a superfície em que brincava e as crenças de seus familiares. Como a pesquisa ocorreu durante a pandemia de covid-19, a análise foi feita com base em vídeos enviados pelas famílias. As gravações tinham cerca de oito minutos e registraram momentos em que os bebês se movimentavam espontaneamente pela casa. Os vídeos eram enviados para a pesquisadora a cada 15 dias, totalizando mais de 400 gravações.

“Pode-se pensar que esse estudo tenha alguma ‘validade ecológica’ no sentido que conseguimos uma representação próxima ao que é ‘real’, ‘natural’ na vida das crianças”, conta a pesquisadora. “Irmãos, cachorros, bagunça, tudo que existia na casa da família aparecia. Foi muito interessante, pois no final os pais tiveram que atuar como pesquisadores junto comigo.” Para compreender os caminhos de desenvolvimento da locomoção, foi necessário identificar os comportamentos motores apresentados pelos bebês ao longo do tempo. Foram considerados dois momentos: o de emergência – quando o comportamento surge pela primeira vez – e o de transição – quando ocorrem mudanças na predominância de comportamentos, por exemplo, um bebê que passa a preferir andar com apoio a engatinhar.

Comportamentos motores apresentados pelos bebês ao longo do tempo - Foto: Reprodução/EEFE-USP

A pesquisa constatou uma grande variação de caminhos de desenvolvimento da locomoção. Por exemplo, dois bebês do grupo 1 passaram de engatinhar com as mãos e os joelhos direto para andar em pé se apoiando em objetos. Por outro lado, outro bebê do mesmo grupo começou a engatinhar de maneira assimétrica antes de conseguir andar com apoio. Parte dessa variação tem relação com o ambiente em que os pequenos vivem. “Evidenciar o impacto que os fatores sociais têm no desenvolvimento motor de bebês não é só importante para os estudos científicos, mas também para a comunidade como um todo”, comenta Maylli Daiani Graciosa. A constatação pode significar um avanço para orientar e educar famílias, principalmente cuidadores de crianças de risco ou ainda com desenvolvimento motor atípico”, comenta a pesquisadora.

“Hoje, infelizmente, ainda temos muitos profissionais com uma visão ultrapassada e limitada sobre desenvolvimento motor ‘de que é um processo de aparecimento de marcos motores em uma sequência de etapas que não podem ser puladas’”, pontua a pesquisadora. “As pesquisas mais atuais mostram que desenvolvimento motor é um processo dinâmico, complexo e probabilístico e isso é decorrente do papel da experiência.”

Recentemente, parte dos resultados do trabalho foram publicados em na revista Infant Behavior and Development, em artigo intitulado Emergence of locomotor behaviors: Associations with infant characteristics, developmental status, parental beliefs, and practices in typically developing Brazilian infants aged 5 to 15 months. É possível acessar o trabalho por meio deste link. A pesquisa completa, denominada Emergência e transição na locomoção de lactentes típicos entre 5 e 18 meses de idade: caminhos de desenvolvimento e elementos da paisagem epigenética, pode ser encontrada no banco de teses da USP neste link.

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*Por Giulia Rodrigues, estagiária sob supervisão de Paula Bassi, Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, adaptado por Júlio Bernardes

** Estagiária supervisionada por Moisés Dorado


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