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Como o levantamento de peso pode “dar uma força” a atletas de outros esportes
Exercícios usados nos treinos da modalidade têm potencial para aperfeiçoar habilidades como saltar e correr rápido em distâncias curtas
O levantamento de peso é reconhecido como uma modalidade esportiva tradicional dos Jogos Olímpicos. Esse reconhecimento está associado à sua frequente inclusão no programa olímpico desde a primeira edição da Era Moderna, em Atenas, no ano de 1896. Para além das competições em si, a modalidade também tem chamado a atenção de treinadores e cientistas devido aos benefícios que seus exercícios podem trazer para atletas de outras especialidades, como mostram duas pesquisas realizadas na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. Realizados com jogadoras de handebol e praticantes de treinamento de força sem experiência com levantamento de peso, os trabalhos mostram que a modalidade tem potencial para aprimorar habilidades como dar saltos e fazer corridas rápidas em curtas distâncias, o sprint.
Em Paris 2024, o levantamento de peso foi disputado em cinco categorias para o sexo masculino, 61, 73, 89, 102 e acima de 102 quilos (kg), e o feminino, 49, 59, 71, 81 e acima de 81 kg. A modalidade requer a execução de dois exercícios: o arranco e o arremesso. No arranco, o atleta deve elevar a barra, com um único movimento, do solo até acima da cabeça. Já no arremesso, o atleta realiza o movimento em dois tempos, ou seja, eleva a barra do solo até os ombros e posteriormente, dos ombros até acima da cabeça. A partir da realização dos dois exercícios, o desempenho pode ser quantificado. Nos Jogos Olímpicos, a performance é avaliada pela somatória da maior quantidade de peso (em quilos) que o atleta consegue levantar nos exercícios de arranco e arremesso. Desta forma, vence o atleta que somar a maior quantidade de peso levantado nos dois exercícios. Confira os resultados do levantamento de peso nos Jogos Olímpicos neste link.
De acordo com o professor Valmor Tricoli, da EEFE, diferentemente do que o senso comum pode levar a crer, o sucesso nesta modalidade esportiva depende, dentre outros fatores, da produção de potência e não de força máxima, em particular nos músculos dos membros inferiores. Como consequência, os “pesistas” (atletas de levantamento de peso) são normalmente mais potentes que atletas de diferentes modalidades esportivas coletivas ou individuais. Essa característica chamou a atenção de treinadores e pesquisadores das ciências do esporte, que passaram a explorar os exercícios educativos do levantamento de peso com o objetivo de melhorar a potência de atletas de outras modalidades. De um ponto de vista prático, Tricoli explica que a potência tem associações positivas com diferentes habilidades motoras esportivas.
“Atletas mais potentes são capazes de saltar mais alto, correr mais rápido em curtas distâncias, o sprint, e mudar mais rapidamente de direção. Saltar mais alto pode possibilitar uma vantagem durante o ataque e o bloqueio no voleibol, o rebote no basquetebol e o salto vertical na apresentação de solo da ginástica artística. Além disso, realizar o sprint e a mudança de direção mais rapidamente pode ser vantajoso em determinados momentos de uma partida de futebol, handebol e rúgbi”, explica. “Assim, é possível utilizar os exercícios educativos do levantamento de peso por atletas de outras modalidades esportivas para alterar positivamente a performance. Neste caso, pequenos ajustes devem ser feitos nos exercícios.”
Efetividade do treinamento
O arranco e o arremesso são considerados exercícios de extrema complexidade técnica. Por essa razão, muitos atletas de outras modalidades esportivas não conseguem realizá-los com a técnica apropriada. Uma estratégia adotada para resolver essa questão é o uso dos exercícios educativos específicos da modalidade, semelhantes ao arranco e ao arremesso, porém, com a omissão de determinadas partes dos movimentos. As partes omitidas são aquelas que necessitam de alto nível técnico na execução, por exemplo, os movimentos que projetam a barra acima da cabeça. Nesse sentido, os programas de treinamento de atletas não “pesistas” costumam incluir exercícios que enfatizam as partes iniciais da tarefa motora.
A inclusão dos educativos nos programas de treinamento depende da confirmação da sua efetividade no contexto esportivo. Diante desse cenário, duas pesquisas foram realizadas recentemente na EEFE para investigar esta questão. O primeiro estudo foi conduzido por Cláudio Machado Pinto e Silva, preparador físico da Seleção Brasileira de Handebol, sob orientação do professor Valmor Tricoli. Nessa pesquisa , participaram 16 atletas profissionais de handebol do sexo feminino. Durante sete semanas, as atletas realizaram o hang power clean, movimento em que o peso é puxado da posição suspensa para os ombros. Além de investigar a efetividade do exercício, o estudo também tinha como objetivo verificar o efeito de diferentes intensidades de treinamento.
Um grupo de atletas treinou o hang power clean com uma quantidade de peso que correspondia a 50% da força máxima, enquanto o outro grupo treinou com uma quantidade de peso que correspondia a 90% da força máxima. Após as sete semanas de treinamento, os grupos conseguiram aumentar a altura do salto vertical e a velocidade de sprint. Entretanto, o grupo que treinou com 90% da força máxima obteve resultados ligeiramente melhores em comparação ao grupo com intensidade de 50% da força máxima. Assim, o estudo observou que os exercícios aplicados foram efetivos e que a intensidade utilizada tem influência na melhora do salto vertical e do sprint. Porém, os pesquisadores destacam que a determinação e controle da intensidade no hang power clean e em outros exercícios educativos não é uma tarefa simples. O estudo pode ser lido na íntegra neste link.
O segundo trabalho foi feito por Demostenys David da Silva em 2022, também sob orientação do professor Valmor Tricoli. Essa investigação tinha como objetivo comparar a efetividade de dois exercícios educativos distintos. Nessa pesquisa, os participantes foram 23 pessoas do sexo masculino com experiência em treinamento de força, mas sem experiência com levantamento de peso. Os participantes foram divididos em dois grupos e treinaram com os exercícios hang power clean ou jump shrug, similar a ele, mas com execução de mais baixa complexidade. Após oito semanas de treinamento, ambos os grupos aumentaram a altura do salto vertical, bem como a velocidade durante o teste de mudança de direção. Deste modo, o estudo demonstrou a efetividade dos educativos para o aumento do desempenho no salto vertical e na mudança de direção.
Em casos de pessoas que não são atletas profissionais, os exercícios educativos de levantamento de peso são bastante utilizados nas rotinas de crossfit. Porém, Tricoli ressalta que são de difícil aplicação, pois requerem equipamento específico e profissional muito bem preparado para a aplicação do método. A pesquisa completa está disponível neste link.
*Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE, adaptado por Júlio Bernardes
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