
Para fugir do nazismo, o garoto Daniel Roth, então com 12 anos, viveu durante 22 meses escondido dentro de um buraco no assoalho de um quarto, junto com outras 18 pessoas, numa casa de camponeses no interior da Polônia, entre novembro de 1942 e agosto de 1944. A comida era pouca e repartida; as necessidades eram feitas em um balde; e os banhos, escassos. Quanto ao medo… este sim era uma constante.
Hoje, aos 86 anos, quando relembra esta fase de sua vida, Daniel Roth costuma dizer que, se tivesse o talento literário de Anne Frank (a adolescente judia que escreveu um diário durante o período em que se escondeu dos nazistas na Segunda Guerra), ele teria escrito uma história semelhante à dela, com apenas três diferenças. A primeira é a geográfica (ele estava na Polônia; ela, na Holanda); a segunda é a do local do esconderijo (ele se escondeu em um porão; ela, num sótão) e a terceira é a da sobrevivência (ele sobreviveu; ela não).

Daniel Roth é um dos participantes do projeto Vozes do Holocausto, que registrou 90 testemunhos e produziu dez vídeos de depoimentos de sobreviventes da perseguição nazista aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, além de dez livros paradidáticos. O projeto é realizado pelo Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob a coordenação da professora Maria Luiza Tucci Carneiro.
Nesta terça-feira (14), alguns dos resultados deste projeto foram apresentados no seminário Vozes do Holocausto – Testemunhos de Sobreviventes Poloneses: Ecos e Silêncios de um Genocídio. O público que estava no Auditório da Biblioteca Brasiliana, na Cidade Universitária, em São Paulo, pôde acompanhar o depoimento, além de Daniel Roth, de duas outras sobreviventes: Rita Braum e Miriam D. Bryk.
O seminário ainda contou com a participação da professora Renata Siuda-Ambroziak, da Universidade de Varsóvia, que abordou as memórias do Holocausto na Polônia. Houve também o lançamento do livro Liberdade de Escolher Como Morrer, da pesquisadora Silvia Lerner, que em sua palestra apresentou as diversas formas de resistência que os judeus criaram durante a Segunda Guerra. Já o coral infanto-juvenil da União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (Unibes) levou ao público uma seleção de músicas brasileiras, judaicas e africanas.
Transmitir e multiplicar

“Hoje é um dia importante para nós, pois, a partir de agora, começamos a divulgação de todos os registros dos sobreviventes. Estamos enfatizando não apenas a importância de transmitir, mas de multiplicar, no sentido de valorizar esta memória enquanto registro de um genocídio”, destaca a professora Maria Luiza.
Segundo ela, para muitos, o Holocausto é algo incompreensível e indescritível. “Pelos depoimentos conseguimos reconstituir parte da nossa memória e ela vai se enriquecendo à medida que ocorre uma conscientização dos filhos e netos desses sobreviventes. A partir desses filhos e netos é possível resgatar esse legado por meio de documentos e fotografias e, com isso, fazer uma somatória dos registros. Então a ideia é transmitir e multiplicar e, a partir disso, alertar as novas gerações para os perigos do antissemitismo e de qualquer outro pensamento racista”, destaca.

Foram selecionados dez depoimentos que estão sendo disponibilizados em DVDs, juntamente com um livro paradidático, com foco nas escolas. “A ideia desses livros é unir a história do sobrevivente com o contexto histórico, além de mostrar que houve um movimento de resistência dos judeus”, explica a pesquisadora do LEER Carol Colffield.
De acordo com a professora Maria Luiza, outro segmento para divulgar e multiplicar o projeto é levar sobreviventes (ou seus filhos e netos) para palestrar nas escolas. “Temos ainda a Coleção Testemunhos, publicada pela editora Humanitas. Neste ano já temos previstos mais três novos títulos escritos por filhos de sobreviventes”, informa a docente.
Patronos
Maria Luiza conta que o projeto foi realizado graças a duas iniciativas: os programas Adote um Bolsista, para auxílio dos pesquisadores envolvidos no projeto, e o Escreva a sua História, direcionado para sobreviventes, filhos e netos com o intuito de eles escreverem seus relatos.
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“Esses dois programas foram mantidos, ao longo do último ano, por meio de pequenas doações de pessoas físicas, jurídicas ou de associações judaicas, entre elas a Unibes, a B´nai B´rith, a Confederação Israelita do Brasil [Conib] e a Federação Israelita do Estado de São Paulo [Fisesp], além de patronos como Gabriel Zitune [da Unibes] e de Jorge Legman, que é uma das últimas crianças a nascerem em um campo de concentração”, ressalta. Ela comemora também as recentes parcerias que vão trazer inúmeros benefícios aos projeto: com o Arquivo do Museu de Auschwitz, na Polônia, e com a professora Renata Siuda, da Universidade de Varsóvia.
“Outra estratégia é o espetáculo teatral Mergulho, de autoria da pesquisadora do LEER Leslie Marko. A peça direcionada para adolescentes utiliza o Holocausto como ponto de partida para falar de outros preconceitos. No palco, um coreano, uma moça negra e um judeu se deparam com preconceitos que eles mesmos têm e que também sofrem. No final, há um debate com o público. Também são realizadas oficinas com os professores para sensibilizá-los sobre o tema. O espetáculo é realizado nos Centros Educacionais Unificados (CEU) da Prefeitura do Municipal de São Paulo, com apoio da B´nai B´rith.
Os depoimentos completos podem ser acessados no site do Arquivo Virtual do Holocausto (Arqshoah) – http://www.arqshoah.com.
Mais informações: email malutucci@gmail.com, com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, e no site do Arqshoah http://www.arqshoah.com.