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Em A Pedagogia do Oprimido (1968), o educador Paulo Freire revolucionou o conceito de educação popular. Trata-se da principal obra do autor, uma das mais lidas, traduzidas e citadas de todo o mundo. Motivada pelo ineditismo do conteúdo de seus manuscritos originais e pela ciência do desejo que Freire nutria em revê-los – o educador faleceu em 1997 sem saber que os arquivos ainda estavam intactos -, a pesquisadora Camila Téo da Silva decidiu transcrever o material, de modo a facilitar sua leitura, e, junto a isso, fazer um resgate histórico e metodológico da obra.
Para cumprir seu objetivo, Camila utilizou um fac-símile digitalizado dos manuscritos originais e contou com a colaboração de pessoas próximas ao educador, além de relato deixado por ele na obra Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido (1996). O estudo deu origem à dissertação de mestrado A gênese da Pedagogia do Oprimido: o manuscrito.
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Um gráfico central, não publicado no Brasil
Os manuscritos originais de A Pedagogia do Oprimido foram concebidos pelo autor durante seu exílio no Chile (1964-1969) e lá permaneceram guardados por mais de três décadas. De acordo com a pesquisa, em 1968, mesmo ano em que foi finalizado, o material foi entregue pelo educador a um casal de amigos – o educador temia que o material fosse confiscado pelas forças chilenas – e com eles continuou até os anos 2000, quando foi cedido ao Instituto Paulo Freire. “O manuscrito permaneceu inédito por anos e anos. Sem edição e com partes não publicadas”, aponta Camila.
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Dentre as partes da obra desconhecidas pelo grande público está uma especialmente inédita aos leitores da edição brasileira, publicada pela primeira vez em 1975, e aos detentores de outras traduções baseadas nela: um gráfico em que o autor esboça sua Teoria da Ação Revolucionária e sua Teoria da Ação Opressora. Nele, a primeira teoria é representada de forma cíclica, em que os líderes revolucionários e as massas oprimidas são colocados na mesma posição e com setas entre si que apontam para a existência de diálogo entre as partes; e a segunda é esboçada de maneira verticalizada, com setas apontadas para baixo que conduzem à “manutenção da opressão”, indicando o problema da ausência de diálogo. Para Camila, o gráfico é central para o entendimento do texto. “Freire foi tão didático que desenhou sua teoria, a centralizou em um único desenho e depois foi apenas esmiuçando o conteúdo ao longo da obra”, avalia a pesquisadora. Conforme o estudo aponta, tudo leva a crer que o motivo de sua não publicação foi o de evitar maiores “problemas em torno da obra”. “O conteúdo do gráfico é tão explícito que alguns especialistas afirmam que o gráfico foi retirado da obra por propósito ditatorial, possivelmente para evitar os censores”, observa Camila. A pesquisa demonstra que, até a 15ª reimpressão da obra publicada no Brasil, havia apenas um espaço em branco no lugar onde, originalmente, deveria constar o gráfico e que, a partir da 17ª edição, esse espaço deixou de existir. Vale destacar que, diferentemente do que ocorreu com as edições baseadas na publicação brasileira, as edições observadas pelo trabalho, baseadas na primeira publicação do livro – a obra foi publicada pela primeira vez em inglês, em 1970 -, apresentavam o gráfico, que também foi observado em publicação de Portugal.
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Um resgate histórico e metodológico
No trabalho, além de comentar algumas das ações anteriores à Pedagogia do Oprimido que influenciaram sua concepção – como a “experiência de Angicos”, de 1963 e 1964, que resultou na extradição do educador para o Chile -, de recordar fatos importantes sobre sua conservação e de delinear o percurso editorial da obra, Camila traz um resgate metodológico do livro, demonstrando a forma como ele foi construído e revelando o perfil da forma de trabalho de Freire.
A pesquisadora conta que ficou surpresa com os rumos que sua pesquisa tomou. “Pude traçar um perfil bem bonito do autor, principalmente do modo como Paulo criava, da paixão com a qual Paulo compunha suas obras”, diz.
O estudo demonstra que o educador tinha o costume de reescrever seus textos cuidadosamente e de conversar intensamente com as pessoas antes de escrever. Aqui, Camila chama a atenção para o que nomeou “método dialogado”: primeiro ele discutia até a exaustão cada passagem e método empregado com seus educandos, depois experimentava, da mesma forma, as palavras que iria escrever e, por fim, o texto era reescrito. Ainda, todo esse processo passava pelo olhar atento da primeira esposa, Elza. “Freire era metódico, o ato de escrever era para ele prazeroso e, ao mesmo tempo, exaustivo, o texto deveria ser didático, mas também muito bem escrito”, avalia.
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Próximos passos
A pesquisadora afirma que, apesar de muitos estudiosos de Paulo Freire se concentrarem no conteúdo de sua obra, poucos dirigem seus estudos a sua forma, tal como ela fez em sua dissertação. “É importante ressaltar que esse tipo de trabalho que desenvolvemos ainda é relativamente novo no campo da pesquisa”, afirma. Camila diz que pretende seguir se aprofundando no tema, comparando o manuscrito às edições impressas da obra publicadas no Brasil. “Ainda é uma atual”, ressalta a pesquisadora sobre a obra que, em 2018, completará 50 anos.
A dissertação de mestrado foi orientada pelo professor Marcelo Módolo e defendida em 2017 no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.