Fotomontagem com imagens de Freepik

Pesquisa investiga o comportamento alimentar de estudantes universitários durante a pandemia

O estudo, que teve alunos da USP como participantes, identificou a presença de transtornos alimentares no grupo; os resultados podem ser importantes para estimular o desenvolvimento de políticas de saúde mental na Universidade

 01/02/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 06/02/2023 as 14:48

Texto: Bianca Camatta

Arte: Rebeca Fonseca

Pesquisa desenvolvida com 405 alunos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) entre março e junho de 2020 identificou a ocorrência de alguns distúrbios como compulsão alimentar, transtorno alimentar não especificado e bulimia nervosa. Foi nesse período da pandemia de covid-19 que as atividades da Universidade ainda estavam paralisadas devido ao isolamento social, momento anterior ao início das aulas on-line. O estudo mostrou, ainda, que graduandos que faziam ou pensavam em começar uma dieta estavam mais propensos a desenvolver compulsão alimentar.

A compulsão alimentar é marcada por uma ingestão exagerada de alimentos, mesmo quando não há fome. O transtorno alimentar não especificado é quando há sintomas, como prática exacerbada de jejum e exercícios, mas que não se encaixam em um transtorno específico, enquanto a bulimia nervosa é caracterizada pela compulsão seguida de medidas para evitar o ganho de peso, como vômito, exercício físico em excesso e jejum.

“O nosso achado mais interessante, e que extrapola os efeitos do isolamento, foi conseguir identificar um grupo de pessoas que tinha planos de emagrecer, mas não estavam no momento realizando dieta”, conta ao Jornal da USP Jônatas de Oliveira, autor do estudo e doutorando em Ciências pela FMUSP. Esse comportamento é chamado de mentalidade de dieta. “Estudos anteriores estavam focados em categorizar grupos em dieta e em não dieta, mas a nossa preocupação, que vem da prática clínica, não é algo novo”, aponta.

A pesquisa mostrou que tanto nos casos de mentalidade de dieta quanto nos casos em que existe de fato a prática de uma restrição alimentar há uma diminuição da confiança nos sinais de fome e saciedade, além de altos desejos por comida, e o aumento do comer transtornado (que inclui práticas não saudáveis para o controle de peso, como sentimento de culpa ao comer certo alimento e jejuns prolongados, mas que ainda não é qualificado como um transtorno alimentar).

Jônatas de Oliveira – Foto: Arquivo pessoal

Para avaliar os fenômenos relacionados à prática entre os estudantes, foi utilizado um questionário on-line com 64 alternativas, das quais os participantes escolhiam 16 que mais se assemelhavam ao comportamento deles no momento da avaliação. Parte das questões é comumente usada para investigar a presença do comer transtornado e de sintomas de transtornos alimentares, e outras foram desenvolvidas levando em conta o isolamento e os planos de emagrecer. Um exemplo de sentença presente no questionário é: Há períodos regulares em que parece que eu estou continuamente comendo, sem refeições planejadas.

A partir das respostas foi possível identificar a prática de dietas, os níveis de desejos por comida e o risco para transtorno alimentar dos estudantes.

“A fase de início da graduação, principalmente, é marcada por desafios: deslocamento, restrições financeiras em muitos casos, e a própria autocobrança por desempenho acadêmico”, explica Oliveira. Por isso, a rotina de universitários já era estudada pelos pesquisadores e o impacto do isolamento nos comportamentos alimentares logo se tornou alvo de interesse.

Mentalidade de dieta e transtornos alimentares

O pesquisador explica que a intenção de mudança dessas pessoas pode estar ligada a crenças negativas em relação ao corpo e à comida. “Esses pensamentos estão envolvidos em alguma resposta emocional, que nesse período já estava vulnerável por tantas incertezas sociopolíticas e emocionais”, adiciona.

A bulimia nervosa foi identificada em 4,5% dos participantes; o transtorno de compulsão alimentar, em 15,2%, e o transtorno alimentar não especificado, em 5,1%. Em estudo realizado por Oliveira antes da pandemia de covid-19, os casos de transtorno de compulsão alimentar estavam presentes em quase 18% dos participantes, enquanto a bulimia, em cerca de 2%. No entanto, ele explica que não é possível indicar se ocorreu uma piora ou melhora no período de isolamento social, já que a amostra de alunos antes da pandemia era o dobro da de março de 2020. Para isso, seria importante um estudo prospectivo, de acompanhamento desses universitários antes e após esse isolamento.

Apesar disso, Oliveira pontua que, no cenário internacional, há estudos que indicaram piora dos sintomas de transtornos alimentares. No Brasil, há uma pesquisa que foca na alimentação e mostra que ocorreu o aumento de beliscos, do comer emocional e do consumo de ultraprocessados. A diferença do estudo de Oliveira é o enfoque nas etapas anteriores ao consumo, como os pensamentos, preocupações com a comida e os planos para emagrecer por meio de dieta.

“Nós ainda investimos na ideia de que a população universitária carece de estratégias de amparo e cuidado em saúde mental”, comenta. Para ele, o desenvolvimento de políticas internas de apoio aos estudantes depende do rastreamento dos comportamentos de risco, como o realizado pela pesquisa.

Mais informações: e-mail oliveira.jonatas@usp.br, com Jônatas Oliveira


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.