Identificada a estrutura que provoca inflamação na placenta de gestante com malária, processo que afeta o desenvolvimento do feto e pode levar ao aborto ou ao nascimento com baixo peso /Foto: Marina Wajnsztejn via Flickr – CC
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Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP identificaram a principal estrutura da placenta responsável pelo processo inflamatório causado pela malária durante a gestação, o receptor TLR4. Em contato com o parasita da doença (plasmódio), o TLR4 é ativado e provoca uma inflamação na placenta, que afeta o desenvolvimento do feto e pode levar ao aborto ou ao nascimento com baixo peso. Os resultados do estudo indicam que, no futuro, um medicamento que bloqueie a ação do TLR4 poderá ser usado no tratamento para reduzir os efeitos da malária na mãe e no feto. O estudo é descrito em artigo publicado na revista eletrônica Scientific Reports de 17 de agosto.
Segundo o professor Cláudio Marinho, coordenador da pesquisa, “todos os anos, pelo menos 50 milhões de mulheres grávidas estão expostas à malária, o que representa um elevado risco de vida, quer para a mãe, quer para o feto em desenvolvimento”, aponta. “A malária na gravidez caracteriza-se pelo sequestro de parasitas na placenta e, consequentemente, anemia materna, diminuição da viabilidade fetal e crescimento intrauterino retardado. Apenas na África, a doença está diretamente relacionada com cerca de 100 mil mortes de crianças por ano.”
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Marinho relata que, no Brasil, o tratamento da malária em gestantes no sistema público de saúde é iniciado em, no máximo, 72 horas após a doença ser detectada. “Na grávida infectada, o plasmódio chega pelo sangue até a placenta, órgão responsável pelo transporte de oxigênio e nutrientes para o feto, o que faz com que a doença tenha um grande reflexo no seu desenvolvimento”, diz. “O tratamento é feito com medicamentos antimaláricos, que matam o parasita.”
Apesar de os parasitas serem mortos, seus resíduos podem continuar a ativar na placenta alguns receptores da imunidade inata (TLRs, do inglês Toll Like Receptors). “Eles são uma espécie de sensores de perigo nos tecidos que, ao identificarem algo estranho, levam à produção de citocinas inflamatórias e à atração de células de defesa, que provocam a inflamação na placenta”, conta o professor. “A inflamação é tão forte que prejudica o desenvolvimento do feto, levando à maior ocorrência de abortos, partos prematuros e nascimentos com baixo peso em áreas endêmicas para malária.”
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Bloqueio
A pesquisa identificou que na malária gestacional o principal receptor da imunidade inata na placenta é o TLR4. “Para impedir a ação desse receptor, camundongos gestantes infectados com o plasmódio foram tratados com uma droga experimental, ainda não testada em seres humanos, o IAXO, desenvolvida em uma companhia farmacêutica em San Diego, nos Estados Unidos”, relata Marinho. “O tratamento bloqueou o TLR4 impedindo a inflamação na placenta, o que fez com que os camundongos nascessem com peso normal. Este é um sinal de que o desenvolvimento do filhote dentro do útero ocorreu bem.”
Pela primeira vez, os pesquisadores do ICB conseguiram bloquear a ação do TLR4. “Apesar desse bloqueio ser apenas parcial, ele foi suficiente para reduzir os efeitos prejudiciais da doença na gestação e após o nascimento”, afirma o professor. “O grupo vem pesquisando o tratamento com outros medicamentos, sempre na intenção de obter formas de diminuir o processo inflamatório placentário.”
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Marinho destaca que os experimentos em modelo animal são o primeiro passo para o tratamento vir a ser utilizado no futuro em seres humanos. “É preciso que a terapia seja testada exaustivamente em animais, antes da aplicação clínica”, afirma. “Futuramente, o medicamento seria usado como terapia adjuvante, ou seja, tomado pela gestante junto com os antimaláricos para diminuir a inflamação na placenta.”
O artigo foi publicado na revista eletrônica de acesso aberto Scientific Reports, do Grupo Nature. O projeto de pesquisa O papel dos inflamassomas na patogênese da malária associada à gravidez: efeitos e mecanismos teve auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O trabalho teve a colaboração de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Mais informações: e-mail marinho@usp.br, com o professor Cláudio Marinho.
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