Predação Teiú Noronha - Foto Eliseu Souza Júnior

Teiús já são considerados "hóspedes" indesejados no Arquipélago Fernando de Noronha

Além de predador de espécies consideradas em extinção nas ilhas, o lagarto é portador da bactéria "Salmonella enterica", que pode ameaçar o turismo da região

04/12/2019

Por Antonio Carlos Quinto

No Arquipélago Fernando de Noronha ‒ distante cerca de 350 quilômetros da costa do nordeste brasileiro ‒ uma espécie invasora do gênero de répteis Salvator, da família Teiidae, mais conhecida como teiú, precisa ser controlada. “O réptil representa riscos a outras espécies nativas, ao ecossistema e ao homem, por ser portador da bactéria Salmonella enterica, responsável pela doença Salmonelose. Além disso, o teiú se reproduz no arquipélago sem nenhum controle”, conta o analista ambiental Carlos Roberto Abrahão. Em seu estudo de doutorado realizado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, Abrahão fez um levantamento de dados sobre a população do réptil nas ilhas que compõem o arquipélago e propôs estratégias de manejo do animal para melhorar a conservação das espécies das ilhas.

Segundo o cientista, os primeiros registros da presença do teiú nas ilhas datam de quase um século, quando estes animais foram introduzidos pelo homem para fazer o controle de roedores (ratos) trazidos pelos europeus. “Publicações da década de 1950 registram a presença deste lagarto no arquipélago”, conta. Atualmente a população de teiús é estimada entre 7 e 12 mil lagartos adultos na ilha principal. Também conhecido como teju ou tejú (Salvator merianae) o réptil é considerado o maior lagarto da América do Sul e, no continente, pode pesar até 5 quilos. “Em Fernando de Noronha, raramente ultrapassa os 2 kg”, observa Abrahão. Mais da metade dos teiús capturados em Noronha apresentou a bactéria Salmonella enterica, que pode causar a doença Salmonelose, caracterizada por diarreia grave e que pode representar risco de morte para crianças e idosos.

O Arquipélago Fernando de Noronha é dividido em duas áreas: o Parque Nacional Marinho e a Área de Proteção Ambiental (APA). De acordo com Abrahão, a maior população de teiús concentra-se na ilha principal do arquipélago, que possui uma área total de 1.840 hectares. “O arquipélago é composto por 21 ilhas e ilhotas e, por ter o teiú a capacidade de mergulhar e nadar, é possível que ele use outras ilhas, além da principal”, descreve o cientista.

Em Fernando de Noronha, os teiús chegam a ser uma ameaça ao turismo, principalmente por conta da contaminação pela Salmonella enterica

Trabalho de captura dos teiús foram feitos por meio de armadilhas de PVC - Foto: Cedida pelo pesquisador

População de teiús na ilha principal é estimada entre 7 e 12 mil lagartos adultos - Foto: Cedida pelo pesquisador

O analista ambiental Carlos Roberto Abrahão afere dados obtidos de um lagarto - Foto: Cedida pelo pesquisador

Mais da metade dos teiús capturados em Fernando de Noronha apresentou a bactéria causadora da Salmonelose - Foto: Cedida pelo pesquisador

Ameaçando espécies

A capacidade de deslocamento dos teiús os torna um predador de espécies ameaçadas ou endêmicas das ilhas, como a tartaruga-verde (Chelonia midas) o lagarto-de-noronha (Trachylepis atlantica), a anfisbena-de-noronha (Amphisbaena ridleyi) e o caranguejo-amarelo (Johngarthia lagostoma). “Na ilha principal os atobás não fazem mais ninhos no solo. Resta somente uma colônia que ainda resiste, com apenas uns 10 a 20 mil indivíduos”, contabiliza Abrahão, ressaltando que, além dos teiús, populações de ratos e gatos, que também são um grande problema no arquipélago, “tenham forçado a saída das aves da ilha principal.”

Em suas análises e estudos, que foram iniciados no ano de 2014, Abrahão contou com uma bolsa-sanduíche. O convênio possibilitou que ele fizesse parte de seus estudos na Nova Zelândia, ilha que também tem graves problemas com espécies invasoras. “De lá, conseguimos trazer um especialista que nos auxiliou nos levantamentos e análises dos dados”, conta.

Os dados foram coletados em visitas que duravam um mês, duas vezes por ano, entre os anos de 2015 e 2016. Sobre a bactéria Salmonella enterica, mais de 50% dos teiús de Fernando de Noronha são portadores. Os pesquisadores também identificaram os tipos de salmonela encontrados nos teiús e notaram que alguns dos tipos presentes em Noronha são responsáveis por doenças em humanos em outros lugares do mundo.

Ratos também representam um problema nas ilhas do arquipélago - Foto: Cedida pelo pesquisador

Atobás não fazem mais seus ninhos no solo da ilha principal de Noronha - Foto: Cedida pelo pesquisador

Ameaça ao turismo

Em Fernando de Noronha, os teiús chegam a ser uma ameaça ao turismo, principalmente por conta da contaminação pela Salmonella enterica. A bactéria é encontrada nas fezes do réptil e, além do mais, o animal é consumido como uma “iguaria”. “Isso acontece não somente nas ilhas do arquipélago, mas também no continente”, registra o cientista. Mesmo sendo uma ameaça ao turismo, por conta da diarreia grave que pode causar a contaminação, Abrahão lembra que os moradores locais podem ter desenvolvido uma resistência natural à bactéria. “O problema é mais grave com relação aos turistas”, adverte.

Abrahão lembra também que, mesmo sendo considerada uma espécie invasora, os teiús são considerados oficialmente, no arquipélago, como espécie nativa e protegida. “Trata-se de uma controvérsia, mas nossos estudos comprovam a necessidade de programas de controle do animal”, afirma o analista ambiental, lembrando que alguns lugares das ilhas são mais sensíveis à presença do réptil, como por exemplo os locais de desova de tartarugas marinhas.

​Após um acordo com a comunidade local, existe uma possibilidade de instalar estratégias de controle ainda em 2020

Costa Fernando de Noronha - Foto: Cedida pelo pesquisador

Controle necessário

Os levantamentos realizados na tese Estratégias para o manejo do teiú (Salvator merianae Duméril & Bibron, 1839), um lagarto invasor no arquipélago de Fernando de Noronha, PE, Brasil, que teve a orientação do professor Ricardo Augusto Dias, indicam a necessidade de controle da espécie no arquipélago. Para tanto, o pesquisador recomenda que sejam utilizadas armadilhas simples e baratas para a coleta dos lagartos. Para isso, de acordo com Abrahão, torna-se necessário que se tenha um plano de ação que seja discutido junto à população local. “A comunidade tem de ser ouvida, já que se trata de uma ação a longo prazo”, estima o cientista, lembrando que a estratégia deve ser semelhante à adotada em relação à população de gatos do arquipélago.

Abrahão, que atua como analista ambiental há quase dez anos no Centro de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, propõe um plano piloto de manejo dos teiús em Fernando de Noronha. “Após um acordo com a comunidade local, existe uma possibilidade de instalar estratégias de controle ainda em 2020”, avalia o cientista. Dentre os predadores naturais do teiú estão os grandes mamíferos. No continente, como descreve Abrahão, grandes carnívoros como felinos e canídeos podem predar o teiú. “Mas a tese de introdução de predadores para controle de espécies invasoras não é recomendada pela ciência, salvo raríssimas exceções. Geralmente se tornam mais um problema”, adverte o analista ambiental. Um exemplo disto é o próprio teiú, que foi introduzido para o controle de ratos mas acabou se tornando, ele próprio, um problema ainda maior.

 

Mais informações: carlos.abrahao@icmbio.gov.br