Genes que formam vasos podem ajudar a prever evolução do câncer de mama

Comportamento de 11 genes, estágio do tumor e idade do paciente têm potencial para prever evolução de alguns subtipos da doença

27/11/2019

Texto: Valéria Dias

A formação de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes, conhecida como angiogênese, é um processo fisiológico bastante complexo que, em humanos, ocorre na formação embrionária, na cicatrização e no ciclo reprodutor feminino. Mas várias doenças, como câncer e retinopatia (lesão inflamatória da retina), têm como característica uma forma patológica de angiogênese. Quanto mais agressivo um tumor, mais angiogênico ele é. Ao mesmo tempo, se um câncer não conseguir induzir a formação de vasos sanguíneos, ele não irá crescer.

Pesquisadores do Instituto de Química da USP utilizaram um modelo animal de retinopatia e informações de um banco de dados com a expressão gênica (comportamento) de quatro subtipos de tumor de mama e encontraram 11 genes que podem ser considerados como uma “assinatura gênica” da angiogênese desses tumores.

Ricardo Giordano e João Carlos Setubal, professores do Instituto de Química. – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A aplicação clínica da descoberta ainda é uma realidade distante. Mas os cientistas acreditam que a pesquisa abre uma possibilidade para que, no futuro, essa assinatura gênica, associada à idade do paciente e ao estágio do câncer, possa prever a progressão da doença e, portanto, qual a terapia mais adequada para alguns subtipos de câncer de mama. 

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“Trata-se de uma pesquisa básica que descobriu um catálogo de genes mais importantes na angiogênese de camundongos com retinopatia e os correlacionou, com a ajuda de bioinformática e aprendizado de máquina, ao comportamento dos genes de tumores humanos. Mas muitos outros estudos ainda são necessários para a assinatura gênica ser usada, na prática clínica, como um indicador de prognóstico”, pondera o professor João Carlos Setubal, do Laboratório de Bioinformática do IQ e orientador do estudo.

A pesquisa foi realizada durante o doutorado em bioinformática do aluno Rodrigo Guarischi-Sousa. O co-orientador foi o professor Ricardo José Giordano, do Laboratório de Bioquímica Combinatorial do IQ e pesquisador dos processos de angiogênese. Parte do estudo foi feita no Ontario Institute for Cancer Research, no Canadá, dentro da modalidade doutorado-sanduíche, sob a supervisão do professor Paul C. Boutros (atualmente docente da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos) e especialista em estudos sobre câncer. Um artigo descrevendo a pesquisa foi publicado no periódico PLoS Genetics e está disponível neste link.

O projeto contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)..c 

Infografia: Beatriz Abdalla/Jornal da USP

Infografia: Beatriz Abdalla/Jornal da USP

Retinopatia de prematuridade e angiogênese

Para chegar à assinatura gênica, os pesquisadores começaram investigando quais genes estão envolvidos na angiogênese fisiológica e na patológica. Eles usaram um modelo animal de retinopatia de prematuridade desenvolvido na década de 1990 pela pesquisadora Lois Smith, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo os pesquisadores, esse modelo é bom porque a retina é transparente, o que facilita a visualização e quantificação dos vasos sanguíneos.

Camundongos recém-nascidos foram colocados em uma incubadora com oxigênio a 75% (em condições normais é a 20%). Essa condição leva à chamada retinopatia de prematuridade. Depois de sete dias, eles analisaram a retina dos animais com e sem retinopatia e fizeram uma comparação entre os dois transcriptomas (que mostra como os genes estão se comportando) nas duas condições. Os cientistas chegaram a um número de 3.800 genes com alguma variação entre as condições fisiológica e patológica.

“Mas nós tínhamos uma dúvida, que era saber se esse conjunto de 3.800 genes estava associado especificamente com a angiogênese ou se era relacionado com algum outro processo ligado à retina. E como poderíamos provar isso? Indo pesquisar uma outra doença também dependente de angiogênese. E é aí que entra o câncer de mama”, conta o professor Ricardo José Giordano.

Modelo humano

Usando bioinformática, o pesquisador Rodrigo Guarischi-Sousa analisou os 3.800 genes para identificar aqueles que estavam com uma expressão muito aumentada, tanto para mais como para menos. Eles encontraram 153 genes nesta condição. No Canadá, o professor Paul Boutros sugeriu aos pesquisadores que utilizassem essa lista de 153 genes para obter uma assinatura gênica para a angiogênese em humanos.

Para relacionar ao câncer de mama, o primeiro passo foi determinar quais dos 153 genes de camundongo também ocorrem em seres humanos. Este passo gerou uma lista de 149 genes. Em seguida, os pesquisadores usaram um algoritmo de aprendizado de máquinas e as informações do banco de dados METABRIC, de pacientes de câncer de mama de hospitais do Reino Unido e do Canadá, e que fornece a expressão gênica de quatro subtipos de tumores de mama (Luminal A, Luminal B, Basal e HER2), além de alguns dados dos pacientes, bem como a sobrevida deles. Eles trabalharam com os dados de mil pacientes. Este passo gerou uma lista com 54 genes, além de idade do paciente e estágio tumoral.

Laboratório do Instituto de Química. – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Depois, os pesquisadores “perguntaram” ao programa se cada um dos 54 genes conseguia separar os pacientes que apresentavam um bom prognóstico daqueles que tinham um prognóstico ruim. Se não separava, o programa descartava o gene. Se conseguia separar, o gene era selecionado. O programa também foi fazendo combinações de dois ou mais genes, o que aumentava o valor preditivo. 

O resultado desta etapa foi uma lista de apenas 11 genes, mais a idade do paciente e o estágio tumoral. Essas 13 características se constituíram na assinatura angiogênica proposta..

Teste da Assinatura

De posse da assinatura, os pesquisadores a testaram em dados de outros mil pacientes. Esses dados são chamados de conjunto de validação, pois o teste da assinatura tem que mostrar que ela, de fato, é capaz de prever a evolução da doença nesses pacientes para os quais o prognóstico já é conhecido.

Os resultados mostraram que a assinatura se revelou muito boa para fazer o prognóstico desses mil pacientes de acordo com a sobrevida maior, menor ou intermediária, para os subtipos Luminal A, Luminal B e Basal. Para o subtipo HER2 os resultados não foram tão bons.

A VEGF (Fator de Crescimento Endotelial Vascular) é a molécula responsável pela formação de vasos sanguíneos. Esses três subtipos de câncer são dependentes da VEGF para se ligarem ao tecido e conseguirem vascularização. Eles respondem melhor a tratamentos antiangiogênicos.

Segundo os pesquisadores, o estudo abre uma possibilidade de ajudar no desenvolvimento de testes para o prognóstico desses três subtipos de câncer de mama. Já o HER2 não depende da VEGF e foi por isso que a assinatura gênica para ele não levou a resultados satisfatórios quanto ao prognóstico.

Mais informações: e-mails setubal@iq.usp.br, com o professor João Carlos Setubal, giordano@iq.usp.br, com o professor Ricardo José Giordano, e rodrigoguarischi@gmail.com, com o pesquisador Rodrigo Guarischi-Sousa

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