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Dos laboratórios à sociedade
Cientistas apresentam tecnologias promissoras em evento para empresas
Dentre as 20 tecnologias apresentadas, estão vírus para eliminar bactérias, biossensor para câncer e molécula contra dor crônica
13/12/2019
Por Matheus Souza
De vírus que eliminam bactérias a biossensor que rastreia estágio inicial de câncer, passando por moléculas para tratar dor crônica. Para sair dos laboratórios científicos e chegar até a sociedade na forma de medicamentos, vacinas, eletrônicos e diversos outros tipos de produtos do cotidiano, essas e outras pesquisas desenvolvidas na universidade percorrem um longo caminho. Parte dele só pode ser trilhado com a contribuição de outros setores da sociedade – dentre eles, a indústria e a iniciativa privada.
Foi com a ideia de facilitar essa trilha que na última quinta-feira, dia 12, foi realizado o primeiro Showcase de Biotechs dos Laboratórios do ICB. Feito em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e a Emerge, organização que auxilia cientistas empreendedores, o evento apresentou as 20 tecnologias mais promissoras do ICB.
Evento reuniu cerca de 150 pessoas, entre pesquisadores e representantes do mercado e indústria – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Selecionadas a partir de um mapeamento de diversos estudos produzidos atualmente no instituto, as tecnologias oferecem soluções para problemas que vão desde o tratamento e o diagnóstico de diferentes tipos de câncer até dificuldades na produção de leite e derivados.
Participaram do evento cerca de 150 pessoas, que encheram o auditório do Inovabra Habitat, na Bela Vista, em São Paulo. Além dos pesquisadores, também estavam presentes representantes de diferentes empresas e setores da indústria. Junto com a apresentação dos projetos, a ideia foi que o espaço também servisse para que esses grupos pudessem se relacionar e firmar parcerias.
Maturidade tecnológica
O projeto, que recebeu o nome de Emerge Search ICB, teve início com uma prospecção dentre várias pesquisas, feita a partir de visitas aos laboratórios do ICB, eventos e, por fim, um processo de inscrição em que os pesquisadores puderam submeter seus trabalhos.
Para encontrar as tecnologias “mais promissoras”, a organização utilizou uma metodologia desenvolvida pela Nasa nos anos 60, o TRL (do inglês, Technology Readiness Level, ou “nível de maturidade tecnológica”).
Luisa Guimarães, da Emerge – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
“Trata-se de um método que hoje é utilizado em diferentes áreas do conhecimento”, explica Luisa Guimarães, da equipe da Emerge. “Aqui, ele foi aplicado com a ideia de servir como uma ferramenta para colocar na mesma página o entendimento dos cientistas e do mercado, de entender em que momento a tecnologia se encontra.” Com o TRL, foi possível calcular as tecnologias que tinham maior capacidade de se transformarem em produtos e serem comercializadas.
O processo de avaliação da maturidade tecnológica
As 20 tecnologias/projetos selecionadas para o programa foram avaliadas pela métrica do TRL que melhor se adequa a cada uma. O processo de avaliação seguirá a metodologia do TRA (Technology Readiness Assessment)
“As empresas costumam olhar quase exclusivamente para o retorno econômico das tecnologias”, complementa Lucas Delgado, também da Emerge. “Já o cientista olha o retorno científico, o quanto aquilo pode avançar no conhecimento, independente de se ele consegue fazer essa transição para o mercado. O TRL é capaz de nivelar o conhecimento de avanço científico com a visão de mercado, de modo que é possível mensurar o custo e o risco de investimento.”
No escopo do Emerge Search, foram utilizadas quatro escalas diferentes de TRL, cada uma de acordo com o tipo dos projetos avaliados: “novos fármacos ou biológicos”, “métodos diagnósticos”, “hardware” e “novos processos”. Mais da metade das tecnologias selecionadas se encaixa na primeira categoria.
Vírus que matam bactérias
O pesquisador Luciano Queiroz apresenta sua tecnologia sobre bacteriófagos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
A tecnologia desenvolvida pelo doutorando em Microbiologia Luciano Queiroz se encaixa na categoria “novos fármacos ou biológicos”. A pesquisa propõe a utilização de bacteriófagos para o tratamento de infecções causadas por bactérias em rebanhos leiteiros.
Os bacteriógafos são vírus que atingem bactérias. Buscando entender como ocorre essa interação, Luciano encontrou um bacteriófago específico que possui grande capacidade de eliminar bactérias da espécie Staphylococcus aureus, uma das principais causadoras da mastite, infecção que atinge rebanhos leiteiros.
A tecnologia tem potencial para ser transformada num produto acessível e de fácil acesso para o usuário final, como uma pomada, e sua aplicação pode reduzir o uso de antibióticos e melhorar o tratamento dos rebanhos doentes, o que por sua vez pode tornar a produção de leite e derivados mais barata.
Molécula para dor crônica
Outro projeto apresentado foi o Biopharma QYP (Quit Your Pain), da equipe da professora do ICB, Camila Dale. A partir do estudo de pessoas com insensibilidade congênita à dor, a equipe busca estruturar uma nova molécula capaz de ser utilizada no tratamento de pacientes com dor crônica.
“Nós nos baseamos em mutações apresentadas em pessoas que naturalmente não sentem dor”, explicou Camila. “Nessas pessoas existem proteínas modificadas que impedem a transmissão do impulso doloroso. Nós identificamos essas mutações, desenhamos peptídeos-alvo validados e desenvolvemos pequenas moléculas que apresentam efeito analgésico em modelos experimentais de dor crônica.” Agora, a equipe busca parceria para desenvolver essa nova molécula, resultando na elaboração de um novo medicamento.
Público acompanha apresentação da pesquisadora Camila Dale – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Já o Breast Health Tech, promovido pelo doutorando em Biologia Celular Ramon-Handerson Gomes Teles, é um biossensor capaz de rastrear o câncer de mama em seus estágios iniciais, de modo mais preciso e menos invasivo do que a mamografia. Por meio de análise de amostra biológica, a tecnologia também é capaz de caracterizar o subtipo da doença, informação importante para determinar o tratamento.
Interação com células de defesa
Na categoria de novos processos, um dos projetos apresentados foi a Plataforma Imunológica. Como explicou Marina Caçador Ayupe, doutoranda em Imunologia, “a maior parte das células de defesa do organismo humano encontra-se no intestino, e a maior parte dos produtos consumidos por nós, como probióticos e alimentos, tem algum efeito nessas células”.
A ideia da Plataforma é prestar serviço à indústria farmacêutica e alimentícia para testar como cada produto interage com as células de defesa. “Além disso, também podemos testar a funcionalidade desses produtos, avaliando se eles têm algum efeito alérgico no intestino, a resistência contra infecções e vírus, e até mesmo se eles conferem imunidade contra vacinas orais”.
Dentre outras das 20 tecnologias apresentadas, houve ainda um wearable infantil capaz de monitorar fatores de risco para a saúde de bebês recém-nascidos; um novo teste para diagnóstico de dengue; e um modelo de terapia para lesões e câncer induzidos por HPV. Clique aqui para conferir o portfólio com o resumo de todos os projetos.
Conhecimento convertido em inovação
Luis Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB: ciência que interessa a toda a sociedade – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Para o professor Luis Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB, um evento como este cumpre o objetivo de aproximar a Universidade de outros setores. “A ciência, o conhecimento que nós fazemos, interessa não apenas aos acadêmicos, mas a toda a sociedade”, diz.
Ainda conforme o professor, o instituto tem considerado cada vez mais a importância de investir em tecnologia e criatividade, capazes de promover soluções para problemas do cotidiano e inclusive gerar empregos.
“O fato de termos pesquisadores e estudantes apresentando seus trabalhos para empresários e outras pessoas ligadas ao mercado é um exemplo que pode ser seguido para trilhar esse caminho em que o conhecimento é convertido em inovação, gerando também riqueza e desenvolvimento no país.”
Com mais de 150 laboratórios, seis programas de pós-graduação próprios e outros três programas multi-institucionais, o ICB é referência nacional e internacional em pesquisas de biomedicina.
Mais informações: e-mails angela@academica.jor.br e aline@academica.jor.br, na assessoria de imprensa do ICB