No Brasil, existem 493 espécies conhecidas de besouros da família Agrilus, cujas larvas parasitam diversas plantas. Na foto, representação da Agrilus propolis, recém-registrada - Foto: Reprodução


Descoberta de nova espécie de besouro esclarece o mecanismo por trás da produção da própolis vermelha

Resina vermelha é produzida como reação de defesa de planta contra o inseto. Informação pode ser chave para ampliar a produção do composto a outras áreas do País

 19/04/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 20/04/2022 as 16:39

Autor: Sebastião Moura

Arte: Adrielly Kilryann

Pesquisadores do Museu de Zoologia (MZ) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), ambos da USP, descobriram que a resina vermelha produzida pela planta Dalbergia ecastophyllum, matéria-prima da própolis vermelha, é uma reação de defesa contra o ataque de uma espécie de besouro desconhecida até então. A nova espécie foi batizada de Agrilus propolis e descrita em artigo publicado na revista The Science of Nature.

Existem vários tipos de própolis, categorizadas de acordo com sua origem geográfica, propriedades químicas e fonte botânica (a planta da qual as abelhas retiram a resina necessária para a produção da substância). Na natureza, ela é usada para duas funções principais: vedar buracos na colmeia e embalsamar cadáveres de insetos e outros resíduos orgânicos e removê-los antes que apodreçam. Em decorrência dessa propriedade antisséptica aplicada no embalsamamento, ela também tem sido estudada para fins medicinais.

O novo besouro

A nova espécie de besouro, o Agrilus propolis, foi encontrada durante uma viagem dos pesquisadores a Canavieiras, na Bahia. Depois de duas novas idas a campo, em 2019, os cientistas coletaram amostras da planta hospedeira e do besouro (adulto e no estágio de pupa, intermediário entre a larva e o adulto), que foram trazidos de volta à USP para análise. A partir disso, foi possível investigar de forma mais aprofundada o processo por trás da cor específica da própolis vermelha e as características de seu causador, o Agrilus propolis.

“O besouro se desenvolve no caule da planta: a fêmea deposita ovos nos galhos, onde a larva gera galerias e absorve os nutrientes dos quais precisa até completar seu desenvolvimento e atingir a fase adulta, quando finalmente abandona a hospedeira. O mecanismo de defesa da planta contra esse ataque externo provoca a alteração na cor e nas propriedades da resina”, explica Letizia Migliore, doutoranda no MZ e primeira autora do artigo.

Letizia, que estuda a sistematização taxonômica de besouros da subfamília Agrilinae, orientada por Sonia Casari, afirma que essa descoberta é muito importante não só por comprovar a existência do agente animal no processo, mas também por abrir portas para novos estudos.

Letizia Migliore - Foto: Reprodução/Facebook

Letizia Migliore - Foto: Reprodução/Facebook

Os autores citam, por exemplo, a possibilidade de que existam outras espécies de besouros, que também desencadeiem a produção da variedade vermelha em outras regiões e de que seja possível usar esse conhecimento do papel do animal para produzir própolis vermelha fora das áreas onde é conhecida até então.

 

Importância econômica da própolis vermelha

A produção brasileira de própolis, terceira maior do mundo, consiste de dois tipos principais: a própolis verde, feita a partir de plantas herbáceas nativas da Região Sudeste, e a própolis vermelha, produzida a partir da resina vermelha gerada pela Dalbergia ecastophyllum, popularmente conhecida como rabo-de-bugio ou marmelo-do-mangue, típica da Região Nordeste.

A própolis vermelha, que possui em sua constituição química compostos de interesse medicinal, é a mais rara e também mais valiosa (seu valor comercial é cerca de cinco vezes maior que o da verde). Por causa dessa importância comercial, houve muitas tentativas de ampliar essa produção, normalmente através do aumento da população da planta na região.

O doutor em Ciências Farmacêuticas Gari Ccana‐Ccapatinta é membro de um projeto temático da FCFRP focado no estudo da própolis. Um dos autores do artigo, ele explica que essa importância econômica motivou muitas tentativas de ampliar a produção, normalmente através do aumento da disponibilidade da fonte botânica na área de apicultura. Mas essa nova pesquisa mostra que também é necessário considerar a presença do agente animal, que desencadeia a produção da resina.

Gari Ccana‐Ccapatinta - Foto: Reprodução/LinkedIn

Gari Ccana‐Ccapatinta - Foto: Reprodução/LinkedIn

Letizia, Gari e Gianfranco Curletti (também co-autor do artigo) durante a pesquisa de campo, em Canavieiras (BA) - Foto: Cedida pelos pesquisadores

Letizia, Gari e Gianfranco Curletti (também coautor do artigo) durante a pesquisa de campo, em Canavieiras (BA) - Foto: Cedida pelos pesquisadores

Esse trabalho de pesquisa recebeu financiamento de bolsas Fapesp, Capes, CNPq e da USP, e contou com a contribuição de Letizia Migliore, Sonia Casari e Gabriel Biffi, do Museu de Zoologia, Gari Ccana‐Ccapatinta, Jennyfer Mejía e Jairo Bastos, da FCFRP, Gianfranco Curletti, do Museu Cívico de História Natural de Carmagnola, na Itália, e Jean Carvalho, da Cooperativa de Apicultores de Canavieiras. O artigo A new species of jewel beetle (Coleoptera, Buprestidae, Agrilus) triggers the production of the Brazilian red propolis pode ser lido na íntegra aqui.

Mais informações: Letizia Janaina Migliore, em lmigliore@usp.br, e Gari Vidal Ccana Ccapatinta, em ccana.ccapatinta@gmail.com


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