Ciência cidadã: amantes da natureza ajudam biólogos a estudar os pássaros

O sanhaçu-verde é uma ave conhecida por se alimentar de frutos, mas foi registrado caçando um caracol em Bertioga (SP) , permitindo aos cientistas descreverem novo hábito predatório

 07/08/2024 - Publicado há 4 meses     Atualizado: 12/08/2024 às 13:19

Texto: Pedro Morani*
Arte: Diego Facundini**

Pássaro esverdeado sobre um galho comendo um caracol terrestre

Sanhaçu-verde (Thraupis palmarum) predando o caracol terrestre Leiostracus perlucidus – Foto: Luís Felipe Natálio/Extraída do artigo

Um trabalho publicado pelo Instituto de Biociências (IB) da USP mostrou, pela primeira vez, o pássaro sanhaçu-verde (Thraupis palmarum) manipulando, quebrando a concha e comendo um caracol da espécie Leiostracus perlucidus. A predação foi uma surpresa, já que o T.  palmarum tem uma dieta baseada em frutas.

O biólogo Luís Felipe Natálio, juntamente com uma equipe de ornitólogos (especialistas em aves), utilizou a Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) do Sesc Bertioga como local para a pesquisa. “O comportamento não foi reconhecido de cara, e só foi creditado após análise do banco de imagens do Ciência Cidadã, que é alimentado basicamente por pessoas comuns, e não cientistas ou pessoas ligadas à academia”, explica Luís Natálio.

O Ciência Cidadã é composto de duas plataformas, WikiAves e Birds of the World, onde voluntários enviam imagens que, normalmente, não são encontradas nos livros tradicionais. Para validar os achados, os cientistas compararam o comportamento com 6 mil fotos. Com isso, os cientistas produziram uma primeira nota anexando a fotografia do pássaro se alimentando do caramujo.

Após a captura, o sanhaçu-verde usou uma bigorna para quebrar a concha do molusco. “Primeiro, nós achamos que fosse um pica-pau, ao ouvirmos as batidas enquanto fazíamos uma ronda na floresta. Depois, descobrimos que esse hábito é comum para aves com esse tipo de presa, então é provável que já esteja incluído na dieta, mesmo que não tenha sido reconhecido ainda”, aponta Natálio.

Existe também a hipótese de uma interferência humana nesse hábito. O caracol-terrestre é naturalmente verde e consegue se camuflar entre as folhas das árvores caídas no chão. A trilha aberta pelos pesquisadores foi feita com uma madeira bem escura, os deixando vulneráveis ao sanhaçu. “Mas eu acredito que é uma presa que seja recorrente, não acho que a ave estava se arriscando com uma coisa que ela não conhecia”, diz Natálio.

homem branco de casaco vermelho

O pesquisador Luís Felipe Natálio - Foto: CV Lattes

O futuro do sanhaçu-verde e a Ciência Cidadã

homem usa um binóculo em cima de um caminho de madeira dentro do parque

Guarda do parque monitorando a área - Foto: Luís Felipe Natálio/Extraída do artigo

A pesquisa pode abrir o caminho para outros estudos sobre o sanhaçu-verde, já que há poucos registros fotográficos de seus hábitos. Segundo os estudiosos, existem técnicas para a identificar o tipo de dieta de pássaros, como a análise de resquícios de alimentos no estômago, no papo, na moela e nas fezes do animal, além da análise de ninhos.

Além disso, seriam necessárias outras investigações sobre os invertebrados endêmicos da Mata Atlântica, como o caracol. “A gente não tem tantos estudos se aprofundando nisso, com monitoramentos mais contínuos, com experimentação”, alerta o pesquisador.

Um grande destaque desse artigo foi o uso de imagens da plataforma Ciência Cidadã. Isso economizou tempo e investimento, pois a pesquisa se baseou em fotos disponibilizadas por pessoas fora da comunidade científica, mostrando que um hobby pode ajudar a ciência. “Valorizar o quanto os dados produzidos pelas pessoas e que elas compreendam a importância que têm nesse processo. Normalmente a ciência é vista como distante, parece que é feita apenas no laboratório cheio de pessoas com jaleco, mas a gente está aqui no mundo real”, ressalta Natálio.

“A pesquisa ter sido feita em uma reserva privada é algo memorável, tendo em vista que não é algo comum nesse tipo de espaço. Relacionar a pesquisa científica com a educação ecológica é incrível e estimula as pessoas a participarem ativamente da ciência. Então, eu também gosto de olhar para esse trabalho como uma janelinha de possibilidades, sabe, de conciliar essas coisas”, anima-se o biólogo.

Mais informações com Luís Felipe Natálio, em luisfelipenatalio@gmail.com

*Estagiário sob orientação de Fabiana Mariz
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

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