"Alarme" no cérebro emite alertas sobre ameaças à vida, e pode ser desligado

Em experimentos com animais, inativação da região que emite os alertas leva à perda da memória de medo e, em consequência, à exposição ao perigo

 Publicado: 29/07/2024

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Brenda Kapp*

Ilustrações feitas por Brenda Kapp sob textura de jornal - Fonte: Texturelabs

Examinando animais capazes de detectar e evitar uma ameaça relacionada ao choque, pesquisadores revelaram um circuito do sistema nervoso que funciona como um detector de ameaças e que simultaneamente atualiza a memória do medo – Crédito: Cedida pelo pesquisador

O sistema nervoso possui uma região especializada em detectar ameaças à vida e emitir alertas para produzir respostas de medo e evitar o perigo, apontam pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Em experimentos com animais, os cientistas verificaram que quando essa região é inativada, o “alarme” não é acionado, a memória de medo se perde e eles se expõem aos riscos, como o de sofrer ataques de predadores. As conclusões do estudo são relatadas em artigo recente na revista científica Current Biology.

“O objetivo da pesquisa era estudar os circuitos neurais que organizam a resposta a ameaças. Nosso grupo de estudos descobriu um local no hipotálamo, região do sistema nervoso central, extremamente importante para a expressão de respostas de medo”, explica o professor Newton Sabino Canteras, do ICB, que coordenou o trabalho. “Por exemplo, quando um camundongo era colocado em frente a um predador, como um gato, uma lesão neste local abolia a resposta e o animal praticamente deixava de ter medo. Daí procuramos saber, especificamente, como essa região lida com as ameaças apresentadas aos camundongos.”

Professor Newton Sabino Canteras. - Foto: ICB/USP

Inicialmente, os pesquisadores simularam uma situação perigosa em um ambiente associado a choques nas patas, situação sabidamente aversiva para esses animais. “No dia seguinte à associação, mesmo tendo a possibilidade de acessar esse local, os camundongos o evitam”, explica Canteras. “Por meio de uma técnica chamada fotometria de fibra, foi medida a atividade neuronal dessa região do hipotálamo e verificamos que ela ficava ativada quando os animais se orientavam e se aproximavam para o local aversivo, identificando a ameaça.”

Durante os experimentos, quando a região que detectava as ameaças era inativada, o camundongo não reconhecia mais o perigo e entrava livremente no ambiente hostil. “A inativação também influencia o que se chama de reconsolidação da memória”, afirma o professor do ICB. “Quando o animal é colocado numa situação ameaçadora e a evita, ele cria uma memória de medo, a qual era abolida ao inibirmos o mecanismo da região responsável pela detecção do ambiente perigoso.”

Ilustrações feitas por Brenda Kapp sob textura de jornal - Fonte: Texturelabs

Alertas de ameaças

Esta estrutura responsável pelos alertas de ameaças é um conjunto de células chamado núcleo pré-mamilar dorsal, situada no hipotálamo, que fica em uma área do cérebro conhecida como diencéfalo. “O hipotálamo fornece respostas para a manutenção da vida, seja comportamento alimentar, reprodutivo ou para reagir a ameaças, e é uma estrutura crítica para manter não só o animal, mas toda sua espécie viva”, aponta o professor. “O núcleo pré-mamilar dorsal é o local onde se vê que a integridade física pode ser ameaçada, se há risco de lesão ou predação.”

“Para o animal ter medo, é preciso um local no sistema nervoso que identifique a ameaça, e um destes detectores é o núcleo pré-mamilar dorsal”, enfatiza Canteras. “Toda a vez que surge uma situação de perigo crítica para a sua sobrevivência, seja ela encontro com predadores como cobras ou felinos, ou mesmo um confronto com um animal da mesma espécie, o núcleo vai disparar os alertas necessários para que o animal lide com a situação perigosa.”

Segundo o professor do ICB, a importância da pesquisa é que ela introduz um conceito fundamental para o entendimento dos mecanismos de defesa do organismo. “Identificamos um local que detecta ameaças predatórias, sociais e físicas à sobrevivência do animal e da espécie”, ressalta.

A pesquisa foi realizada no Laboratório de Neuroanatomia Funcional do Departamento de Anatomia do ICB, com a supervisão dos professores Newton Sabino Canteras e Simone Cristina Motta. O trabalho teve a participação dos pesquisadores Fernando Falkenburger Melleu, pós-doutorando; Juliette Viellard, doutoranda; Alícia Tamais, Alisson de Almeida, Carolina Zerbini, Juliane Ikebara, Karolina Domingues, Miguel de Lima e Fernando Oliveira. O artigo que descreve o estudo, A subiculum-hypothalamic pathway functions in dynamic threat detection and memory updating, foi publicado na revista científica Current Biology no último dia 17 de junho.

Mais informações: email newton@icb.usp.br, com o professor Newton Sabino Canteras

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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Ilustrações feitas por Brenda Kapp sob textura de jornal. - Fonte: Texturelabs


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