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Agenda política de 1988 a 2018 teve protagonismo da macroeconomia e pouca inclusão social​

Ao analisar políticas adotadas por governos no período, pesquisadores destacam baixa prioridade dada a ações voltadas à inclusão

 28/04/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 02/05/2023 as 16:35

Texto: Camilla Almeida

Arte: Joyce Tenório

Políticas públicas de bem-estar social são aquelas voltadas ao atendimento de necessidades sociais. Elas são instrumentos essenciais no combate à desigualdade e foram reconhecidas como dever do Estado na Constituição de 1988. Uma pesquisa realizada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP analisou as políticas de bem-estar e os temas prioritários nas agendas de governos brasileiros entre os anos de 1988 e 2018. Os pesquisadores destacaram tendências nas ações governamentais e alertaram para a falta de comprometimento com programas de inclusão social.

Os dados estão no artigo Policy Dynamics and Government Attention over Welfare Policies: An Analysis of the Brazilian Case, publicado na revista científica Brazilian Political Science Review (BPSR).

Foram avaliados seis tipos de documentos: emendas constitucionais, mensagens para o Congresso Nacional, discursos presidenciais, medidas provisórias e leis aprovadas e sancionadas. “Para tudo que o governo faz e fala, atribuímos um código. Por exemplo, em um discurso presidencial, cada vez que o presidente cita uma política setorial diferente, ela recebe um código relacionado. Essas informações criam um banco de dados quantitativo”, explica ao Jornal da USP o professor Felipe Brasil, primeiro autor do artigo. A partir dessas informações, pode-se estabelecer um porcentual de atenção que determinado governo tem com relação a determinada política social.

Felipe Brasil - Foto: Arquivo pessoal

Para realizar o estudo foi empregada a metodologia desenvolvida no âmbito do Projeto Agendas Comparadas (CAP), com a observação de medidas institucionais feitas em cada governo. Esse modelo, criado nos Estados Unidos pelos pesquisadores Frank Baumgartner e Brian Jones, tem o objetivo de aperfeiçoar o entendimento das prioridades governamentais de cada presidente, além de elucidar a história da criação de políticas públicas e quais campos recebem uma maior atenção. A metodologia foi difundida para outros países, que passaram a aplicar o CAP para entender suas próprias dinâmicas nacionais. “É a partir daí que é formada essa estrutura de pesquisa que é o Projeto Agendas Comparadas. Hoje nós somos 23 países que olham para indicadores governamentais e mapeiam as políticas setoriais, a fim de realizar uma nova abordagem de análise de agendas”, diz Felipe Brasil. É possível acessar neste link os trabalhos do laboratório, que conta com pesquisadores da EACH e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Com os dados quantificados por meio da metodologia, torna-se possível realizar comparações entre as prioridades de diferentes governos no período selecionado, além de alcançar constatações inéditas. Foi observada a tendência ao protagonismo político de questões relacionadas à macroeconomia – ou seja, temas que dizem respeito à economia do País, como taxas de exportação, importação, e inflação. A ausência de pontos ligados à inclusão social entre as principais pautas das agendas de governo também é algo que pode ser observado e deve ser discutido. 

Tendências políticas

De acordo com a professora Renata Bichir (EACH), que assina o artigo com o professor Felipe Brasil, a análise de tendências é essencial para separar temas conjunturais – que aparecem de forma pontual de acordo com o cenário político do País – e aqueles que perduram. “Quais são aquelas agendas que permanecem? O quanto nós conseguimos incluir os outsiders, aqueles que estavam fora da proteção social, com a Constituição de 1988? Uma série de direitos sociais passam a ser garantidos em 1988, mas o quanto isso perdura no tempo? Precisa-se de uma agenda de longa duração”, destaca a pesquisadora.

A Constituição de 1988, popularmente conhecida como “Constituição Cidadã”, foi a primeira Carta Magna brasileira a estabelecer os direitos dos cidadãos e o dever do Estado de garanti-los por meio de políticas públicas no âmbito da Seguridade Social. Desde sua promulgação, fundamentais emendas constitucionais e programas sociais foram sancionados com o objetivo de mitigar a desigualdade social no País. Contudo, segundo Renata Bichir, é preciso assegurar que essas políticas de bem-estar sejam implementadas de modo universal e que a luta por inclusão seja uma pauta contínua.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o contexto democrático de alternância política não deve ser ignorado nesta análise. “Existe uma alternância entre governos de esquerda ou centro-esquerda, direita ou centro-direita e centro, mas além dessas clivagens políticas o que permanece e o que se modifica? Sempre temos a impressão de que o mundo começou e terminou com aquele governo. Porém, quando damos um passo atrás e observamos esse cenário como um todo, nós conseguimos entender nuances e detalhes que não são tão visíveis numa análise conjuntural”, diz Renata.

Renata Bichir - Foto: Arquivo pessoal

Os resultados obtidos pelos pesquisadores revelam o início da inclusão de pautas de assistência social no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e no primeiro governo Lula (2003-2006), acompanhadas de uma significativa redução nos índices de pobreza e desigualdade. Apesar disso, destaca-se a diferença na abordagem dos presidentes. “Existe um momento legislativo importante sobre assistência social no Fernando Henrique Cardoso, mas que apresentou um peso bem relevante das organizações do terceiro setor e do trabalho voluntário no modelo da comunidade solidária. Isso muda um pouco a partir do governo Lula, no qual você tem uma direção mais forte na estruturação do Sistema Único de Assistência Social que ajudou a aumentar a coordenação federativa e a capilaridade dos programas sociais”, diz a pesquisadora.

Com relação às perspectivas futuras da pesquisa, Felipe Brasil destaca a produção de artigos científicos sobre a atenção governamental a políticas setoriais distintas e a análise do novo governo Lula (2023-). “A atenção do presidente da República é limitada. Quando olhamos para as prioridades de cada tomador de decisão, nós podemos ter um retrato claro de suas agendas. É preciso entender e comparar esses dados.”

Mais informações: e-mail fbrasil.pp@gmail.com, com Felipe Brasil


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