USP cria projeto para atendimento odontológico exclusivo para população transgênero

A iniciativa é da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, que, além do atendimento, quer formar recursos humanos qualificados para atender essa população

 16/09/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Analice Candioto*

Arte: Beatriz Haddad**

O mercado de trabalho pode ser extremamente conservador quando o assunto é a diversidade de gênero para o ingresso e permanência na instituição – Fotomontagem Jornal da USP feita com foto de Freepik

AFaculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP coloca em prática, a partir deste mês, o projeto DTM Trans para preencher as lacunas para um atendimento odontológico eficaz voltado exclusivamente para a população transgênero. Segundo o professor Jardel Francisco Mazzi Chaves, que coordena a iniciativa, as pessoas trans enfrentam diversos desafios no acesso a cuidados odontológicos, incluindo a discriminação e a falta de treinamento dos profissionais de saúde para lidar com as necessidades específicas dessa população, além de barreiras socioeconômicas. “O preconceito e o estigma dentro dos consultórios odontológicos podem levar ao adiamento ou a evitação completa de tratamentos, resultando em piores condições de saúde bucal.”

São poucas as informações acerca da saúde bucal da população trans e os poucos estudos que existem apontam que ela é pior que a média geral da população, segundo o Boletim Epidemiológico Paulista Atenção integral à população trans: panorama da atuação do cirurgião-dentista na atenção primária à saúde, que reuniu profissionais da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Uberlândia (UFU). 

No Boletim, os profissionais também citam que o desenvolvimento de transtornos mentais são mais comuns nessa população, afetando os cuidados de higiene bucal e condições como a disfunção temporomandibular (DTM) e dor orofacial.

Mazzi-Chaves aponta que o medo de serem maltratados ou julgados nos consultórios odontológicos faz com que a população trans evite o cuidado preventivo. “O estresse, que também está associado à discriminação, pode contribuir para hábitos prejudiciais como o bruxismo e a má higiene bucal, agravando ainda mais essas condições.”

“O projeto oferece um ambiente acolhedor e livre de discriminação, com profissionais extremamente capacitados, desde o momento da entrada do paciente pela recepção até a cadeira odontológica. Além disso, o projeto educa os cirurgiões-dentistas em formação sobre como lidar com as implicações da terapia hormonal de afirmação de gênero na saúde bucal e desenvolver protocolos de tratamento adaptados, promovendo um cuidado mais integral e humanizado para essa população”, afirma o professor.

Jardel Francisco Mazzi Chaves - Foto: Lattes

Ambiente inclusivo

Mazzi-Chaves acredita que a formação atual dos cirurgiões-dentistas não contempla de forma adequada às necessidades da população trans. “A maioria dos currículos de odontologia no Brasil não aborda a saúde LGBTQIA +, o que resulta em uma lacuna de conhecimento e despreparo dos profissionais para atender a essa população de maneira efetiva e sensível.”

Por isso, o professor diz que é necessário proporcionar um atendimento mais inclusivo. “Os cirurgiões-dentistas devem adotar práticas de acolhimento e respeito à identidade de gênero dos pacientes, como o uso correto de pronomes e nomes sociais, o ambiente clínico deve ser livre de discriminação e toda a equipe treinada para lidar com as necessidades específicas das pessoas transgênero.”

O professor afirma que o projeto DTM Trans já tem atuado de forma ativa e direta na formação de recursos humanos, contribuindo para a construção de profissionais com elevado nível de habilidade técnica e psicomotora, mas também com capacidade e sensibilidade para atender a toda essa população com acolhimento, respeito e responsabilidade.

A iniciativa é do projeto de extensão da Forp, em colaboração com as Faculdades de Medicina  (FMRP), Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP) e Escola de Enfermagem, todas da USP em Ribeirão Preto, com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP, em parceria com o ambulatório de Incongruência de Gênero do Hospital das Clínicas (HC) e do Centro de Saúde Escola (CSE- Cuiabá), ambos da FMRP. 

Os atendimentos do projeto DTM Trans serão gratuitos e tiveram início no último dia 13 de setembro, na Clínica 1, da Forp. O serviço será realizado toda sexta-feira, das 9 às 12 horas, e é voltado apenas para a população trans de Ribeirão Preto e região. Não há necessidade de inscrição antecipada, apenas chegar no horário de atendimento. 

Ouça no player abaixo a entrevista com o coordenador do projeto, professor Jardel Francisco Mazzi Chaves. Roteiro sob supervisão de Ferraz Junior.

*Estagiária sob supervisão de Rose Talamone

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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