Jejum e atividade física combinados melhoraram resposta de hormônio da saciedade em camundongos​

Em experimentos de laboratório, jejum e atividade física reduziram indicadores inflamatórios no cérebro dos animais, mas supostos benefícios do jejum intermitente em seres humanos ainda geram controvérsia entre cientistas

 Publicado: 08/11/2024 às 8:31

Texto: Rita Stella

Arte: Joyce Tenório

Foto: Freepik

Fazer jejum algumas vezes por semana junto com atividade física pode ajudar a combater alterações inflamatórias no cérebro provocadas pelo consumo excessivo de gordura. É o que sugere um estudo com animais realizado em laboratório na Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP publicado no The Journal of Nutritional Biochemistry

Realizada com camundongos, a pesquisa concentrou esforços em avaliar as alterações provocadas por dietas ricas em gordura saturada (no caso, a banha de porco) no hipotálamo (região do cérebro que conecta os sistemas nervoso e endócrino). Responsável pelo estudo, a nutricionista Luciana da Costa Oliveira conta que o consumo excessivo de gordura causa inflamação hipotalâmica e desregula a via da leptina (hormônio produzido pelas células gordurosas que regula a fome, ingestão alimentar e gasto energético), fatores estes que comprometem “a modulação das atividades neuronais hipotalâmicas e predispõem à obesidade”, complementa.

Segundo a pesquisadora, existem estudos propondo que treinamento físico e o  jejum intermitente, isoladamente, são eficientes para o controle das atividades hipotalâmicas e neuronais, mas que esta é a primeira vez que se avalia a potencialização desses benefícios com a associação das duas intervenções (jejum e exercício físico).

Como resultados de seus experimentos, verificou-se que tanto a atividade física quanto o jejum intermitente, associados à redução do consumo de calorias, diminuíram o peso corporal adquirido pela alimentação rica em gordura. Mas apenas a combinação das duas atividades melhorou os “níveis de insulina, leptina, resistina e Tnf-alfa”, concomitantemente com a diminuição da inflamação hipotalâmica. “Fazer só jejum intermitente leva a uma resposta diferente do que fazer o jejum intermitente e treinar em jejum.”

Luciana da Costa Oliveira - Foto: Arquivo pessoal

Para humanos, treinar em jejum pode apresentar riscos

Luciana diz que sua pesquisa abordou uma área ainda pouco explorada, mas que evidenciou a eficiência da combinação das estratégias (jejum intermitente e treino) no controle da inflamação e da resposta dos hormônios que regulam a fome, como a leptina, por exemplo. No entanto, esses resultados ainda são com animais de laboratório.

A prática do jejum intermitente por seres humanos ainda é controversa entre cientistas e profissionais da saúde, sem um consenso sobre potenciais benefícios. Especialista em metabolismo energético, a professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP Vivian Suen afirma que a literatura científica vem mostrando alguns pontos positivos do jejum; porém, os estudos em humanos ainda são poucos, realizados em período curto de tempo, com poucas pessoas estudadas e esquemas diferentes de jejum intermitente.

Solicitada a opinar sobre os achados de Luciana na EEFERP, a professora diz que o estudo “foi muito bem elaborado e mostrou benefícios como a redução da inflamação hipotalâmica e o aumento da resposta de neurônios responsáveis pela saciedade”; porém, lembra que são resultados obtidos em animais e não em humanos. “Precisamos saber se os mesmos efeitos poderão ser reproduzidos em humanos”, acrescenta Vivian, chamando a atenção para o fato de o jejum intermitente, associado ao treino físico, necessitar de acompanhamento de profissional de saúde, “pois existem alguns riscos de complicações”. 

Segundo a professora, é essencial lembrar que ainda não são conhecidos os efeitos colaterais da prática em humanos a longo prazo, nem se são sustentáveis, o que pode trazer “possível piora da qualidade de vida; a pessoa pode desenvolver padrão alimentar distorcido, apresentar tontura, dor de cabeça, náusea e deficiência nutricional, caso seja realizado a longo prazo. 

Vivian alerta, ainda, sobre as condições que impedem o jejum intermitente. Mulheres na pré-menopausa, gravidez e lactação, histórico de transtornos alimentares, insegurança alimentar e pessoas em uso de medicamentos dependentes da ingestão de alimentos não devem fazer jejum intermitente. A professora afirma também que o jejum deve ser evitado por aqueles que praticam atividade física muito intensa e pelos diabéticos que usam medicações que aumentam a insulina circulante, como a própria insulina.

Gorduras "boas e ruins" agem no cérebro

“As gorduras que comemos têm a capacidade de atravessar a barreira do nosso cérebro – temos uma espécie de capa que o envolve – e podem assim levar tanto à inflamação dos nossos neurônios (neuroinflamação) quanto prevenir essa inflamação”, informa a nutricionista. Tudo vai depender do tipo de gordura ingerida. A banha de porco, utilizada nos experimentos do estudo, induz inflamação; já o ômega 3 auxilia na redução da neuroinflamação por limitar a secreção de proteínas (citocinas) pró-inflamatórias.

Sobre o ômega 6, considerado um ácido graxo essencial porque não é produzido pelo organismo humano, Luciana diz que também pode levar à inflamação neuronal quando em excesso. “É por isso que recomendamos que a ingestão de ômega 3 seja maior que a de ômega 6 para um perfil de gordura balanceado.”

A pesquisadora lembra que o fenômeno da inflamação também faz parte do funcionamento normal do cérebro, promovendo a comunicação com os neurônios. As consequências ruins vêm quando o processo inflamatório ultrapassa certo limite, trazendo “alterações de memória, desordens de humor (como ansiedade e depressão), e mesmo predisposição ao ganho de gordura/obesidade”. 

Luciana alerta ainda para os males de um metabolismo desregulado, que pode induzir ao aumento do apetite, não se tratando somente de uma questão psicológica de autocontrole da pessoa. 

Jejum intermitente e o maior controle da fome

Para a pesquisa, a nutricionista tratou, durante oito semanas, camundongos machos e sedentários de oito semanas de idade (considerados adultos) com dieta rica em gordura; um segundo grupo de animais recebeu dieta balanceada para comparações. Após esse período, escolheu aleatoriamente parte dos animais que se alimentaram com muita gordura e os submeteu às intervenções por seis semanas: um grupo praticou exercícios físicos; outro, jejum intermitente de 24 horas em dias alternados, e um terceiro grupo, a associação do jejum com o exercício.

A atividade física desse terceiro grupo era praticada ao final do período de jejum, mas antes de comer novamente (o que seria o “almoço deles”). “Eles treinaram no final do jejum e isso fez com que eles tivessem respostas mais fortes no controle das vias de inflamação e da resposta dos hormônios”, informa a pesquisadora.

Quanto aos motivos de avaliar o hipotálamo, Luciana afirma que é uma região muito relacionada ao controle da fome fisiológica e gasto energético, que conversa com outras partes do cérebro. Assim, foram utilizadas técnicas específicas para analisar o que havia acontecido nessa região do cérebro dos camundongos após o consumo de alimentação rica em gordura e também após as intervenções de treino e jejum intermitente.

Como resultados, verificou-se que, ao lado do ganho de peso, o cérebro dos animais que ingeriram a dieta hiperlipídica estava significativamente mais inflamado que os que se alimentaram com dieta balanceada (sem muita gordura saturada). Os exames nos tecidos do hipotálamo, após jejum e atividade física, mostraram “redução nas proteínas inflamatórias hipotalâmicas, corrigindo a inflamação que a dieta rica em gordura e o ganho de peso ocasionaram”.

Foi observado que a leptina (o hormônio da saciedade) funcionava melhor no cérebro de animais que treinaram “no final da janela de jejum”, o que vale dizer que a atividade “auxiliou o hipotálamo a responder melhor ao hormônio da saciedade”, acrescenta Luciana.

Outra função que o estudo indicou, entre os animais submetidos ao jejum intermitente e ao treino físico, foi a maior expressão da pró-opiomelanocortina (POMC), neurônio hipotalâmico ativado pela leptina com importância no controle da fome e na regulação do peso corporal.

O estudo Efeitos da combinação do jejum intermitente com o exercício físico sobre a via autofágica e via da leptina no hipotálamo de camundongos obesos foi realizado por Luciana em seu doutorado na EEFERP quando trabalhou com seus colegas de laboratório sob orientação do professor Adelino Sanchez Ramos da Silva.

Mais informações: e-mail luciana_co@hotmail.com, com Luciana Oliveira


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