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Intervalo entre a tarefa e a recompensa influencia na honestidade
Estudo sugere que as pessoas trapaceiam mais quanto mais próximas estiverem da recompensa e também quando têm mais tempo para relatar os resultados das tarefas
Quanto mais próximas estiverem da recompensa e mais tempo para relatar os resultados, maior é o índice de trapaça - Imagem: Freepik
Será que a atividade racional, característica do ser humano, é suficiente para entender por que as pessoas trapaceiam? Estudos em economia comportamental mostram que não e abrem espaço para perspectivas psicológicas explicarem o fenômeno. Nesta linha, o psicobiólogo Vitor Campos, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, verificou em pesquisa recente que a proximidade temporal da recompensa e o maior tempo para anunciar os resultados de atividades predispõem à trapaça.
Campos já havia trabalhado com o tema durante seu mestrado na FFCLRP, quando confirmou que a pressão do tempo para realizar uma tarefa pode influenciar a conduta honesta ou desonesta na tomada de decisões. Agora, no doutorado, ele avaliou como o tempo entre a execução, o recebimento da recompensa e o reporte de resultados de uma tarefa se relacionam com a desonestidade.
Ao justificar seus estudos, o pesquisador ressalta que a ciência do comportamento econômico não se limita a traçar perfil ético ou psicológico da desonestidade. Segundo ele, as pesquisas vêm demonstrando que as pessoas agem de maneira mais ou menos honesta, dependendo das variáveis que estão em jogo no momento das decisões.
Ele conta que, desde meados do século passado, já se reconhecia a limitação da racionalidade humana na tomada de decisões. Segundo os pesquisadores da área, é praticamente impossível calcular todas as variáveis que envolvem uma escolha; falta tempo para racionalizar todas as possibilidades, além de informações corretas e fundamentadas.
Vitor Campos - Foto: Arquivo Pessoal
Esses múltiplos fatores que atuam sobre a motivação humana (condições do momento, expectativas, incentivos e pressões) “nem sempre estão de acordo com o domínio momentâneo da razão”, afirma o professor da FFCLRP José Lino Oliveira Bueno, orientador do estudo. Assim, Bueno e Campos decidiram investigar a ação da “experiência subjetiva do tempo” sobre as escolhas que as pessoas fazem. “Nossas crenças, expectativas e nossos comportamentos se desdobram numa experiência temporal”, informa o professor.
O tempo e a trapaça
Para os experimentos, a equipe da FFCLRP contou com a colaboração de estudantes que se submeteram a testes on-line de rolagem de dados (como num jogo de dados virtual). Foram ao todo 188 jogadores (116 mulheres), divididos em dois experimentos. No primeiro, foram analisadas as chances de trapacear tendo em vista o tempo para receber a recompensa (imediatamente, uma semana e duas semanas) de 95 participantes que receberam valores de até 5 reais via PIX, após as rolagens de dados. No segundo experimento, 93 jogadores realizaram o mesmo teste on-line, porém divididos em três grupos, para relatar os resultados imediatamente, uma semana e três semanas após as jogadas, respectivamente. Como no primeiro experimento, a recompensa veio ao final, ao reportar seu resultado.
José Lino Oliveira Bueno - Foto: FFCLRP-USP
Como resultados, foi verificada trapaça no primeiro experimento “apenas nos grupos com recompensa imediata e recompensa em uma semana”. No segundo experimento, o comportamento desonesto apareceu mais nos relatos de resultados feitos duas semanas após a tarefa.
Segundo Campos, essas informações confirmam dados já encontrados na literatura de que os “indivíduos trapaceiam mais quando eles estão próximos temporalmente da recompensa”, indicando que está correto afirmar que “o intervalo de tempo entre a tarefa e a recompensa influencia a honestidade dos indivíduos”.
Desonestidade está associada ao contexto da tomada de decisão
Com o alto custo do comportamento desonesto para a sociedade, não somente em termos de corrupção, mas também pelo o que se gasta (tempo, dinheiro e burocracia) com a falta de confiança entre as pessoas, temos que “a desonestidade afeta diretamente os cofres públicos e privados”, afirma Campos. E, para mudar cenários como os apresentados pelo Transparency International, que mostram altos níveis de corrupção em diferentes países, o pesquisador acredita ser preciso “determinar ou tentar entender melhor quais são os efeitos moduladores da desonestidade, o que faz as pessoas serem desonestas”.
O professor Bueno enfatiza que, para além da racionalidade, existe uma série de fatores que “afetam o indivíduo no momento que está trapaceando”. Os estudos vêm mostrando que a desonestidade está associada ao contexto da tomada de decisão, o que significa dizer que “por si sós, os indivíduos dificilmente são honestos ou desonestos como uma característica intrínseca, mas dependentes da situação a qual estão submetidos no momento de tomar decisões”, completa Campos.
Mais informações: e-mail vitorcampos@usp.br, com Vitor Campos
* Kaelaine Olive (estagiária)*, sob a supervisão de Rita Stella
** Carolina Borin Garcia (estagiária)**, sob a supervisão de Moisés Dorado e Simone Gomes de Sá
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