SARA, a inteligência artificial generativa feita para uso em tribunais

Ferramenta desenvolvida pela USP, em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, deve auxiliar o trabalho de juristas brasileiros e aumentar a agilidade dos tribunais

 23/04/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 24/04/2024 as 11:50

Texto: Guilherme Castro Sousa*

Arte: Simone Gomes

A função da SARA, como uma IAG criada para o uso em tribunais, é atuar como uma ferramenta que auxilie o profissional da justiça – Foto: Pixabay/geralt

 

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No dia 15 de abril de 2024, a Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat) e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), apresentou a SARA  (Síntese Adaptativa de Requisitos de Admissibilidade). Trata-se de uma inteligência artificial generativa (IAG), pioneira na análise de recursos constitucionais, especiais e extraordinários. 

A plataforma foi desenvolvida com o suporte da startup Taqui, composta por pesquisadores do grupo de pesquisa SmartCitiesBR da USP. Desde 2023, foi elaborada e testada na Esmat sob a coordenação dos professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, Ana Carla Bliacheriene e Luciano Vieira de Araújo, que lideram o grupo.

IAGs no Judiciário

As IAGs foram introduzidas ao grande público em novembro de 2022,  com o lançamento do ChatGPT, e revolucionaram o funcionamento das inteligências artificiais (IAs). Luciano Vieira de Araújo explica: “A gente saiu do estágio inicial, em que conseguíamos processar aproximadamente duas páginas de texto em um e-mail, para hoje lidar com 300, 500 ou até mais páginas. Esse aumento na capacidade de processamento significa a habilidade de ler, identificar e encontrar os objetos e informações relevantes que queremos saber.”

“Quando a gente pensa nas demandas do Poder Judiciário, estamos falando de processos judiciais de diversas áreas e temas em uma quantidade muito grande. Hoje, ele é bombardeado permanentemente por várias ações que são protocoladas diariamente”, destaca Ana Carla Bliacheriene.

Todas essas ações precisam passar por uma análise preliminar de admissibilidade, isto é, uma avaliação para verificar se todos os processos burocráticos do recurso estão em ordem. Apenas em seguida é possível avaliar o mérito do recurso. “Essa análise preliminar é uma tarefa repetitiva que ocorre em todas as petições e peças protocoladas pelas partes. Ela consome muito tempo de análise antes de chegar ao cerne do problema, à questão principal de quem tem direito ou não. Isso acontece devido à grande quantidade de processos que chegam ao Judiciário diariamente, muitas vezes impedindo os juízes de avaliarem, por exemplo, os casos urgentes que exigem a concessão rápida de uma liminar”, aponta a professora.

SARA​

Ana Carla Bliacheriene - Foto: Arquivo particular

De acordo com os professores, a função da SARA, como uma IAG criada para o uso em tribunais, é atuar como uma ferramenta que auxilie o profissional da justiça. Atuando no processamento em larga escala, ela possui a capacidade de lidar com documentos diversos encontrados nos processos judiciais, otimizando a análise jurídica. Ela apoia o fluxo de trabalho, lidando com as diferentes etapas da avaliação da admissibilidade, desde o início até a verificação de jurisprudência correlata nos tribunais superiores.

Além disso, a SARA é capaz de gerar, automaticamente, minutas e documentos totalmente alinhados aos padrões do tribunal, que estão de acordo com o momento e o encaminhamento do recurso. Isso possibilita o monitoramento completo das sínteses e a interação humana em qualquer etapa do processo, garantindo, assim, uma abordagem mais eficiente e precisa na análise e tramitação dos recursos judiciais.

IAs no passado e IAGs no futuro

É importante ressaltar que as IAs já estão em uso nos tribunais. A professora Ana aponta que os advogados já utilizam as IAGs na formulação de petições. Já os juízes utilizam IAs mais rudimentares para a formulação de processos e  classificação de recursos. Contudo, existem esforços claros para a modernização do setor.

Em novembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um processo de chamamento público para que empresas apresentassem protótipos de soluções de inteligência artificial. Uma das empresas que atendeu a esse chamamento foi a startup Taqui, que auxiliou a construção da SARA. A iniciativa busca encontrar soluções que permitam o resumo de processos judiciais, com a preservação das principais informações processuais.

Uso ético das IAGs

Devido a questões éticas específicas ao Judiciário, ainda existe um certo receio e uma discussão de como as inteligências artificiais generativas podem ser empregadas. “O temor é que uma ferramenta possa levar a uma decisão injusta que prejudique as pessoas”, explica Araújo.

Por isso, de acordo com os professores, SARA foi criada como uma ferramenta de auxílio ao trabalho nos tribunais e não substitui o trabalho humano. “Essa abordagem que estamos adotando fornece ferramentas, resume e gera automaticamente um documento. Assim, a pessoa não precisa digitar, mas pode validar o que foi escrito. Além disso, há verificações internas na própria estrutura da ferramenta para garantir um certo nível de qualidade na avaliação”, destaca. 

Luciano Vieira de Araújo - Foto: Arquivo pessoal

Ponte São Paulo-Tocantins

A plataforma é fruto do grupo de pesquisa SmartCitiesBR, criado na EACH. “Desde 2016, eu e o professor Luciano temos trabalhado intensamente nesse ponto de conexão entre a teoria do direito, gestão pública, sistemas de informação, ciência da computação e transformação digital”, relata Ana.

A parceria do grupo de pesquisa com o setor privado e com os tribunais de contas e tribunais de Justiça permitiu que o grupo de pesquisa agisse de forma ágil para o desenvolvimento da IAG. “Tivemos a felicidade de encontrar, no caso dessa ferramenta, o desembargador Marco Villas Boas, do Tribunal de Justiça do Tocantins, que é um pioneiro no uso de tecnologia. Aí veio o convênio entre a Esmat, da qual ele é o coordenador geral, o TJTO e o nosso grupo de pesquisa, a SmartCitiesBR”, conta Araújo.

Sandbox

SARA está pronta para o uso, mas ainda restam algumas avaliações por parte do Judiciário para que seja aplicada de forma plena nos tribunais. Para acelerar esse processo, o professor aponta uma ousadia do Tribunal de Justiça ao criar esse espaço, denominado no contexto tecnológico de “sandbox”.

“É como uma caixinha de areia onde você pode experimentar e colocar as coisas para acontecer, onde a criança brinca e, se cai, não se machuca. Então, esse espaço é para acelerar essa validação e mostrar que é possível. Onde estão os limites, o que pode ser utilizado e qual o impacto na rotina, é algo que estamos vendo nesses próximos passos. Eles também têm sido acelerados de forma segura, para que o processo aconteça”, explica o professor.

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo

 


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