Pensar os bailes funks é, também, pensar a cidade

Luiz Paulo Ferreira Santiago levantou relatos e estudos antropológicos sobre os bailes, que são polêmicos ao mesmo tempo em que embasam uma cultura

 Publicado: 17/07/2024

Texto: Redação
Arte: Diego Facundini*

Favela Paraisopolis, Morumbi – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

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Um estudo intitulado “Baile funk na encruzilhada: uma etnografia dos fluxos de rua na zona sul de São Paulo” busca entender melhor as dinâmicas dos bailes funk na cidade e sua relação com a sociedade. Esse gênero musical, já é consolidado como um dos mais relevantes no Brasil atualmente, é ouvido por muitos, mas ainda gera polêmicas.

Luiz Paulo Ferreira Santiago, educador e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, além de autor do estudo, explica melhor o intuito da pesquisa: “Olhar para o contexto urbano a partir de uma prática cultural que é cotidianamente marginalizada, e entender o melhor essa cidade”.

Relação com a cidade

Os bailes funks têm uma relação conflitiva com os espaços que ocupam. Eles são frequentemente taxados por vieses morais e de diversas questões públicas, ao mesmo tempo que são refúgios de prazer tanto a própria comunidade, quanto para pessoas que vêm de fora para participar. O estudo “tinha a intenção não só de superar essa imagem estereotipada que existe sobre os bailes funks de rua especificamente, mas também tentar entender a dinâmica e o cotidiano das cidades sob essa ótica desse tensionamento”, comenta Santiago.

Um ponto que gera muito embate é o lixo e o barulho. O pesquisador ouviu diferentes relatos durante o estudo, como o de uma mulher que é contra os bailes por atrapalhar seu sono, e também o de uma outra trabalhadora que afirma que os bailes são importantes para descontração após uma semana difícil de trabalho. No fundo, todos fazem parte de um mesmo círculo de interesses e contextos sociais. “Essa aparente oposição vai se diluindo, porque quem está no baile também é classe trabalhadora, também é estudante, também mora na periferia”, diz Santiago.

Luiz Paulo Ferreira Santiago - Foto: pontodeculturacasadosmeninos/Instagram/Reprodução

Mas mesmo fazendo parte de um mesmo contexto, ainda há discordâncias na própria comunidade. E a forma de lidar com isso, segundo o pesquisador, tem sido inefetiva. É frequente taxar os bailes funks de uma perspectiva preconceituosa e estereotipada, mas seus frequentadores também têm necessidades de lazer que precisam ser atendidas e que constituem uma cultura. Santiago diz que é preciso conciliar a demanda da vizinhança “que é legítima, quanto à demanda desses jovens e adolescentes, que também é legítima”.

Repressão policial

No entanto, a maneira de lidar com isso muitas vezes acaba sendo a pior possível: a repressão violenta. Santiago lembra o episódio da tragédia de Paraisópolis, em 2019, na qual nove jovens morreram assassinados por policiais. O pesquisador afirma que esse tipo de abordagem parte de um preconceito, mas também de uma negligência da parte da sociedade e do Estado de querer tratar essa questão a fundo.

“É evidente que os desdobramentos são sempre conflitivos, mas se a gente não olhar para a expansão da periferia tal como ela se deu e para o processo histórico de ausência de equipamentos e de espaços públicos dedicados ao lazer para uma juventude preta e periférica, a tendência é sempre da gente olhar para a discussão de forma circunscrita e responder a ela com violência policial”, acrescenta Santiago, defendendo que olhar para os bailes funks de forma aprofundada “exigiria muito mais do Estado” e implica refletir sobre que tipo de cidade queremos construir.

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado


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