Mapa com deslocamento e áreas de pequenas Cracolândias a partir da ação na Praça Princesa Isabel pelo Centro de São Paulo - Fonte: LabCidade/USP

Cracolândia se espalha pelo centro da cidade de São Paulo, e o problema continua sem solução

Pesquisadores comentam que para se chegar a uma solução efetiva para o problema da cracolândia, são necessáras medidas que reúnam habitação, assistência social e saúde

 19/07/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 21/07/2022 às 16:31

Texto: Redação

Arte: Adrielly Kilryann

As operações na Praça Princesa Isabel em maio de 2022 dispersaram dependentes químicos e moradores de rua da cracolândia. A ação aconteceu nos Campos Elísios, centro de São Paulo, e foi alvo de um levantamento inédito do LabCidade, que mapeou ao menos 16 locais com fluxo de pessoas. Foi a partir do acompanhamento in loco da situação que pesquisadores, trabalhadores e ativistas conseguiram reunir dados para a composição do mapa ilustrando os locais em que há concentração de usuários. 

O que se verificou a partir dele foi a multiplicação e o espalhamento de pequenos focos, em um raio de 750 metros, que abrange a região da Luz, Santa Cecília, República e Campos Elísios. Com a coleta dessas informações e indo de encontro com o parecer da Prefeitura de São Paulo, a estimativa é de que cerca de duas mil pessoas transitem nesses focos, após um esforço da Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar na política da Guerra às Drogas. 

As “procissões do crack”, ocasionadas pela dispersão dos indivíduos, estão longe de ser de interesse da população e do comércio local. Além de desviar o escopo da necessidade de tratamento humanitário para os usuários, essas intervenções acentuam problemas na segurança e na dinâmica na região central da cidade. Para isso, seriam necessárias políticas públicas, em conjunto com moradores e comerciantes, que também são afetados pelo raio da operação. 

Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, Aluizio Marino, pesquisador do Labcidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e responsável pelo mapeamento, afirma que “a política atual é a política da dispersão das pessoas”. Segundo ele, o mapeamento foi feito apenas no entorno da Praça Princesa Isabel, a qual possui um raio de 750 metros, não abarcando todas as outras mini áreas de foco existentes na cidade. 

De acordo com o pesquisador, mais do que fugir da polícia, os usuários são dispersados pela atuação policial e pela Guarda Civil Metropolitana: “A intenção é realmente que essas pessoas circulem. Foi feita, inclusive, em 2012, a ‘Operação Sufoco’, com a ideia de que, a partir da dor e do sofrimento, essas pessoas saiam da situação”. “O que é uma maluquice, porque elas já estão em constantes dores e sofrimentos. Não é legal explorar essa posição”, completa. Ele ainda revela que a Cracolândia conta hoje com cerca de mil usuários, mas que, com o constante deslocamento de pessoas, a contagem é dificultada, atrapalhando, também, a elaboração de políticas com cuidado.

Guerra às drogas

As cenas da Cracolândia se multiplicando expressam um problema da cidade e falta de políticas públicas, não um problema apenas da polícia. Conforme explica Marino, prender os traficantes está longe de resolver a questão, porque “os usuários são os próprios traficantes que vendem para consumir”. A lógica da Guerra às Drogas acaba sendo, na verdade, uma guerra aos pobres e a pessoas indesejadas. “A gente pode se perguntar muitas vezes o porquê da Cracolândia permanecer há 30 anos. Parece até que existem outros interesses por trás disso”, indaga.  

Além dos usuários submetidos a constante violência e falta de assistência à saúde, moradores do entorno desses focos não conseguem usufruir de noites tranquilas e comerciantes sentem que precisam fechar as portas por causa das operações que impactam os serviços das ruas.

Aluízio Marino - Foto: Reprodução/Twitter

Aluízio Marino - Foto: Reprodução/Twitter

Para o pesquisador, a Cracolândia não é uma situação sem solução. Mas para diminuir o impasse, é necessário criar políticas públicas ousadas e complementares que vão atravessar a questão da habitação, da saúde, da oportunidade de trabalho e da cultura de modo conjunto com diversas camadas da sociedade e a longo prazo: “A gente precisa desenhar essa política de forma participativa com os moradores do centro, com os comerciantes, com as representações da população em situação de rua, para que possamos tocar isso independente do governo que entra e sai. É uma política de governo e não uma política de um mandato específico que vai fazer com que resolvamos essa situação”.  Abaixo ouça a entrevista com Aluízio Marino, pesquisador do Labcidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e responsável pelo mapeamento.

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Usuários de drogas são deslocados da praça Júlio Prestes para a praça em frente à estação Julio Prestes, conhecida como praça do Cachimbo, na região da Cracolândia (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Questão de polícia, mas não somente

A força policial, uma das políticas mais aplicadas até aqui por diferentes governos, só gera problemas se for isolada, na avaliação de Marcelo Nery, coordenador de Transferência de Tecnologia do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) e pesquisador no Instituto de Estudos Avançados (IEA) no Programa Cidades Globais, ambos da USP, também para o Jornal da USP no Ar 1ª Edição.

É uma questão de polícia, mas não somente. Prender não é uma medida eficaz pelo estado da segurança pública no Brasil. “O fluxo de pessoas que entram e saem do sistema penitenciário é bastante grande, então muitas dessas pessoas vão voltar para aquele lugar”, diz Nery. Se não for possível retornar ao mesmo lugar, as pessoas buscarão espaços parecidos nas proximidades, onde há “atividade de comércio e serviço, que tem grande trânsito de pessoas e que, no momento, não tem a presença da polícia”.

Marcelo Batista Nery - Foto: Reprodução/NEV

Marcelo Batista Nery - Foto: Reprodução/NEV

Ao se pensar em políticas públicas para essas pessoas, é importante primeiro considerar suas características. “Gênero, educação, condição de saúde, de saúde mental, [condição] criminal.” Também entender por que seu local é a região central de São Paulo, e não outra área peri-urbana ou periférica.  

Para se chegar numa solução efetiva, considerando a complexidade do problema, é preciso de uma medida que “reúne a ação policial junto da assistência social, e da Secretaria de Habitação, por exemplo, [da área] de saúde mental”. Há ainda o impacto na segurança pública do aumento da desigualdade social na pandemia, que está sendo estudado.

Nery explica que a abordagem da equipe de saúde muitas vezes não se alinha à da segurança pública. Na perspectiva da saúde, a ação é de prevenção a violências como a domiciliar e intrafamiliar, que aumentam as chances de a pessoa ir para a rua e chegar na Cracolândia, então os trabalhadores tentam se aproximar para oferecer assistência. Já na segurança, é preciso recolher aqueles que estão cometendo algum crime. Para melhorar essa situação, deve haver “maior transparência e maior aproximação entre os vários níveis e as diversas secretarias relacionadas à questão”. Ouça abaixo a entrevista com Marcelo Nery, coordenador de Transferência de Tecnologia do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) e pesquisador no Instituto de Estudos Avançados (IEA) no Programa Cidades Globais, ambos da USP.

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