Resolver problemas: o propósito supremo de uma startup

Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP

 19/09/2024 - Publicado há 2 meses

A missão de uma organização pode ser entendida como a sua razão de ser. Esta deve considerar o propósito e a paixão pelos quais seus sócios fundadores e colaboradores alocam recursos e esforços.

E qual deve ser a missão de uma startup? De forma geral, a razão de ser de uma startup é resolver problemas. Nesse sentido, uma startup deveria focar na resolução de problemas “certeiros” – ou seja, problemas relevantes e ainda não resolvidos, ou parcialmente atendidos pelas soluções atuais. Em outras palavras, uma startup — como uma empresa nascente inovadora — deve desenvolver e oferecer soluções inovadoras para problemas importantes e não resolvidos pelas soluções vigentes.

Assim, uma das primeiras decisões estratégicas de uma startup consiste em delimitar o problema que pretende resolver. De maneira geral, podemos considerar que os problemas de uma pessoa ou organização refletem seus potenciais ganhos (ou motivações, necessidades e aspirações) e suas dores (ou obstáculos, preocupações e frustações). Esses ganhos e dores motivam e desencadeiam as atitudes e ações das pessoas e organizações visando resolvê-los.

Nesse sentido, os clientes, sejam eles pessoas ou organizações, “contratam” as startups – bem como empresas, organizações públicas, profissionais liberais e autônomos – para resolver problemas importantes e atender suas necessidades. Por exemplo, pacientes com problemas musculoesqueléticos na coluna lombar têm a aspiração de eliminar as dores e restaurar seus movimentos. Para tanto, eles buscam contratar alguém (ex.: médicos ortopedistas e fisiatras, fisioterapeutas) ou uma organização (ex.: clínica especializada em coluna lombar) para resolver seus problemas de alterações musculoesqueléticas.

A delimitação de um problema nem sempre é uma decisão óbvia por parte de uma startup. Isso ocorre por vários motivos. Um deles está associado à fixação dos fundadores pela tecnologia ou solução. Uma das frases reconhecidas no mundo das startups reflete isso: “Apaixone-se pelo problema, não pela solução”. Assim, a startup deve ser obstinada em resolver problemas – e, para tanto, a tecnologia e a solução são um meio.

Nesse contexto, sugiro cinco etapas para as startups alocarem seus esforços nos problemas certos.

Etapa 1 – Definição do problema a ser resolvido

Nesta etapa, há três direcionadores principais. O primeiro é o mercado: neste caso, trata-se de escolher um mercado interessante, preferencialmente em um segmento relativamente grande (ex.: com muitos usuários), que aborda um problema cuja resolução gera um alto valor (econômico e social) e possivelmente ainda pouco explorado. Na pandemia de covid-19, o desenvolvimento da vacina atendeu simultaneamente a  esses três aspectos.

O segundo direcionador é a tecnologia. Nesse caso, busca-se encontrar um problema relevante que a tecnologia da startup (ou conhecimento dos empreendedores) pode resolver. Considerando o exemplo da pandemia de covid-19, a BioNtech estava utilizando a tecnologia de mRNA (ou RNA mensageiro) para desenvolver soluções de imunoterapia para problemas oncológicos. Na pandemia, a startup redirecionou seus esforços para o desenvolvimento da vacina contra a covid-19.

E o terceiro direcionador é a paixão (algo inconsciente) que pode ser transformada em propósito (ou seja, uma forma consciente de paixão). Nesse caso, o empreendedor define o problema com base na sua paixão ou propósito. Esses três direcionadores não são excludentes. Ao contrário, eles deveriam ser considerados de forma complementar na definição do problema a ser resolvido pela startup.

Etapa 2 – Compreensão do problema

Esta etapa consiste no efetivo entendimento do problema. Para tanto, os empreendedores precisam “ir ao campo” ou “sair do prédio” (em inglês, get out of the building). As seguintes questões precisam ser exploradas e validadas de forma empírica:

1 – Qual é o perfil do cliente (ou ICP – Ideal Customer Profile) que apresenta as características ou situações ideais a serem atendidas pela startup?
2 – Especificamente, quem é o usuário-alvo (ou target user)?
3 – Para esses clientes, qual é o problema a ser resolvido? Ou seja, quais são as dores e os ganhos esperados?
4 – Por que esse problema é importante para o usuário? Existe uma urgência para resolvê-lo?
5 – Como o usuário resolve esse problema hoje?

Etapa 3 – Análise do problema

Esta etapa aborda uma investigação mais minuciosa do problema a ser resolvido. Na análise do problema, considero duas questões relevantes:

1 – Quais são os tipos (ou classes) de problemas que devem ser atendidos?
2 – Em que circunstâncias ou ocasiões esses tipos de problemas ocorrem?

Para a primeira questão, considero quatro tipos: problemas de natureza funcional; problemas de conveniência; problemas intangíveis; e problemas relacionados ao custo (ou ao preço). No exemplo do paciente com problemas musculoesqueléticos na coluna lombar, os seguintes tipos de problemas mais específicos podem ser encontrados: incapacidade funcional (problema de natureza funcional); logística para acesso ao tratamento (problema de conveniência); descrença nos resultados do tratamento (problemas intangíveis); e custo do tratamento (problema de custo/preço).

Na análise das circunstâncias ou ocasiões em que esses tipos de problemas ocorrem, sugiro a utilização da jornada do cliente. Esta é uma ferramenta que contempla todos os estágios que o cliente utiliza para resolver um determinado conjunto de problemas. Assim, a jornada do cliente adota uma abordagem end-to-end (ou de ponta a ponta), ou seja, considera desde o estágio inicial até o estágio final desse processo de resolução do problema.

Etapa 4 – Priorização dos atributos críticos do problema

Nesta etapa de priorização, a startup deve decidir qual é o foco do problema a ser resolvido. Para tanto, sugiro a utilização da análise importância-desempenho, utilizada no contexto dos tipos de problemas identificados na jornada do cliente. A dimensão importância avalia a relevância absoluta ou relativa dos tipos de problemas, na perspectiva dos clientes. E a dimensão desempenho (ou satisfação) avalia o desempenho percebido (ou a satisfação) do cliente com as soluções atuais oferecidas para ele (ou conhecidas por ele) para os tipos de problemas considerados. Assim, a startup deveria priorizar os tipos de problemas mais importantes e, simultaneamente, aqueles com maior insatisfação dos clientes com as soluções atuais.

Etapa 5 – Definição das métricas associadas ao problema

Por fim, esta etapa consiste em identificar as métricas relevantes relacionadas ao problema a ser resolvido. Sugiro duas classes de métricas, consideradas de forma sequencial. A primeira classe remete às métricas de quantificação dos resultados esperados com a resolução dos problemas. E a segunda classe de métricas reflete o impacto decorrente desses resultados. Nas organizações, esses impactos estão principalmente associados ao crescimento (ex.: aumento da receita), à eficiência operacional (ex.: redução de custos, melhoria na utilização dos ativos) e aos aspectos intangíveis (uma ampla classe de impacto que contempla inovação, impacto socioambiental, satisfação dos clientes, reputação e clima organizacional).

Retomando o exemplo do paciente com problemas na coluna lombar, um dos resultados no âmbito laboral que pode ser medido é o absenteísmo (ex.: dias de afastamento do trabalho). E os impactos decorrentes da redução do absenteísmo podem ser relacionados ao aumento de eficiência operacional resultante de ganhos de produtividade, além da redução de aposentadorias precoces.

Minha questão final é: Empreendedores, vocês encontraram e validaram o problema “certo” que sua startup precisa resolver?

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