A importância de um segundo turno com debates sobre políticas públicas

Por Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 07/10/2022 - Publicado há 2 anos

Até o momento, em seus programas de governo, nos debates do primeiro turno e nas entrevistas realizadas, os candidatos à presidência do Brasil têm se esforçado em grande parte em evitar assumir compromissos com metas específicas sobre as principais questões programáticas dos principais problemas do país em jogo na eleição de 2022. Em certo sentido, e de forma contraditória, a elevada polarização política nesta eleição, com a maior concentração entre dois candidatos no primeiro turno desde a redemocratização, tem contribuído para que os candidatos, que estão na frente das pesquisas eleitorais e que agora se enfrentam no segundo turno no dia 30 de outubro, se limitem a compromissos amplos sobre muitos temas chaves. A perspectiva de um segundo turno mais apertado que as previsões iniciais das duas campanhas deve fortalecer as pressões para um debate mais substantivo neste último mês da eleição.

Esse debate é fundamental porque as eleições têm um papel importante, atuando como um plebiscito, no qual o eleitorado tem a oportunidade de avaliar o desempenho de governos incumbentes. O presidente incumbente, Jair Bolsonaro, recentemente filiado ao Partido Liberal (PL), está concorrendo para reeleição reforçando sua estratégia bem-sucedida na eleição de 2018. Nessa eleição, em seu programa, “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”, Bolsonaro se destacou por lançar um programa de poucas palavras em formato de infográficos quase sem metas específicas. Na última eleição, as prioridades anunciadas em seu programa de governo foram priorizar segurança, saúde e educação e um “orçamento base zero”. Seu programa se lamentava por “educação e saúde à beira do colapso” (frase extraída da Proposta de Plano de Governo de Brasil Acima de Tudo de 2018), sinalizando que estas seriam áreas que seriam priorizadas, ao mesmo tempo que Jair Bolsonaro se comprometia em executar um orçamento em que todos os gastos públicos sejam pensados do zero, todos os anos, sem considerar os gastos do período anterior.

Se antes de sua eleição em 2018 o presidente já reconhecia o colapso dessas áreas, quatro anos depois, a situação é ainda mais grave. Bolsonaro só não implementou o orçamento zero porque não era constitucional, e a situação só não está mais grave hoje porque o governo federal precisa cumprir com a obrigatoriedade de investir 15% e 25% da receita corrente líquida, respectivamente, em saúde e educação, e, ainda, porque o Congresso, o STF, e os governos subnacionais fizeram pressão para obrigar a administração federal a cumprir com as obrigações mínimas.

Estamos em um momento crucial, onde devemos fortalecer o debate sobre as políticas e os programas que foram implantados pelo governo atual nestas áreas baseado nos compromissos assumidos pelo Presidente Bolsonaro em seu programa de governo de 2018 e os resultados alcançados até 2022. De acordo com estudos do Instituto Fiscal Independente, o governo federal continua reduzindo os investimentos nas supostas prioridades do governo Bolsonaro de acordo com seu próprio programa de governo de 2018. Devido as reprogramações orçamentárias feitas por meio do Decreto nº 11.216, de 30 de outubro de 2022, o governo federal concentrou o bloqueio das despesas no Ministério da Educação, com corte de R$ 3 bilhões, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 1,7 bi), o Ministério da Saúde (R$ 1,6 bi), o Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 1,5 bi) e o Ministério da Defesa (R$ 1,1 bi).

Vale a pena também avaliar se as promessas do atual incumbente em 2018 foram materializadas em produzir ganhos para a sociedade. Dos poucos compromissos na saúde, seu programa se comprometeu a entregar o Prontuário Eletrônico Nacional Interligado como pilar do SUS. Até a presente data, o Conecte-Sus Profissional permanece uma promessa e não um programa consolidado. O projeto, que já estava em andamento há anos no Ministério da Saúde, antes de Bolsonaro tomar posse em 2018, foi lançado em 2021. Há poucos detalhes sobre este programa que permitem avaliar o resultado. E vale lembrar que, mesmo com a propaganda eleitoral de digitalizar a saúde para transformar o sistema e torná-lo mais eficiente, ao longo da pandemia, o Ministério da Saúde se destacou por sua falta de transparência e apagões recorrentes. Em seu novo programa de governo para 2022, esta meta sumiu como área prioritária do governo.

Na saúde, um segundo compromisso citado no programa de governo do candidato Bolsonaro em 2018 era fortalecer os agentes comunitários de saúde da atenção básica. Bolsonaro se comprometeu a treinar esses profissionais para se tornarem técnicos de saúde preventiva. O Brasil contava com aproximadamente 286 mil agentes comunitários de saúde quando o Bolsonaro assumiu o governo. Mesmo constando em seu programa de governo, o governo Bolsonaro parece ter se esquecido desta promessa. Como várias pesquisas têm mostrado, o Ministério da Saúde se destacou por não ter coordenado uma resposta de combate à pandemia com base em programas que utilizassem a Estratégia de Saúde da Família e, principalmente, através dos milhares de agentes comunitários. Tais programas, se criados, teriam tido impacto significativo, principalmente em áreas mais vulneráveis e rurais do país.

Nesta eleição, tão decisiva para a democracia brasileira, as declarações de um candidato, suas posições políticas e suas promessas de campanha tornam-se muito importantes para fortalecer o debate democrático. Cabe ao presidente incumbente especialmente defender seu governo, e explicar o não cumprimento de suas promessas de campanha. Quais evidências críveis temos de que o programa de governo num segundo mandato desta vez será cumprido?


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