Sinergética: caos, auto-organização e complexidade

Por José Roberto Castilho Piqueira, professor da Escola Politécnica da USP

 Publicado: 07/11/2024 às 20:07

Em texto anterior abordei as ideias sobre dinâmica de sistemas caóticos e a possível contribuição de seus modelos matemáticos para as ações relativas à sustentabilidade e à preservação do planeta, diante das mudanças ambientais.

É história conhecida que sistemas dinâmicos não lineares podem produzir comportamentos emergentes, aparentemente inesperados. Esse conhecimento, aliado ao amplo desenvolvimento de ferramentas computacionais, levou a modelagem matemática a diversas áreas aparentemente de pouca relação com ela.

A partir da segunda metade do século anterior, sob a etiqueta de Complexidade, diversas denominações como Caos, Bifurcações, Catástrofes, Criticalidade e Auto-organização passaram a povoar as pesquisas de áreas biológicas e humanas, além da física, química e matemática, recriando o pensamento multidisciplinar.

Nesse novo panorama, pesquisadores de alto nível iniciaram interações com áreas diferentes das suas de origens, contribuindo em problemas de relevância para o dia a dia no planeta, trazendo O retorno dos polímatas (Marcos Buckeridge).

Frequentando nos anos 1990 o grupo de Ciência Cognitiva do Instituto de Estudos Avançados da USP, descobri o conceito de Sinergética, neologismo proposto pelo físico alemão Hermann Haken e por ele estudado em ampla obra, com publicações que se iniciam por volta de 1950 e chegam até o século 21 com grande relevância para a biologia, sociologia e computação.

Polímata da era moderna, faleceu no mês de agosto deste ano, aos 97 anos, concluiu o PhD em 1951 e, a partir daí, iniciou trabalho de elaboração de modelos matemáticos relacionados às peculiaridades do comportamento emergente do fenômeno da emissão de raios laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation).

Embora a palavra sinergia faça, atualmente, parte do cotidiano, sua origem está na emergência da emissão de feixe de raios de luz paralelos entre si, com alta intensidade e de comprimento de onda bem determinado. Esse efeito é obtido pela reorganização molecular de um certo meio ativo que pode ser sólido, líquido ou gasoso, resultado de uma cascata de emissões produzidas pela incidência de radiação sobre o material.

Como pesquisador e professor da Universidade de Stuttgart, Haken desenvolveu o conceito de Sinergética, inspirado pelo comportamento coletivo macroscópico apresentado pelo sistema de luz laser como resultado da ação conjunta das moléculas do sistema original. Simplificadamente, a ação colaborativa de agentes microscópicos gerando um estado macroscópico auto-organizado, isto é, sem ação de agentes externos.

As ideias originais, hoje bastante popularizadas com diversos nomes e em múltiplas áreas de conhecimento, talvez tenham origem no conceito de transição de fase, da física estatística.

A transição de fase mais simples e popular é a relativa aos diversos estados da água. Uma porção líquida, colocada em uma forma e levada ao congelador, proporciona cubos de gelo, resultados da reorganização das moléculas, inicialmente em movimento que, em virtude da diminuição de temperatura, formam cristais, agrupando-se em ordem fixa.

Exemplo, muito popular entre os engenheiros, é a transição para turbulência do movimento de um fluido. Considerando um curso de água que atravessa uma região que tem um corpo sólido em seu caminho, observa-se um movimento suave e organizado da água quando a velocidade do fluxo é baixa.

Aumentando-se a velocidade do fluido, vórtices circulares de movimento da água formam-se em volta do corpo sólido. Para velocidades maiores da água, um movimento turbulento, aparentemente aleatório, forma-se nas proximidades do corpo no caminho da água.

Outros exemplos clássicos: células de Bénard, instabilidade de Taylor, reação de Belousov-Zhabotinsky e mudanças de propriedades magnéticas de materiais povoam os textos relativos aos fenômenos de transição de fase.

Entretanto, segundo Haken, apesar de estarmos tratando de um campo de pesquisas interessante, não obtemos avanços na explicação de processos biológicos, pois os fluxos de matéria e energia são mantidos ao longo de toda a duração dos fenômenos.

Colaborar com a elucidação de fenômenos biológicos implica considerar fontes de energia química alimentando o sistema e sendo processadas em vários estágios microscópicos, resultando na formação de padrões macroscópicos de morfogênese, coordenação de movimentos corporais e reconhecimento de padrões visuais.

Essas ideias, ao longo do tempo, inspiraram trabalhos seminais como os de René Thom sobre modelos matemáticos de morfogênese, de John Tyler Bonner sobre evolução da complexidade, de Stuart Kauffman sobre as redes genéticas de autorregulação, de Ilya Prigogine sobre estruturas dissipativas e de Manfred Eigen sobre os hiperciclos.

Haken, a partir da Sinergética como programa de pesquisa colaborativo, produziu trabalhos de profundidade em computação natural e artificial, neurofisiologia, teoria da informação, socio-dinâmica, cognição, psicoterapia e, recentemente, sobre dinâmica urbana.

A trajetória desse importante cientista, que começando na física dos fenômenos microscópicos e postulando a Sinergética como uma ciência de estruturas complexas, deixa um legado de grande valor. É obra de um verdadeiro polímata e desbravador de caminhos que conectam de maneira inspirada e rigorosa os fenômenos naturais e sociais.

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