Na minha pilha de leitura, comecei aprendendo com Walter Benjamim, em Paris, a Capital do século XIX, que, na França, entre os séculos 18 e 19, viveram dois Fourier: François-Marie Charles Fourier (1772-1837) e Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), conhecidos respectivamente por arquitetos e engenheiros.
Interessante notar que a engenharia de Jean-Baptiste contribuiu decisivamente para os ideais arquitetônicos de François-Marie, integrando os saberes em benefício da vida no planeta.
No degrau seguinte da minha pilha encontro O Polímata, de Peter Burke, que analisa de maneira precisa as diferentes formas de contribuição dos pesquisadores de amplo espectro e daqueles que se dedicam a uma especialidade, ao longo da história do conhecimento humano.
Sem tomar partido e reconhecendo a importância de ambas as posturas, Burke traz uma análise dos considerados polímatas, descrevendo seus interesses e aportes ao pensamento e às ações nos diversos campos da vida sobre o planeta.
Quando, na década de 1980, iniciei minha vida acadêmica orientado pelo sempre lembrado Jocelyn Bennaton (Jô), encontrei um guia de múltiplos interesses, da Linguística à Matemática, passando pela Biologia.
Saindo da graduação e trabalhando no desenvolvimento de equipamento de telecomunicações, fui exposto a um mundo que ia além do simples uso da teoria da informação e dos processos estocásticos em problemas de eletrônica, passando à tentativa de criar modelos para questões científicas mais amplas e complexas.
O porte intelectual do Jô era de um pensador que aliava conhecimento e generosidade e, como consequência, julgou equivocadamente que seu orientado seria capaz de segui-lo no mesmo nível.
Assim, comecei a aprender um pouco de Dinâmica não Linear, quando, em Eletrônica, as ideias relativas a comportamentos caóticos se confundiam com as aleatoriedades provocadas pelos ruídos.
Sempre de curiosidade científica aguçada, Jô propôs que estudássemos os trabalhos de René Thom sobre a emergência na natureza de formas geométricas modeláveis por equações sensíveis a variações de parâmetros.
Não tive fôlego suficiente para realizar esse trabalho e acabei ficando na simplicidade da aplicação da teoria qualitativa de equações diferenciais a alguns problemas de interesse prático.
Decorridos quase quarenta anos do doutoramento, fui chamado por jovens entusiasmados pelas ideias de complexidade e geometria fractal a revisitar as ideias de morfogênese.
Como estou mais para consolidação do que para inovação, lembrei-me de revisitar D’Arcy Thompson (1860-1948) para discutir uma obra considerada seminal relativa às conexões entre Física, Matemática e Biologia.
A primeira versão de seu livro sobre morfogênese data de 1917 e foi reescrita em 1941, numa tentativa do autor de atualizar os diversos capítulos, de acordo com os novos desenvolvimentos do início do século 20. Entretanto, as questões relacionadas à Biologia evolutiva foram ignoradas e, por essa razão, foi duramente criticado.
Entretanto, consciente da importância do trabalho de Darcy Thompson, John Tyler Bonner (1920-2019) editou, em 1961, uma versão simplificada do livro original, atualizando alguns tópicos e suprimindo outros, que haviam se tornado obsoletos.
Bonner indica a necessária atualização do texto de Thompson, levando em conta os posteriores trabalhos de Norbert Wiener, colocando a Cibernética ao lado das aplicações da Matemática e da Física nos estudos das Ciências da Vida.
Seguindo, Bonner qualifica a obra de Thompson como boa ciência e boa literatura, redundando em uma obra científica com sabor de um ensaio de humanidades, fato atribuído à formação pregressa do autor, fortemente influenciada pela cultura clássica de seu pai.
Ao reconhecer em Thompson um aristocrata da educação, Bonner lhe atribui o título de pesquisador 3 em 1, sem abismos entre a formação científica e as letras, sendo compreendido e admirado pelos estudantes.
George Evelyn Hutchinson (1903-1991), considerado o pai da Ecologia, qualifica Thompson como um pesquisador que combina audácia e imaginação, considerando que seu viés voltado para o entendimento das forças físicas responsáveis pelas formas não contraria a Teoria da Evolução, mas a enriquece.
Depois de tudo isso, fui procurar Darcy Thompson na lista de polímatas de Peter Burke e não achei. Assim como não se acha o Jô na lista de professores eméritos.
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