Em meados dos anos 1970 a engenharia brasileira fervilhava. Obras civis, indústria automobilística, hidrelétricas, redes de distribuição de energia, redes de telecomunicações e sistemas de computação compunham um cenário otimista de empregabilidade para os jovens egressos das excelentes escolas distribuídas pelo País.
Ao terminar meu curso de engenharia elétrica, ingressei na indústria de telecomunicações como engenheiro de projeto e desenvolvimento. Trabalhei por vários anos no campo e na bancada do laboratório, mas sempre pensando no trabalho desenvolvido no mundo acadêmico.
Estudar sempre foi o que fiz com mais competência e prazer profissional. Tentando equilibrar o tempo entre a fábrica e a universidade, sacrificando finais de semana, consegui, a duras penas, concluir o mestrado.
No começo da década de 1980 estava muito motivado para o doutorado. O trabalho na indústria era de desenvolvimento de equipamentos de nível bem próximo dos centros mundiais de excelência, permitindo conjecturar que o os projetos de bancada poderiam enquadrar-se como interessantes para uma tese.
Conversei bastante com o professor Léo Borges Vieira, que me incentivou a matematizar os problemas de sincronismo de osciladores. Nessa época, voltou da Inglaterra, com PhD pelo Imperial College, o professor Jocelyn Bennaton (Jô), com relevantes trabalhos em modelos matemáticos de processos aleatórios (estocásticos).
Eu estava, ainda, cursando as disciplinas quando fui pedir para o Jô me orientar no programa de doutorado. Ele se interessou: “Já que você está estudando acoplamento de osciladores, poderia usar os resultados da análise estocástica para incluir o ruído nos seus modelos”. E me deu um artigo para ler.
O artigo trazia uma matemática rigorosa e bem-feita sobre como representar ruídos em circuitos eletrônicos por equações diferenciais estocásticas, mas um parágrafo nas conclusões dizia que era preciso diferenciar ruídos de comportamentos semelhantes a ruídos originários das não linearidades dos componentes. Era o conceito de Caos chegando à eletrônica: comportamentos emergentes, semelhantes a ruídos sem fonte ruidosa convencional.
Daí fui para os Sistemas Dinâmicos e estou neles até hoje. A visão matemática dos comportamentos caóticos passou a permear as mais diversas áreas do conhecimento e proporcionar desenvolvimentos teóricos de valiosas implicações práticas.
Hoje fui tentar colocar ordem na minha pilha de livros e encontrei uma obra pouco conhecida de Isaac Asimov que eu não tinha dado a devida importância. Só tenho a versão em espanhol: Las palavras y los mitos. Aproveitei e pedi, pela internet, a versão em inglês: Words from the Myths.
Achei interessante que os títulos nos diferentes idiomas aparentemente apresentam uma ligeira discrepância de significados. O fato de Asimov ser mais conhecido pelos seus deliciosos livros de futurologia científica, aguçou minha curiosidade e comecei a leitura.
De início, o texto introdutório apresenta alguns exemplos de como a mitologia grega nos cerca: como Calíope, primeira das nove musas, dá nome a um instrumento musical ou como um monstro horrível (Medusa) designa um inocente cnidário.
O capítulo denominado “Origem” trata de como os gregos imaginavam que o Universo, no princípio, era composto de matéria em plena desordem e chamaram esse estado de Caos, significando abismo. Nos dias de hoje, em linguagem corrente, caos significa confusão ou desordem.
Voltando aos gregos, quando as coisas foram adquirindo formas e figuras, o termo Cosmos, significando ordem e boa distribuição, passou a ser usado e, nas gerações seguintes, associado ao Universo. Atualmente, há muitas expressões derivadas dessa ideia, como cosmopolita (aquele que é parte integrante do mundo), raios cósmicos (procedentes de todo o Universo) e cosmético (responsável pela criação da ordem no caos reinante em um salão de beleza).
Os pesquisadores da área de Sistema Dinâmicos têm definição precisa para o conceito de Caos, em associação com sensibilidade às condições iniciais. Condições iniciais muito próximas levam, ao longo do tempo, a situações muito diferentes, isto é, a um certo tipo de caos.
Assim, catástrofes e desastres ambientais nascem de mudanças produzidas sobre o planeta por alterações, ainda que pequenas, sobre a natureza. Mudar para progredir, viver e manter a vida é algo inevitável.
Entretanto, há modelos físico-matemáticos que proporcionam previsões acuradas para os efeitos de alterações, sugerindo soluções que, possivelmente, evitariam os desastres climáticos que o planeta tem presenciado. Ao entender cientificamente os comportamentos caóticos dos sistemas dinâmicos, as ações humanas podem efetivamente implicar a preservação da vida.
Metaforicamente: modelos matemáticos de sistemas dinâmicos caóticos auxiliando na preservação da natureza (Cosmos) do planeta.
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