Maria da Conceição Tavares, presente!

Por Jean Pierre Chauvin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 Publicado: 12/06/2024

Faleceu, na manhã de sábado, 8 de junho, Maria da Conceição Tavares (1930-2024), professora nascida em Portugal que se tornou uma das maiores referências internacionais no debate sobre a macroeconomia.

Severa crítica do neoliberalismo – concebido na década de 1940 e colocado em prática a partir dos anos de 1970 – Tavares combinava erudição, lucidez, combatividade e eloquência em suas aulas. Decerto os internautas terão visto dezenas de registros de suas falas contundentes, dentro e fora da Universidade, dentre as quais a célebre entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, em 1995.

Um dos ensinamentos legados pela pensadora foram a clareza e objetividade de seus diagnósticos e proposições. E é justamente por reconhecer minhas lacunas teóricas e limitações na prática docente que, durante os últimos semestres letivos, tenho recorrido a valiosas sínteses, extraídas de discursos incisivos formulados por essa intelectual militante, tais como: “Este é um curso rebelde”, ou “Só faz de conta que a política não interessa quem manda”, ou “Ser cidadão [norte] americano quer dizer ter dois símbolos de mercado: uma carteira de automóvel e um cartão de crédito”.

Na entrevista concedida ao Roda Viva, quase três décadas atrás, encontramos uma de suas sínteses mais conhecidas, relacionada à maneira à qual nos habituamos a infraviver: “A economia que não se preocupa com justiça social é uma economia que condena os povos a isso que está ocorrendo no mundo inteiro: uma brutal concentração de renda e de riqueza, o desemprego e a miséria”.

Dez anos antes, ela observara em um ensaio que “até 1981, só a política econômica da Inglaterra apoiava declaradamente a moeda [norte] americana”. Entretanto, no transcorrer daquela década, pouco a pouco “todos os países desenvolvidos do mundo, quaisquer que fossem seus governos – socialistas, social-democratas, conservadores etc.”, estavam “praticamente alinhados em termos de política cambial, política e taxa de juros, política monetária e política fiscal” .

A cada vez que parte uma intelectual e professora do porte de Maria da Conceição Tavares, a gente se sente meio órfão de lutas e ideias. Sim, porque criticar o país com o devido embasamento é uma forma de ser e agir de modo coerente e inclusivo.

Dentre as leituras e escutas que pude fazer, Maria da Conceição Tavares está no panteão (particular) ocupado por Maria Isaura Pereira de Queiroz, Marilena Chauí, Sonia Kruppa e Wanda Antunes – para mencionar apenas algumas das mulheres que protagonizam o pensamento crítico, articulado à postura combativa, e estimulam a ação transformadora dos livros e da sala de aula.

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