Três livros para 2023

Por Ester Gammardella Rizzi, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP

 27/01/2023 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 30/01/2023 às 20:21

Ainda é janeiro e ainda dá tempo de fazer promessas e planos para o ano recém-começado. Pois o que segue não são resenhas – que em geral são feitas de livros que você já leu -, mas sim uma lista de desejos. Três livros que quero ler em 2023 e, em linhas gerais, por que quero lê-los.

A letra da lei – Guerras, constituições e a formação do mundo moderno, de Linda Colley

A tradução do livro da historiadora Linda Colley foi publicada em 2022. Eu estudei no mestrado e no doutorado, respectivamente, Constituição de Weimar (Alemanha, 1919) e Constituição Mexicana (México, 1917). Ambas precedidas por processos revolucionários que, sem ser historiadora, mas querendo ser um pouco, tentei analisar. Pelo que entendi da proposta de Colley, ela identifica em processos conflituosos armados – que denomina “guerras” em vez de “revoluções” – o impulso social para iniciar processos constituintes.

Desde 2020, venho realizando uma pesquisa sobre o processo constituinte chileno, impulsionado pelo chamado “estallido social” de outubro de 2019. O livro de Linda Colley, assim, é muito próximo de meus temas de pesquisa passados e futuros. Faz a análise sobre outros temas e países, mas, de alguma forma, processos conflituosos que desembocam em novas Constituições. Estou ansiosa para ler suas 472 páginas. Como a academia não precisa ser solitária e às vezes a gente tem a sorte de ter amigos e colegas de trabalho com interesses parecidos, pretendo fazer um grupo de estudos com o Agnaldo Valentin (que foi quem me indicou o livro!) e alguns estudantes interessados para lê-lo coletivamente.

Nada os trará de volta – Escritos sobre racismo e luta política, de Edson Lopes Cardoso

Em 2022, comecei a trabalhar na Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP. Em função dessa posição, fui convidada pela professora Márcia Lima para um evento de apresentação de pesquisas com resultados sobre os efeitos dos dez anos da Lei de Cotas no Brasil (Lei nº 12.711/2012). A apresentação aconteceu no Museu Afro-Brasil, em agosto de 2022, e foi organizada por um consórcio de grupos de pesquisa (Afro-Cebrap, Gemaa e OCS, entre outros). Foi a primeira vez que ouvi Edson Lopes Cardoso falar. Fiquei absolutamente encantada com sua lucidez, com a capacidade de pensar e falar sobre o racismo e sobre a história das lutas políticas para enfrentá-lo no Brasil. Em novembro, ele lançou o livro Nada os trará de volta, que, segundo o texto de divulgação, “reúne 151 textos publicados ao longo de quase quarenta anos, divididos em cinco blocos temáticos: ‘Movimento Negro’, ‘Denúncia do genocídio negro’, ‘Incidência política’, ‘O jornalismo em revista’ e ‘Imaginário’.”

Acho que vou aprender muito. E a ideia de ler textos curtos, que foram escritos em diferentes momentos históricos e que agora, em um esforço editorial, foram organizados em cinco blocos temáticos, me agrada. Provavelmente eu os lerei fora de ordem.

Maquiavelianas – lições da política republicana, de Sérgio Cardoso

Foi no segundo semestre de 2008 que conheci com mais profundidade as tradições liberal e republicana e suas bibliografias. Eu estava fazendo um curso na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), mais especificamente no Departamento de Filosofia, para cumprir os requisitos do mestrado da Faculdade de Direito. O professor responsável pela disciplina Liberalismo e Republicanismo: A Noção de Liberdade Política era o Alberto Ribeiro de Barros.

2008 foi um ano de deslumbramento intelectual. As disciplinas da pós me levaram para áreas e bibliografias que eu não havia navegado antes. Como ainda não tinha que escrever a dissertação, como as aulas eram presenciais e as trocas sobre os textos coletivos, predominava o prazer acadêmico. Foi um ano intenso e gostoso. (Me sentar para escrever sozinha os trabalhos finais das disciplinas envolvia, sim, disciplina e sacrifício, mas a tônica do ano foi de prazer em ler, em pensar, aprender e descobrir.) A disciplina do Alberto de Barros fez parte disso.

Desde então, Maquiavel tornou-se um amor adormecido. Mas como o encontro foi potente, deixou marcas. Por exemplo, a ideia de que as insatisfações e conflitos sociais precisam encontrar canais institucionais para se manifestar, sob pena de insurreição, já ocupou várias vezes minhas reflexões. Ou ainda, talvez mais importante, a liberdade como um valor que foi construído pela vida em sociedade (e não limitado por ela) mas que precisa de ação permanente para ser garantida. O valor da ação política constante e vigilante para a garantia da liberdade. Pensamentos muito diferentes do que usualmente são associados ao Maquiavel de O Príncipe.

Ficou para mim também esta contradição: a ênfase na obra O Príncipe em detrimento de Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, que eu, pessoalmente, achei um livro espetacular.

Foi em um almoço despretensioso com o doutorando Matheus Ichimaru que fiquei sabendo do livro do professor Sérgio Cardoso. Segundo Matheus me contou, Sérgio dialoga diretamente com as questões que me interessaram em Maquiavel. Além disso, Alberto de Barros, Sérgio Cardoso e Newton Bignotto fazem parte desta mesma comunidade epistêmica da FFLCH que me influenciou (sem que eles saibam disso). Fiquei com vontade de ler e voltar a Maquiavel depois de mais de quinze anos. Minha hipótese é que lá em Maquiavel – e na leitura que o Sérgio faz dele neste século 21 – haja elementos importantes para entender os desafios políticos contemporâneos.

Um filme

Para terminar, conto que a inspiração para o título do artigo foi de um filme de que gosto muito chamado Três anúncios para um crime, de Martin McDonagh. Para mim, uma reflexão importante sobre os (nossos) ímpetos punitivistas e a importância do devido processo legal.

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