Em defesa do Part

Por Mauro Bertotti, professor titular do Instituto de Química da USP

 24/10/2019 - Publicado há 5 anos

Mauro Bertotti – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

São formados anualmente no Brasil milhares de doutores, muitos dos quais com experiência no exterior e produção científica de elevado nível. Portanto, a competição por vagas de docência em concursos de ingresso no ensino superior tem sido cada vez mais acirrada. A potencialidade dos candidatos nestes certames é avaliada por uma banca cuja tarefa é aferir a qualidade da produção, experiências anteriores no estabelecimento de redes de colaboração, grau de internacionalização das pesquisas e perspectivas de desenvolvimento de projetos inovadores. A consistência da formação acadêmica dos candidatos e o preparo pedagógico também fazem parte do escopo da avaliação da banca e, em muitos casos, tais componentes assumem papel ainda mais relevante e até mesmo diferenciador.

No contexto acima apresentado, é louvável a ação da Reitoria da USP em lançar o Programa de Atração e Retenção de Talentos (Part). A ideia é propiciar aos pós-doutorandos selecionados a oportunidade de desenvolver competências e habilidades no âmbito do ensino de graduação. A participação de nossos pós-doutorandos em atividades didáticas certamente vai fazê-los refletir sobre o papel do professor em sala de aula e capacitá-los para atuar como docentes. Adicionalmente, como muitas universidades exigem comprovação formal da atuação do candidato em atividades didáticas, a existência de um programa institucionalizado preenche essa lacuna, visto que os participantes manterão vínculo com a USP.

O Part tem recebido algumas críticas da comunidade uspiana, especialmente no que tange à possibilidade de precarização da atividade docente. Trata-se de preocupação bastante pertinente se a direção central da USP tivesse como objetivo a expansão indiscriminada do programa, mas não há indícios de que isso possa acontecer. Cumpre também ressaltar que a participação de pós-graduandos e pós-doutorandos em atividades didáticas é bastante comum em universidades do exterior e a figura do TA (teaching assistant) é plenamente reconhecida.

Às justificadas preocupações com os rumos do Part, seria importante contrastar e destacar os ganhos com a sua implementação, além dos já mencionados e relacionados à capacitação de nossos pós-doutorandos. Um deles consiste na efetiva integração dos pós-doutorandos com a instituição e, a título de exemplo, pode-se citar a tramitação do processo de inscrição no Instituto de Química. A Comissão de Graduação e a Assistência Acadêmica realizaram intensa divulgação do Part para pós-doutorandos e docentes e todos os interessados foram convidados para discutir propostas pedagógicas, grades curriculares e o projeto acadêmico da instituição. Os planos de ensino elaborados com esse apoio supervisionado tornaram-se evidentemente mais consistentes. As propostas também foram analisadas pela Comissão de Pesquisa para aferir o grau de aderência ao projeto institucional. Em resumo, a ação proativa do Instituto de Química foi decisiva para que 29 pós-doutorandos abandonassem momentaneamente suas atividades de pesquisa, refletissem sobre a docência e se inscrevessem no programa.

Outro aspecto vantajoso da implementação do Part consiste no impacto na qualidade do ensino e promoção da pesquisa. A participação de pós-doutorandos na criação de conhecimentos inovadores é decisiva em uma universidade de excelência, pois eles têm ambição, são ousados e possuem qualificação e tempo para desenvolver projetos diferenciados. O envolvimento dos alunos de graduação com a pesquisa gerada nesse ambiente efervescente pode ser transformador, aumentando a possibilidade de eles considerarem a pós-graduação como uma sequência natural após a conclusão da graduação.

O Part é um programa novo e, como tal, espera-se que haja espaço para aperfeiçoamentos com base em críticas construtivas que permitam sua consolidação como um projeto institucional de relevância. Por se tratar de 250 vagas, iniciativas deverão ser tomadas para integrar esses novos docentes de forma adequada, de modo que as disciplinas sejam ministradas com o padrão desejado e a formação dos alunos não seja prejudicada. Além disso, no edital não há informações sobre a avaliação contínua do programa e este é um aspecto fundamental a ser considerado pelo comitê gestor do Part.

Pós-doutorandos participantes do Part certamente serão mais competitivos e terão uma oportunidade ímpar de lidar com atividades de ensino e compreender melhor como funciona a máquina universitária. Integrados ao nosso sistema institucional, eles vão absorver valores que nos são caros, especialmente aqueles associados à produção de trabalhos na fronteira do conhecimento e ao uso de estratégias didáticas modernas e funcionais. A formação de profissionais ainda mais bem qualificados e que consigam disseminar em suas futuras instituições o aprendizado adquirido na USP pode ser um dos grandes legados do Part.

 

 


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