Brasil, um cenário para 2033

Por Hélio Nogueira da Cruz, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP

 22/12/2021 - Publicado há 2 anos
Hélio Nogueira da Cruz - Foto: Ernani Coimbra
Hélio Nogueira da Cruz - Foto: Ernani Coimbra

Para se construir cenários sobre a economia brasileira para os próximos dez anos deve-se considerar a evolução das principais tendências de longo prazo e reconhecer que são inevitáveis os erros e as surpresas no ambiente incerto, complexo e rico em que vivemos. Mas este horizonte é longo o suficiente para observar alguns desdobramentos de tendências em curso.

Do ponto de vista macroeconômico, os próximos anos não deverão apresentar um forte crescimento da economia mundial e o Brasil não deverá ter desempenho superior. O volume de investimento do País é muito baixo, a elevação recente da taxa de inflação e da taxa de juros, os desarranjos da estrutura produtiva local decorrentes da pandemia e da instabilidade política são fatores que impedem um crescimento mais elevado, mesmo dispondo de contas externas relativamente folgadas, mantida a continuidade do superciclo das commodities.

A eleição presidencial de 2022 é o fator mais importante para estabelecer os rumos do País. Os resultados da eleição devem definir os principais caminhos a serem seguidos, podendo acentuar as tendências “liberais” do atual governo, que apresenta forte descaso com a agenda de meio ambiente e a ciência, procura reduzir de forma geral a presença do Estado na economia, especialmente na educação e na saúde, bem como diminuir os gastos nas áreas de ciência e tecnologia. A outra alternativa política que se apresenta viável eleitoralmente no momento, embora haja pouca explicitação de suas ideias e projetos, sua história indica que deve seguir um modelo de economia mais próximo ao bem-estar, deve procurar recuperar os esforços na área do ensino e da pesquisa, contrapondo-se à maioria das propostas apresentadas pelo grupo político que atualmente conduz o País. A busca dos votos dos mais pobres pode significar um apoio aos gastos sociais nas duas vertentes políticas. Entretanto, como as dificuldades da economia deverão permanecer por um bom tempo ainda, os anos “virtuosos” do crescimento e geração de empregos deverão demorar.

Nessas condições, os fatores estruturais, como o baixo crescimento populacional, o envelhecimento da população, a urbanização, a lenta evolução da nossa precária educação, a baixa difusão das novas tecnologias, os reduzidos investimentos em Ciência e Tecnologia e Pesquisa e Desenvolvimento e, dada a manutenção dos atuais padrões de inserção internacional, aponta-se para uma performance geral decepcionante, não muito distinta daquela apresentada nas duas últimas décadas.

Dessa forma, os fatores básicos de crescimento e modernização estarão fortemente associados à mudança tecnológica, especialmente às inovações disruptivas associadas à tecnologia da informação e seus desdobramentos, como a inteligência artificial e a internet das coisas, a biotecnologia, os novos materiais e as novas formas de estocar energia, assim como a difusão dessas tecnologias no aparato produtivo. Provavelmente estaremos longe da estagnação tecnológica, dada a alta rentabilidade dos investimentos nessas áreas e também distantes de grandes surtos de crescimento e modernização do passado. A competição internacional e o avanço dessas tecnologias deverão ser poderosos o suficiente para promover importantes ganhos de produtividade e reestruturações produtivas nos nossos setores industrial, agrícola, financeiro, automobilístico, saúde, educação, comércio, transporte e entretenimento, mas não bastarão para gerar um volume de investimentos que nos afaste do insuficiente desempenho da economia.

O surto da covid-19 é um exemplo claro de que surpresas, mesmo as mais graves, podem ocorrer. Os desafios de encontrar respostas rápidas e efetivas, neste caso, levaram a uma extraordinária mobilização de recursos para enfrentar a crise. O conhecimento científico e tecnológico pôde ser acionado e ocorreram respostas muito significativas, como o desenvolvimento de vacinas, em prazo muito curto. Os conhecimentos acumulados, inclusive no controle social da difusão do vírus, puderam ser articulados em prazos relativamente curtos. Mesmo contando com esses recursos, a pandemia não se esgotou e terá desdobramentos significativos por muitos anos ainda, no Brasil e no mundo. Os impactos dessa crise nas normas sanitárias, nos avanços da digitalização da educação, da saúde, do transporte, do comércio, das finanças, do entretenimento e da cultura já deixaram marcas profundas que ainda não estão completamente definidas. As próprias condições do trabalho, especialmente nas fábricas e escritórios, também sofrerão modificações profundas.

Considerando o conjunto desses elementos, novas tendências positivas poderão ganhar força, como as exigências de maior cuidado com o meio ambiente e maior pressão para que se reduzam as parcelas da população com nível de renda extremamente baixo. Os aspectos sociais relacionados ao fortalecimento da democracia também podem prosperar.

As forças da competição capitalista seguem como as determinantes principais das trajetórias tecnológicas das sociedades e os seus resultados podem ser francamente positivos ou negativos. O controle desses processos por parte da sociedade e das autoridades políticas se impõe. A cautela exige que se preservem os conhecimentos acumulados em todas as áreas. Não há outra alternativa.

+ Mais


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.