A USP e os racismos

Por Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

 09/12/2024 - Publicado há 1 mês
Maria Hermínia Tavares de Almeida – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Estou aposentada há 11 anos, mas nada do que acontece na USP me é alheio.

Soube pelos jornais que a Universidade move processo disciplinar de expulsão de quatro estudantes do curso de Ciências Moleculares. Eles são acusados de “fazer apologia e disseminar ódio e discriminação” durante assembleia do Centro Acadêmico Favo 22. Mais especificamente, pesa sobre eles a acusação de terem feito, em nome do coletivo Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino, manifestação antissemita ao se pronunciarem contra a guerra promovida pelo Estado de Israel em Gaza, em retaliação ao atentado levado adiante pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, em território israelense, e que produziu mortos e tomou reféns.

Não tive acesso aos pronunciamentos, não posso assim julgá-los.

O conflito, que já dura mais de 400 dias, tem despertado paixões intensas ao redor do mundo. Não falta solidariedade genuína com o sofrimento dos palestinos, ontem submetidos à ocupação — sem direito à soberania — e, hoje, à destruição impiedosa de bairros, cidades e milhares de vidas na Faixa de Gaza. Não falta também ambiguidade – que em muitos casos beira o racismo antissemita — em pronunciamentos complacentes com os crimes do Hamas ou que colocam em dúvida o direito do estado de Israel à existência. Não há como interpretar de outra forma a palavra de ordem “Do rio ao mar, a Palestina será livre”. Ou declarações singelas dos que se proclamam “antissionistas, mas nunca, nunca antissemitas!”. Seria justo perguntar, nos dois casos, o que se sugere fazer com os 9,8 milhões de judeus — e árabes — que vivem em Israel, caso a Palestina seja “liberada” do rio ao mar e o Estado de Israel, que é a tradução geopolítica do sionismo, deixe de existir.

É muito possível que o discurso dos que falaram pelo coletivo pró-Palestina refletisse apenas a confusão de ideias que reina nas hostes dos que denunciam corretamente os crimes contra a humanidade cometidos pelo exército israelense contra a população de Gaza, mas tem dificuldade de condenar os atos bárbaros perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses, bem como o sequestro de reféns civis, naquele sangrento 7 de outubro. Eles são muitos no meio universitário e não são só estudantes, há os que falam de cátedra.

Mas, vamos supor que algum dos quatro jovens – ou mesmo todos eles – tenham manifestado opiniões racistas e ofensivas a colegas judeus. Devem ser por isso punidos com expulsão? Neste caso, se não fossem desligados, estaria a Universidade fazendo vista grossa ao antissemitismo, uma forma clássica de racismo?

Acredito que a resposta é não para a primeira pergunta e depende, para a segunda: depende do que se possa fazer de diferente para enfrentar o racismo nos campi uspianos.

O racismo, sob qualquer forma, confronta os valores que alicerçam a vida universitária. Cercear sua manifestação e impedir que ganhe raízes fazem parte da missão civilizadora da universidade pública. Mas ela não estará bem servida se a punição for a principal arma para cumpri-la. A Universidade deve educar, sempre, para se perpetuar como centro de geração de conhecimentos, para formar profissionais de qualidade e para devolver à sociedade cidadãos responsáveis.

Assim, cabe à USP desenvolver instrumentos e mecanismos para lidar com manifestações racistas baseados no diálogo, na dissuasão e na aposta em mudança do comportamento de quem chega à universidade com atitudes discriminatórias em relação a outras pessoas que são diferentes pela religião, cultura, ideias políticas, características físicas ou cor da pele.

A Universidade tem que ser o lugar onde valores e comportamentos civilizados se aprendem com diálogo e pelo convencimento. Para tanto existe competência e muita imaginação institucional em nossos campi. Que tal substituir a comissão processante por um programa inovador de combate aos racismos?
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