A USP como ela é

Luiz Bevilacqua é professor visitante do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

 22/08/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 23/08/2018 as 17:45
Luiz Bevilacqua – Foto: Leonor Calasans/IEA
A universidade pública está começando a aparecer mais frequentemente na mídia e, em geral, com conotação negativa. Um artigo publicado na edição de 11 de julho da revista Veja São Paulo levanta críticas ao desempenho da USP. Infelizmente, jornais e revistas são veículos de informação que não comportam análises detalhadas e, por isso mesmo, os conceitos emitidos deveriam ser muito bem fundamentados para evitar que o leitor seja induzido a tirar falsas conclusões.

A reitoria da USP contestou as críticas em carta ao editor, mas sem entrar nos pormenores da reportagem. Por isso, faço aqui algumas observações mais detalhadas em relação a algumas críticas e esclareço pontos que me parecem malpostos na reportagem.

Primeiro, a questão da avaliação da produção acadêmica, que vem valorizando atualmente mais o volume do que a qualidade. Em algumas universidades brasileiras começa a ser adotado o prêmio-publicação, uma compensação financeira por artigo publicado. A prática tem sido exaltada por alguns comentaristas que se ocupam com o ensino superior. O critério de volume de publicações científicas prevalecendo sobre a qualidade e singularidade do conteúdo é uma tendência mundial que está levando a um sério desgaste da respeitabilidade da ciência. Assim, características comerciais começam a prevalecer na atividade científica.

A edição eletrônica do Le Monde de 20 de julho, em uma série de artigos, denuncia o avanço da “falsa ciência”, que vem sendo divulgada via revistas com duvidosa qualificação editorial. De fato, com algumas centenas de euros não é difícil publicar artigos medíocres e, não raro, com dados falsos, como destaca o Le Monde. O crescimento da comercialização da ciência e da universidade vem preocupando a comunidade universitária – pelo menos certos setores –, que considera o conhecimento como bem comum universal, o qual deve ir além dos interesses pessoais dos autores. Creio que o pagamento por publicação não seja uma prática recomendável.

O crescimento da comercialização da ciência e da universidade vem preocupando a comunidade universitária – pelo menos certos setores –, que considera o conhecimento como bem comum universal, o qual deve ir além dos interesses pessoais dos autores.

Outro ponto comumente levantado é o custo das universidades públicas. Antes de pensar em custos precisamos considerar o papel que a universidade desempenha na sociedade. Educação superior é uma atividade muito séria e crítica para qualquer nação. Perseguir com tenacidade o desvendamento dos mistérios da natureza, buscar a nossa identidade como indivíduos e como participantes da sociedade e da história da civilização, integrar o incomunicável com o comunicável, arte com ciência, são todas ações inerentes à missão da universidade. A incessante atração para descobrir e a responsabilidade de educar as novas gerações para o pleno exercício da cidadania são missões intransferíveis da universidade. Tudo isso é muito difícil. Requer mais paixão do que ambição. Não há preço que possa ser atribuído à universidade porque não tem preço a autonomia de uma nação. Assim, a questão frequentemente levantada sobre pagamento de anuidades nas nossas universidades públicas é supérflua. Outras muito mais importantes estão para serem resolvidas. Não há nação no mundo que valorize a sua independência e descuide da educação superior e não a coloque como atividade prioritária na política de Estado. Essa é a preocupação principal nesse momento no Brasil.

A classificação das universidades nos rankings internacionais é outro ponto que tem sido destacado com frequência. Aceitamos passivamente os resultados, embora não participemos da definição dos critérios e padrões de medida. Na realidade, as comparações não podem ser feitas com justiça sem considerar todas as circunstâncias que cercam as instituições avaliadas. As classificações são feitas sem considerar as condições de trabalho e os recursos disponíveis. Na realidade, a USP tem um excelente desempenho quando se leva em conta o investimento. Para acrescentar um ponto no desempenho acadêmico, conforme definido nos processos de avaliação internacionais, a USP conta com cerca de 60% do que é gasto em uma universidade americana do mesmo porte. Assim, com outros critérios que me parecem mais justos, chegamos a distribuições de classificação bem diversas. A USP, com os recursos de que dispõe, consegue fazer muito mais do que universidades famosas muito bem classificadas com os critérios em vigor.

Finalmente, é importante reconhecer que vivemos um intenso processo de internacionalização. As universidades melhor estabelecidas e com maior tradição preparam-se para se tornarem transnacionais, o que inevitavelmente nos afetará. Devemos estar preparados e considerar que o mais importante nas relações internacionais não é como vemos o parceiro externo, mas descobrir como eles nos veem. Porém, para termos sucesso na competição internacional é necessário, antes de tudo, considerar que a universidade não se fortalece sem o reconhecimento do povo ao qual ela serve. É crucial que a sociedade conheça a USP real. A Universidade de São Paulo tem dado enorme contribuição ao avanço do conhecimento científico e tecnológico, para a arte e cultura e para a solução de vários problemas sociais. Quem tiver curiosidade, deve consultar as páginas dos departamentos e institutos a partir do portal USP (www.usp.br). A responsabilidade desta instituição é imensa. Merece respeito e admiração do povo brasileiro.

 


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