Diplomação da Resistência: a USP reafirma seu compromisso com a democracia, a justiça e os direitos humanos

Por Aluisio Augusto Cotrim Segurado, pró-reitor de Graduação da USP*

 19/12/2023 - Publicado há 4 meses
Aluisio Cotrim Segurado – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A outorga dos diplomas honoríficos de graduação aos estudantes Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, é um momento que se reveste de um caráter particularmente especial por dois aspectos.

Em primeiro lugar, trata-se da primeira outorga de diplomas honoríficos post-mortem desde a aprovação pelo Conselho de Graduação da Universidade, em 19 de maio deste ano, da Resolução 8430, normativa institucional que passa a reger a concessão de homenagem dessa natureza a estudantes de graduação com reconhecido mérito acadêmico que tiveram sua trajetória na Universidade interrompida por falecimento.

Mais significativo, porém, é perceber o significado da outorga de tal distinção a Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, jovens estudantes do curso de Geologia.

De acordo com dados apurados pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República e pela Comissão da Verdade da USP, Alexandre, estudante de destacado desempenho acadêmico, cursava o 4º ano do curso de Geologia. Em 16 de março de 1973, foi preso, na Cidade Universitária, em São Paulo, quando assistia a aulas por agentes da repressão do regime militar autoritário, à época no poder, vindo a falecer na tarde seguinte.

As versões fraudulentas, inicialmente veiculadas acerca de sua causa de morte, a atribuíram a suicídio ou a atropelamento. Porém, posteriormente, foram reiteradamente desmentidas em depoimentos de presos políticos que acompanharam sua passagem pela prisão.

A morte de Alexandre causou enorme comoção na USP entre colegas, professores e professoras, tendo motivado a celebração de missa em sua intenção na Catedral Metropolitana da Sé por Dom Paulo Evaristo Arns, então cardeal arcebispo de São Paulo, na presença de milhares de pessoas.

Somente em 2014, ou seja, 41 anos após sua morte, pôde sua família receber o atestado de óbito retificado, em que sua causa da morte foi reconhecida como decorrente de lesões provocadas por atos de tortura perpetrados nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. Alexandre nomeia o Diretório Central dos Estudantes da USP desde março de 1976, quando de sua reconstituição, em homenagem à sua trajetória e ao seu papel na resistência ao arbítrio.

Ronaldo, por sua vez, após ingresso no curso de Geologia, elegeu-se presidente do Diretório Central dos Estudantes para a gestão 1970-1971. Contudo, seu projeto de vida foi, igualmente prematuramente interrompido.

Em virtude da forte perseguição política por ele vivenciada, abandonou o curso em 1971, sendo impelido a viver na clandestinidade. Sua morte deu-se no dia 6 de abril de 1973, não em decorrência de tiroteio após resistir à prisão, como constava da versão oficial originalmente anunciada, mas sim, como mais tarde esclarecido, por tiros à queima-roupa disparados por agentes da repressão quando estava em um ponto de ônibus na Avenida Angélica, em São Paulo.

A violência, que resultou de forma extrema na perda prematura da vida de dois jovens estudantes da USP, em decorrência de suas convicções políticas e de sua militância no movimento estudantil da nossa Universidade, é inaceitável.

Como bem sabemos, a USP cultiva, desde sua fundação em 1934, valores que aliam a excelência acadêmica ao respeito à diversidade, ao pluralismo de ideias, à democracia e à dignidade das pessoas. Valores que, certamente, moviam Alexandre e Ronaldo em seus projetos de vida pela construção de uma sociedade mais justa.

O dano moral, a violência psicológica e física avassaladora impetrada a Alexandre e Ronaldo, que, em grau extremo, lhes ceifou prematuramente a própria vida, exige reparação em alguma medida, mesmo que simbólica e tardiamente.

O lançamento do projeto Diplomação da Resistência reveste-se desse propósito. Espero este ato de diplomação possa, também, simbolizar, 90 anos após sua fundação, a reafirmação dos valores que cultivamos na USP, de nossa missão social e do compromisso institucional sólido com a democracia, a justiça e os direitos humanos.

*Discurso proferido na cerimônia de outorga de diplomas honoríficos de graduação a Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, no Instituto de Geociências da USP

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