Manipulação da carne de tatu representa riscos para a saúde humana

Roberto Martinez comenta as diversas doenças e infecções associadas a interações com o tatu, um contato que é repleto de riscos para a saúde do ser humano

 06/06/2022 - Publicado há 2 anos
Por
O pulmão do tatu contém muitas partículas, ovos de parasitas, helmintos e pode conter fungos também – Foto: Reprodução/Flickr
Logo da Rádio USP

Apesar da Lei n° 5.197, que prevê uma pena de reclusão de um a três anos em caso de descumprimento, caçar, manipular e consumir carne de tatu são atividades comuns em algumas áreas do Brasil. Essa relação com o animal se dá por diversos fatores, como a escassez de alimentos, cultura regional ou apreciação pela carne. O que boa parte dos brasileiros não sabe é que essas atividades podem ser prejudiciais ao ser humano. Diversas doenças e infecções estão associadas a interações com o tatu, de modo que o contato com o animal é repleto de riscos para a saúde humana.

Roberto Martinez, professor da Divisão de Moléstias Infecciosas do Departamento de Clínica Médica da FMRP – Foto: Cedida pelos pesquisadores

O professor Roberto Martinez, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, examina os perigos atrelados à caça do tatu. Ele conta que o animal faz tocas e sua caça é realizada com o auxílio de cães: “O tatu é acuado para dentro da toca e esse movimento dos cães e do tatu correndo faz uma dispersão das partículas do solo, cria um aerossol, e essas partículas podem ter vários elementos e microrganismos, inclusive fungos. O risco está nisso, a pessoa se aproxima porque ela se ajoelha tentando puxar o tatu da toca e acaba respirando partículas que podem causar doenças”.

Os humanos não são os únicos acometidos por esses fungos. “O pulmão do tatu é muito ‘sujo’. Ele contém muitas partículas, ovos de parasitas, helmintos e pode conter fungos também, de modo que o tatu é uma vítima. O ser humano pode aspirar e ficar doente, dependendo da quantidade de partículas. Os cães, eu não tenho notícia cientificamente relatada como tendo adquirido infecção fúngica, mas eu acredito que é uma possibilidade”, afirma o professor.

Perigos da caça

A principal doença relacionada à caça é a infecção fúngica conhecida como coccidioidomicose. De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, no Brasil, em mais de 90% dos casos, a doença tem sido diagnosticada em indivíduos que realizaram caçadas a tatus e foram expostos à poeira do hábitat desses animais.

Martinez explica como é possível identificar a doença: “Quando ela é sintomática, a pessoa tem sintomas respiratórios que não curam facilmente, pode lembrar até uma gripe, mas eles persistem e a pessoa pode entrar em uma situação de desconforto respiratório e falta de ar. Isso a leva ao médico, ele vai fazer um raio X, vai identificar que tem alterações radiográficas e por meio de testes de cultura de material respiratório ou por testes sorológicos pode detectar a infecção.

A maior parte dos casos de coccidioidomicose se concentra em regiões mais secas, principalmente no Nordeste do País, em Estados como o Piauí e o Ceará. Apesar da concentração regional, o professor indica que todos devem estar atentos: “Outras doenças podem ser transmitidas por essa carne. Além disso, é preciso ter cuidado com qualquer movimentação de solo, não só na caça ao tatu. A gente sugere usar máscara para se proteger contra a aspiração de partículas de fungos”.

Outros riscos

Além de riscos associados à caça, a manipulação da carne do animal também pode ser perigosa. “A carne do tatu pode ser contaminada com outros microrganismos, não só os fungos, porque o tatu pode ficar doente com a coccidioidomicose e com a paracoccidioidomicose — que é um outro fungo -, mas também pode ser infectado por Trypanosoma cruzi, o agente da doença de Chagas, e tem sido relatado o bacilo da lepra — a hanseníase. É claro que, se a pessoa manipula a carne e leva a mão à boca, ao nariz, ela pode estar se autoinoculando com microrganismos”, destaca Martinez.

O indivíduo tenta puxar o tatu da toca e acaba respirando partículas que podem causar doenças – Foto: Reprodução/Pixabay

Já em relação ao consumo, o professor relata que as ameaças são menores: “Se for uma carne bem cozida, como qualquer outra carne, o risco é mínimo ou até inexistente. O perigo seria consumir a carne malpassada, crua. O consumo da carne como um risco grande é de certa forma um mito, desde que a pessoa tenha os cuidados, ela não está tão sujeita a adquirir uma infecção”.

Embora a caça de animais silvestres seja crime ambiental, em algumas regiões do Brasil o consumo da carne de tatu se apresenta como a única opção para a escassez de alimentos. “Ela é praticada como meio de conter a fome no interior do Brasil, é um costume de longa data, as pessoas consomem na falta de outro tipo de carne”, ressalta Martinez.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.