Por que Jango não conseguiu conter a crise?

O golpe de 1964 foi precedido por uma grave crise econômica, que o governo de João Goulart não conseguiu controlar devido às pressões conflitantes vindas de trabalhadores, empresários e organismos internacionais. Essa é a avaliação do historiador Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, e autor de livro sobre o assunto.

 16/11/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 18/10/2019 às 11:33
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O golpe de 1964 foi precedido por uma grave crise econômica, que o governo de João Goulart não conseguiu conter devido às pressões conflitantes vindas de trabalhadores, empresários e organismos internacionais. Essa é a avaliação do historiador Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, que lançou neste ano pela Editora Unesp o livro Empresários, Trabalhadores e Grupos de Interesse – A política econômica nos governos Jânio Quadros e João Goulart, 1961-1964. Buscando entender o fracasso da política econômica brasileira do início dos anos 1960, Loureiro começou a estudar o tema ainda no doutorado. O historiador mergulhou em jornais da época, atas de reuniões de associações empresariais e documentos diplomáticos, além de entrevistar alguns sindicalistas que viveram a época.

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrava altas taxas de crescimento desde o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek. No entanto, o déficit fiscal do início dos anos 1960 crescia principalmente pelo desequilíbrio da balança de pagamentos. De um lado, as importações cresciam mais do que as exportações devido ao processo de industrialização da economia. Do outro, o principal produto exportado pelo Brasil na época – o café – vinha perdendo valor desde a década de 1950. Além disso, a dívida externa tinha perfil de curto prazo e juros muito altos. Quanto à inflação, ela girava em torno de 20% a 25% ao ano, sem que houvesse qualquer mecanismo de indexação para compensar as perdas dos salários e outros rendimentos. Sem indexação, não havia estímulo para poupar, o que derrubou o volume dos depósitos bancários e deixou os bancos com menos condições de oferecer empréstimos para pessoas e empresas que poderiam investir na economia. Uma das principais tentativas de atacar este quadro econômico foi o Plano Trienal, formulado pelo economista Celso Furtado. O objetivo do plano era diminuir a inflação, conter o déficit fiscal e, ao mesmo tempo, manter taxas de crescimento elevadas. “O nome do plano é trienal, a ideia era durar três anos, de 1963 a 1965, mas ele dura seis meses. Em seis meses, ele é claramente letra morta”, diz Loureiro.

Foto oficial do presidente João Goulart. Crédito: Presidência da República
João Goulart foi deposto pelo
golpe civil-militar de 1964.
Crédito: Presidência da República
Segundo o historiador, o fracasso do Plano Trienal foi atribuído por muitos pesquisadores à falta de instrumentos adequados para enfrentar a crise, como a inexistência de um Banco Central, a erros técnicos de formulação ou ao populismo dos presidentes Jânio Quadros e João Goulart. “Todas essas explicações não tocam ou tocam apenas marginalmente nas classes sociais e grupos de interesses”, explica Loureiro, que optou por procurar respostas para o problema fora do âmbito estatal, procurando entender os movimentos da sociedade civil.

Além de verificar um aumento no número de greves motivadas pela disputa salarial no período, Felipe Loureiro descreve o forte lobby por concessão de crédito feito pelos empresários, que tentavam escapar aos limites impostos pelo Plano Trienal. Paralelamente, organismos internacionais, em especial o governo dos Estados Unidos, cobravam do governo brasileiro um forte ajuste na economia. No contexto de forte polarização ideológica da Guerra Fria, o governo norte-americano também via com crescente desconfiança o governo de Goulart devido à relação do presidente com os sindicalistas comunistas. “É como se o Plano Trienal tivesse sido ensanduichado. De um lado, demandas externas por um plano de estabilização super rígido e impraticável e, do outro, pressões sociais profundas e um profundo conflito distributivo na sociedade que acabam impedindo com que o plano durasse”, conclui o autor do livro.

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