Dá para viver bem de agricultura familiar na Amazônia

Além de gerar seis vezes mais renda que o gado por hectare, produção de cacau tende a ocupar menores áreas e conservar mais florestas

 02/09/2019 - Publicado há 5 anos
Moradia de agricultores familiares rodeada por sistema agroflorestal com cacau conectando-se com a floresta conservada na Reserva Legal – Foto: cedida pelo pesquisador

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Qual é o padrão de vida que pequenos agricultores familiares, produtores de cacau e/ou gado, podem alcançar em termos de bem-estar econômico? Essa é a pergunta que Daniel Braga procurou responder em sua tese, realizada no Programa de Pós-Graduação em Recursos Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.

O trabalho concluiu que produtores de cacau em sistemas agroflorestais (SAFs) podem ser tão bem-sucedidos quanto produtores de gado, considerando que o cacau gerou, no mínimo, seis vezes mais renda que o gado (por hectare). Mais que isso: os produtores de cacau também tendem a ocupar menores áreas e conservar mais florestas. “Quando as famílias adotaram cacau e gado na mesma propriedade a chance de sucesso aumentou, consequentemente ao custo de maior desmatamento pela pecuária extensiva. Entendendo a complementaridade econômica entre ambos os sistemas produtivos, a intensificação da pecuária em áreas menores é fundamental”, disse Braga.

A tese foi orientada pelo professor Edson Vidal (Esalq), com supervisão do professor Flávio Gandara (Esalq) e parceria com o professor Benno Pokorny, da Universidade de Freiburg, na Alemanha. A partir da abordagem conhecida como Meios de Vida Sustentáveis, aperfeiçoada pelo Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop/Esalq), foram aplicadas 95 entrevistas ao longo de sete municípios do Pará (Uruará, Medicilândia, Brasil Novo, Anapu, Pacajá, Novo Repartimento e São Félix do Xingu). Com os dados, o pesquisador desenvolveu um indicador de sucesso baseado na renda e moradia familiar.

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Encontro de agricultores para troca de experiências a fim de melhorar a qualidade da produção de cacau no sudeste do Pará – Foto: cedida pelo pesquisador

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Segundo o pesquisador, após quase meio século de ocupação da Transamazônica, ainda há problemas graves de infraestrutura, educação, saneamento básico, criminalidade, disputa pela terra, entre outros. “A preocupação com os problemas decorrentes da pobreza e desmatamento ilegal, diante do mercado do cacau em ascensão mundial, cada vez mais tem chamado atenção para os sistemas agroflorestais com cacau como potencial ferramenta de reabilitação de áreas degradadas/alteradas, capaz de conciliar a produção com a conservação florestal”, comentou.

Daniel sugere que o sistema agroflorestal com cacau, em condições favoráveis de solo, pode ser uma alternativa à pecuária extensiva. Segundo ele, além do cacau, os SAFs diversificam a renda familiar e, no melhor dos casos, podem incluir o uso de plantas nativas, adaptadas à menor fertilidade. “No entanto, para difundir tais sistemas produtivos mais complexos, é necessário reforçar políticas direcionadas às condições e populações locais, com suporte à agricultura familiar. Além disto, é fundamental consolidar mercados atrativos para uma diversa gama de produtos nativos, como castanha-do-brasil, açaí, babaçu, cajá, cupuaçu, bacaba, buriti e muitos outros. Portanto, é urgente estabelecer novas estratégias de desenvolvimento sustentável para a Amazônia”, finalizou o pesquisador.

O estudo recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apoio de campo da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Solidaridad, Casa Familiar Rural de Anapu (CFR), Cooperativa de Produtos Orgânicos do Xingu (Coopoxin), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Medicilândia, bem como a colaboração da Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e da Universidade Federal do Pará/campus de Altamira (UFPA).

Letícia Santin / Assessoria de Comunicação da Esalq


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