A USP na cidade mais negra do Brasil

Por Frei David Santos OFM

Frei David Santos Especialista em Ações Afirmativas, Filósofo e Teólogo

Frei David Santos
Especialista em Ações Afirmativas,
Filósofo e Teólogo

A USP foi fundada em 1934. Neste ano de 2016 completou 82 anos! O grande educador, professor Fernando de Azevedo, se uniu a Júlio de Mesquita Filho para modernizar a educação superior, oferecendo às elites de São Paulo um sólido instrumento para o conhecimento científico.

O professor Fernando de Azevedo (1884 – 1974) foi membro do Conselho Universitário da nascente USP e nele permaneceu por 12 anos. Foi um dos principais intelectuais que definiu “para que e para quem” estava sendo criado o ensino universitário no Estado de São Paulo. Perguntamos: ele e seus pares estavam preocupados com um ensino superior aberto a todos? Inclusivo?

No seu livro lançado em 1943 (e com seis edições) A Cultura Brasileira, à página 80 da quarta edição, encontra-se a resposta: “A admitir-se que continuem negros e índios a desaparecer, tanto nas diluições sucessivas de sangue branco, como pelo progresso constante de seleção biológica e social e desde que não seja estancada a imigração, sobretudo de origem mediterrânea, o homem branco não só terá, no Brasil, o seu maior campo de experiência e de cultura nos trópicos, mas poderá recolher à velha Europa – cidadela de raça branca -, antes que passe a outras mãos, o facho de civilização ocidental a que os brasileiros emprestarão uma luz nova e intensa – a da atmosfera de sua própria civilização”.

Podemos concluir que a USP e o governo do Estado de São Paulo têm uma grande dívida com a população negra e indígena! De fato, uma Universidade cujo fundador se orgulha de ter fora dos seus bancos universitários discentes negros e indígenas realmente só pode sofrer de uma visão excludente, eurocêntrica e doentia não questionada no seu tempo.

Essa visão ainda está presente em pequena (mas poderosa) parte da elite intelectual da USP, e é culpada pelo alto grau de exclusão do povo negro e indígena nessa universidade. Desde o seu nascedouro, e em seus 82 anos, a USP tem sido omissa com relação aos direitos de negros e indígenas.

O Estadão do dia 23 de abril de 2013 traz a seguinte manchete: “Só 7% dos alunos de escola pública entraram na USP”. Ocorre que quase 90% dos que terminam o ensino médio no Estado de São Paulo vêm de escolas públicas, onde está a expressiva população negra! Onde está o compromisso institucional com o todo da sociedade? Por que insistir em ser um espaço só para as elites nos seus principais cursos?

Somos a favor da autonomia da USP, mas jamais a Constituição deu à USP autonomia para excluir insistentemente! Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014, realizada pelo IBGE, numericamente a cidade de São Paulo é a mais negra do Brasil, com quase 3 milhões. Salvador é a terceira, com quase 1,8 milhão de negros(as)! Dar as costas para o povo negro em São Paulo é o mais cruel exemplo de racismo institucional governamental de que temos conhecimento! Negro é tão capaz quanto o branco!

A UnB revelou que o desempenho acadêmico médio dos cotistas negros, formados em 2009, foi de 3,1 (considerando que a nota máxima é de 5 pontos), enquanto o desempenho dos não cotistas foi de 2,9 no mesmo período! A meta de atingir a inclusão de 50% de negros, indígenas e brancos pobres da rede pública, exigida pelo governador Geraldo Alckmin (que deveria ser cumprida até 2016, mas o Conselho Universitário a transferiu para 2018), é o mínimo que esperamos da USP!

O grande professor da mais importante universidade do Mundo, Harvard-EUA, dr. Michael Sandel, em seu livro Justice, evidencia que o bem comum está acima do bem pessoal. Compensar injustiças históricas e erros do passado é a missão número um das universidades eticamente responsáveis.

Uma Universidade cujo fundador se orgulha de ter fora dos seus bancos universitários discentes negros e indígenas realmente só pode sofrer de uma visão excludente, eurocêntrica e doentia não questionada no seu tempo

Ele atesta com autoridade que a escravidão foi uma injustiça do passado e que precisa ser corrigida hoje com inclusão. É responsabilidade dos que hoje estão no poder do Conselho Universitário. Assim agindo, o Conselho está colocando em prática os princípios da justiça distributiva. Conclamamos os membros do Conselho Universitário da USP que evitem esse tipo de violência institucional ao realizarem essa tarefa, com consciência, responsabilidade e competência. A Unesp adotou cotas para negros e está atingindo a meta.

Até aqui, todos os planos de correção das injustiças contra negros e pobres lançados pela USP, usando métodos sem nenhum estudo científico comprovado (pontuação), confirmaram-se como instrumentos ineficazes que vêm gerando muita frustração nos jovens negros e periféricos. Em quase nada mudou a realidade de exclusão da USP. Iremos enviar carta para todos os institutos internacionais que classificam as universidades para que acrescentem como critério de pontuação um índice de inclusão das populações mais prejudicadas do país onde está situada cada universidade.

A Universidade de São Paulo precisa seguir o exemplo de Harvard e incluir no seu Projeto Político-Pedagógico o compromisso da inclusão, da diversidade étnica e de classe social. Assim, esta universidade estará em sintonia com o século 21, século da busca sincera pela igualdade de direitos. O Supremo Tribunal Federal, por meio da ADPF 186, mostra à USP que é este o caminho mais justo e constitucional.