Editoras universitárias, até quando?
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Paulo Franchetti
Livros e Universidades
de Marisa Midori Deaecto e Plinio Martins Filho (orgs.)
São Paulo
Com-Arte
2017
392 pp.
Em 2012, quando a Edusp fez 50 anos, foi realizado um notável simpósio, que reuniu editores de algumas das mais importantes editoras universitárias do mundo. Na ocasião, como dirigisse a da Unicamp, fui convidado a apresentar um depoimento e alguma reflexão sobre o trabalho e as perspectivas da edição acadêmica no Brasil. Nesse evento, pela primeira vez se descortinou para mim uma perspectiva internacional, podendo verificar, nas falas dos convidados, as zonas de convergência e de radical diferença no trato do livro universitário nos vários países ali representados. Os textos foram posteriormente coligidos no volume Livros e Universidades, ao qual voltei há poucos meses com muito proveito, na preparação de uma conferência a fazer no Instituto de Estudos Brasileiros de Coimbra. A diferença é que, desta vez, além de refletir sobre a minha própria experiência, estava empenhado em traçar um panorama da edição universitária no Brasil e, sobretudo, em encontrar uma explicação para o seu extraordinário crescimento em número e qualidade nas décadas de 1990 e 2000.
Nesse processo, voltei à minha singela colaboração ao Livros e Universidades, que agora passava a ser a parte final do novo texto, com várias alterações: cortadas umas tantas páginas, sobre uma questão que já não vem ao caso (os motivos e propósitos da recém-constituída Liga de Editoras Universitárias), outras foram acrescentadas, hierarquizando melhor as questões decisivas que ali se apresentavam. Acresce que essas questões eram dinamizadas pelas reflexões ao longo do texto, que abriam uma perspectiva nada otimista sobre o futuro das editoras universitárias em nosso país.\Assim que terminei o texto, enviei-o a Plinio Martins Filho – com quem tanto aprendi e a quem devo muito do que pude fazer ao longo de 11 anos de trabalho editorial –, para que me dissesse o que achava. Com alegria ouvi dele a resposta decisiva, sobre a pertinência do que ali expunha: “Eu gostaria de publicar”! Vinda de um editor, e desse editor em especial, não há melhor avaliação. Mas o texto já tinha destino. Entretanto, aventou ele a possibilidade de publicar nesta revista a parte final, que era a retomada de questões que tinham surgido em 2012, agora filtradas por seis anos de acontecimentos marcantes na configuração do poder federal e na economia das universidades e, em consequência, de suas editoras.
E é essa parte que aqui se transcreve, com a esperança de que o tom algo elegíaco em que deságua a reflexão não se justifique plenamente ao longo dos próximos anos.
“Editoras universitárias para quê?” A resposta a esta pergunta varia muito conforme o perfil da editora, do ponto de vista da sua vinculação: uma coisa é formular essa questão quando se trata de uma editora vinculada a uma universidade pública, outra, quando pertence a uma universidade privada.
É que para as editoras de universidades privadas a principal questão que o setor público pode formular, assim como o mercado tem formulado, não se apresenta: ou seja, qual o sentido e a propriedade de destinar recursos públicos à atividade editorial no âmbito da universidade? Nesse sentido, embora produza livros para o mercado universitário, uma editora de universidade privada é, no final das contas, uma editora privada, sujeita à discrição e conveniência do proprietário ou da instituição mantenedora.
De mais a mais, quando analisamos o panorama editorial brasileiro, é evidente que a contribuição realmente inovadora em termos de edição e de construção de catálogos de primeira linha se circunscreve ao círculo das editoras vinculadas a universidades públicas – mesmo que, na sua forma de atuação, sejam relativamente independentes da máquina estatal, como é o caso da Editora da Unesp, que é uma fundação pública de direito privado. Isto é, uma fundação que não tem fins lucrativos, que é dirigida por um conselho curador em que o órgão público tem poder decisório e cujo patrimônio, em caso de dissolução, retorna à universidade.
A reação mais simplista é afirmar que uma editora universitária se justifica por ser um canal de difusão da produção da própria universidade. Ora, a pesquisa realizada nos níveis iniciais da carreira acadêmica, quais sejam, a iniciação científica e o mestrado, de modo geral, ou não tem interesse para além da sua realização como etapa formativa, ou pode ser consultada em forma eletrônica. Já a produção posterior ao doutorado, nas áreas de exatas e tecnológicas, sempre se difundiu por meio de periódicos especializados e indexados, preferencialmente em inglês. Apenas nas áreas das humanidades a forma tradicional de divulgação de pesquisa tem sido o livro. Mas justamente nessas áreas não parece difícil encontrar interesse de publicação dos trabalhos de mais impacto por editoras comerciais de primeira linha. Além disso, a pressão para uniformizar a avaliação da produção de pesquisa nas áreas de humanidades com a das áreas das ciências naturais tem sido tão forte, que é cada vez menor o número de livros concebidos desde o início como monografias – com exceção das monografias de fim de curso de mestrado e doutorado, que, por sua vez, são de imediato divulgadas em forma eletrônica.
Restariam, portanto, os livros didáticos produzidos pelo corpo docente da universidade, mas justamente nesse campo é dificílima a competição de trabalhos desenvolvidos localmente com manuais elaborados por equipes de pesquisadores e testados e aperfeiçoados ao longo dos anos. E há um fator que não pode ser desprezado: uma editora universitária raramente consegue, por conta da sua própria forma de produção e distribuição, oferecer aos autores de bons livros didáticos de circulação ampla as mesmas condições concedidas pelas editoras comerciais especializadas.
Por outro lado, é verdade que uma boa parte dos resultados da pesquisa acadêmica que demanda a forma de livro não desperta – ao menos no Brasil – o interesse das editoras de mercado, seja porque se destina apenas a um conjunto relativamente pequeno de especialistas, seja porque o assunto não esteja na moda ou não ocupe um lugar importante nas preocupações do presente. Mas, do ponto de vista da divulgação dos resultados da pesquisa, esse pequeno conjunto de obras não justificaria a constituição e a manutenção de uma editora: muito mais econômico e eficaz, do ponto de vista da difusão, seria, para a universidade, subvencionar de alguma forma a publicação de obras de seus pesquisadores por editoras comerciais ou – o que tem sido uma reivindicação e uma tendência nos últimos anos – disponibilizar gratuitamente à comunidade o fruto do trabalho de pesquisa por ela financiado com salários, instalações, equipamentos e custeio.
Não parece razoável, portanto, criar e manter uma editora tendo como finalidade principal divulgar a produção de pesquisa gerada na própria universidade – mesmo quando essa universidade se distingue pela pesquisa de ponta. Fosse esse o objetivo principal, já essa editora traria uma pesada marca de origem, pois nesse caso a endogenia não é um bom caminho para a qualidade, e ter como objetivo principal abrigar a produção interna tem sido o caminho curto – principalmente nas universidades sem expressiva produção científica e cultural – para o rebaixamento do interesse e da respeitabilidade do catálogo.
Tanto é assim que uma análise rápida do catálogo das mais conceituadas editoras universitárias do país – justamente aquelas cujas universidades se destacam no panorama internacional de pesquisa – permite verificar que, seja qual for a proporção de autores da casa nele representados, uma parte muito significativa dos seus títulos é constituída de livros produzidos por docentes e pesquisadores externos.
Na verdade, uma análise desses catálogos, por mais rápida que seja, permite dividir a produção em dois grandes blocos: livros originalmente escritos em português e livros traduzidos. E esses dois blocos se dividem por sua vez em três outros: livros de referência para a pesquisa nos vários campos do saber, livros que apresentam inovações significativas nas suas áreas de conhecimento e livros destinados à utilização em sala de aula, normalmente agrupados em coleções específicas e temáticas.
E aqui já se delineia uma boa razão para uma grande universidade possuir uma boa editora: sem prejuízo da publicação da pesquisa de qualidade realizada na instituição, as editoras das grandes universidades atuam de forma decisiva na composição de bibliotecas acadêmicas, por meio da publicação seletiva de trabalhos produzidos no país e do investimento na tradução de obras fundamentais para os cursos universitários de graduação e pós-graduação.
É certo que as editoras de mercado também se dedicam ao segmento acadêmico e publicam também esses três tipos de obras, inclusive com mais agilidade de produção e difusão. Mas aqui se delineia um segundo motivo para ter uma editora: o que distingue uma boa editora universitária de uma editora de mercado é que o argumento decisivo para a publicação de uma obra não é o retorno financeiro, mas sim o acadêmico, ou seja, o impacto da obra na consolidação, na expansão ou no aprimoramento de um determinado campo do saber. Assim, entre uma obra de qualidade inferior que promete retorno auspicioso do investimento e uma obra de qualidade superior que, na melhor hipótese, permite prever a recuperação do investimento ao longo de um período largo de tempo, não há dúvida sobre qual a escolha de uma boa editora universitária.
Por não visar ao retorno imediato, uma editora universitária pode contemplar de modo diferente a publicação de obras de um campo do saber já consolidado e de um campo do saber ainda em formação no país, assumindo os custos de fazer livros para leitores potenciais que só existirão a partir do momento em que um conjunto significativo de livros daquela área específica estiver disponível no mercado. Da mesma forma, uma editora acadêmica, apoiada em pareceres especializados, pode optar responsavelmente por investir numa obra ou numa série de obras que só a médio ou longo prazo produzirão resultados, seja do ponto de vista financeiro, seja do ponto de vista científico e cultural. Mais que isso: uma editora acadêmica não foge aos seus objetivos, nem trai os seus princípios (pelo contrário) se constatar que vários de seus títulos não produziram nenhum lucro, embora tenham contribuído para o aprimoramento do saber.
O diferencial da editora universitária se apresenta ainda com clareza quando se considera o seu catálogo de traduções. Um livro traduzido e bem revisado por um especialista implica investimento enorme, como todos sabemos. Primeiro, é preciso fazer um adiantamento ao editor estrangeiro, para obter a licença. Depois, é preciso investir na tradução propriamente dita, bem como na revisão técnica da tradução. Só depois desse investimento alto é que começa a segunda fase de produção, que corresponde à de um livro na língua do país: preparação, revisão, composição e impressão. Entre o pagamento do adiantamento e a comercialização do primeiro exemplar decorre tempo tanto mais longo quanto mais especializada e complexa for a obra a traduzir. Ora, no campo científico, são justamente as obras mais especializadas e mais complexas que dispõem de menor (mas não menos importante) público. De modo que, se as traduções de textos relevantes para o universo acadêmico se fizessem apenas segundo os critérios de mercado, as lacunas bibliográficas seriam maiores do que são hoje no Brasil. Além disso, há que considerar que a relação que se estabelece entre um autor-pesquisador e uma editora universitária é muito diferente da relação entre esse mesmo autor e uma editora de mercado: por não visar ao lucro e ter como objetivo a difusão do conhecimento e a produção de bibliografia, e por contar com um corpo de pareceristas de alto nível, uma editora universitária pode trabalhar a produção de um livro relevante de modo a ressaltar suas qualidades, o que uma edição que visasse ao retorno do investimento dificilmente faria.
Tomemos um exemplo, para não ficar apenas no nível abstrato. Ou melhor, dois exemplos. O primeiro é o livro A Erótica Japonesa na Pintura e na Escritura dos Séculos XVII a XIX, de autoria de Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro, publicado pela Edusp – depois de longo trabalho editorial – em 2017. Acompanhei muito de perto esse trabalho, porque em princípio seria uma coedição com a Editora da Unicamp. O livro é a edição de uma tese de livre-docência defendida em 2011, na própria USP. Como tese, tinha a aparência e organização de um texto do gênero. Mas o material que trazia, a profusão de ilustrações nunca antes impressas no Brasil e provavelmente nunca reunidas em publicação acessível, perderia imensamente com uma edição plana, em tamanho pequeno e papel convencional. E, disponibilizada num site para download, certamente manteria interesse apenas pelo texto e comentários analíticos. Quando a tese foi apresentada à Edusp, Plinio Martins Filho encaminhou-a para parecer de mérito, e o parecerista, entusiasmado embora com o estudo, fez várias sugestões de ajustamento do texto e também de organização do material. E então entrou o trabalho do editor: definidos os dois volumes e a divisão das partes, o que avultou foi a qualidade do trabalho gráfico, com aproveitamento máximo das imagens em alta resolução e uma diagramação que permite que os volumes sejam percorridos ou como álbum de gravuras ou lido, em busca da tradução dos textos japoneses e dos comentários especializados sobre eles e sobre as ilustrações. É claro que um livro desse porte e qualidade, se feito com vistas ao retorno do investimento, seria um problema. Mas aqui se mostra uma das vantagens da editora universitária: a capacidade de investir na qualidade do trabalho, sem a consideração do lucro. E como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo aprovou, dada a qualidade do trabalho, um aporte financeiro na forma de auxílio à editora, foi possível contar, na bibliografia brasileira, com esse livro único.
Outro exemplo é a tradução de Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, publicada em 2014 pela Editora da Universidade Federal do Paraná. A UFPR tem se destacado, no panorama nacional, no que diz respeito à tradução de obras literárias, tendo seus professores recebido seguidamente os mais prestigiosos prêmios na categoria. Nada mais natural, portanto, que a editora dessa universidade abrisse espaço e realizasse os investimentos necessários à publicação de uma obra tão monumental quanto o tratado de Burton, em quatro volumes. E nada mais justo que o autor da tradução, Guilherme Gontijo Torres, reconhecesse o papel de uma boa editora universitária na realização do projeto. Diz ele:
“[...] penso que as editoras universitárias cumprem um papel fundamental para a cultura do livro no Brasil. Elas podem publicar obras que, até segunda ordem, não teriam apelo comercial, porque estão debruçadas sobre autores ainda pouco ou nada conhecidos. Por serem quase sempre tocadas por pesquisadores, as editoras universitárias também compreendem que a pesquisa e a tradução podem tomar muito tempo, se quisermos atingir um determinado nível num autor especificamente difícil. Mais que isso, elas compreendem que a tradução pode estar absolutamente entrelaçada com a pesquisa. Eu mesmo levei mais de três anos traduzindo a Anatomia, o que é um prazo que me permitiu não só traduzir, como pesquisar sobre Burton, entender melhor como o livro foi escrito para traduzir de acordo com esses problemas”.
Temos aí claramente indicado um dos lugares privilegiados de atuação das editoras universitárias e uma das suas principais funções no sistema de ensino e pesquisa do Brasil. E é um lugar que, no final das contas, se define também pelo fato de que essas editoras não apenas são dirigidas por intelectuais e contam com as indicações e controle de qualidade da comunidade dos pesquisadores e professores – que conhecem as lacunas existentes e emitem os pareceres de mérito e sugestões de adequação –, mas também estão dispensadas da urgência de obter resultados de vendas para distribuir dividendos entre sócios ou acionistas.
Por fim, outro ponto de destaque nos catálogos das editoras universitárias de primeira linha são os livros que consubstanciam uma experiência de sucesso no ensino e na formação de estudantes. São os livros para uso em sala de aula, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação. Especial atenção merecem aqueles que, moldados pelas necessidades de faculdades de alto nível e de ponta no desenvolvimento de um campo do saber, não teriam acolhida em editoras de mercado, pois não se aplicariam indistintamente aos demais cursos universitários do país. Constituem eles, assim, não só um investimento na consolidação da experiência acumulada pela instituição, mas também uma forma de permitir a inovação e a prática diferenciada que caracterizam uma boa instituição de ensino superior.
Como deve ter ficado evidente, ao refletir sobre a função e os fins da editora universitária no Brasil, a atenção ficou concentrada naquelas que desenvolvem um trabalho de excelência e relevância acadêmica. É que é nelas que se encontra o que parece ser a única razão convincente, a única justificativa para a manutenção de uma editora numa universidade pública. Ou seja, na sua atuação pautada pela comunidade acadêmica e na sua função cultural e científica é que encontramos a sua razão de ser, aquilo que as distingue das editoras de mercado e justifica sua existência. O que se quer dizer com isso é que as editoras universitárias devem ser vistas como parte do fim maior da universidade, que é a produção do conhecimento e a formação de profissionais para a sociedade.
Portanto, se as universidades públicas no Brasil são gratuitas, se o custo de sua atividade formadora é considerado investimento social para desempenho de atividade-fim do Estado, se os cursos de graduação e pós-graduação, bem como as atividades de extensão comunitária, o atendimento à saúde, os museus, orquestras, rádios, TVs, jornais e outros vários instrumentos de produção, conservação e difusão científica e cultural não se pensam nem se gerenciam tendo em vista a autossustentabilidade, por que essa demanda deve ser apresentada à editora universitária?
Não que a autossustentabilidade seja algo de menor importância ou indesejável. Pelo contrário. Mas o que importa ter em mente é que a expectativa ou a cobrança nesse sentido, ou a avaliação da editora universitária a partir de parâmetros de investimento e retorno do investimento, obscurece a verdadeira relação custo-benefício da atividade.
Nas melhores editoras universitárias brasileiras (em minha avaliação, claro), o objetivo nunca foi o lucro, nem mesmo o custeio da atividade com recursos próprios. Foi, acima de tudo, a manutenção e a elevação do padrão de qualidade acadêmica. Daí que sempre tenham contado com conselhos editoriais, integrados por reconhecidos especialistas, inquestionados nos seus campos de saber, e que se tenham valido de outros especialistas para avaliação ad hoc dos textos apresentados. E nisso se delineou uma característica essencial das boas editoras universitárias: elas se constituíram e foram reconhecidas como lugares de autoridade cultural e científica e de seleção segundo o mérito intelectual.
Por esse conjunto de razões, a editora universitária não precisa nem deve concorrer com o mercado. Como tampouco a universidade compete com a indústria ou a pesquisa nas corporações. Na verdade, assim como a indústria oferece formação específica e dirigida, e a universidade, formação básica e ampla, também as melhores e mais importantes editoras universitárias do Brasil têm sido as que se revelam mais firmemente centradas no oferecimento de produtos diferenciados, importantes não do ponto de vista da quantidade de leitores ou do retorno financeiro, mas da qualidade do público especializado e do investimento consequente em pesquisa básica.
Isso quer dizer que às editoras universitárias de primeira linha se reserva um lugar importante no sistema de trocas baseado no livro. E esse lugar insubstituível é, mais exatamente, não um lugar concorrente com as editoras de mercado, mas o lugar que elas ocupam e que ninguém mais ocupa no mercado editorial. Seu papel, do meu ponto de vista, é formar catálogos especializados, de retorno financeiro baixo ou mesmo nulo, mas de relevante impacto científico e educacional. Em resumo, seu lugar é o da autoridade intelectual. E é por isso que se justificam num mundo de produtos abundantes, de crescimento enorme na oferta de títulos. São como filtros: o que publicam e chega às prateleiras das livrarias vem com a marca da excelência acadêmica da universidade que as mantém e que o seu catálogo confirma.
É ainda relativamente fácil hoje, no Brasil, apesar da crise, pagar com verbas de origem vária a publicação de uma tese ou de uma coletânea de artigos numa editora qualquer. E algumas editoras de fato se especializaram em recolher essas verbas, publicando livros que não circulam e não passaram ou não passariam pelo crivo de especialistas. Mas numa editora como as que referi, o fato de o autor possuir recursos para publicar um livro não quer dizer nada: o decisivo é a avaliação criteriosa pelos pares. E o diferencial é a capacidade propriamente editorial de investir na obra os recursos que ela exige para sua melhor realização científica e estética.
Assim entendido o papel da editora universitária, a pergunta “editoras universitárias para quê?” tende a ser subsumida na pergunta “universidades públicas para quê?”. E enquanto for possível responder a esta última indagação, será possível encontrar, no bojo da resposta, um reflexo de luz para a primeira.
O preocupante, na maré obscurantista que vem recobrindo a política, a economia e a sociedade brasileira – sacudida por violentos surtos de ódio à intelectualidade e aos serviços do Estado – é que justamente a última pergunta tem sido formulada de modo cada vez mais agressivo e insistente, a partir de pontos de vista com variados graus de barbárie e insensatez. E mais preocupante ainda é o fato de que a parte aparentemente mais frágil da estrutura, e que por isso recebe mais imediatamente os ataques, são as humanidades. Se essas forças ganharem corpo, e se também ganharem peso ainda mais decisivo as formas de avaliação da produção acadêmica importadas das ciências da natureza, então é possível que daqui a poucos anos o período áureo das editoras universitárias brasileiras seja apenas história. Mas será sempre uma bela história, que merece ser recontada. E contada entre as boas coisas que a inteligência nacional foi capaz de produzir.
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PAULO FRANCHETTI é professor titular do Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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