Conhece alguma pessoa com pressão alta? Pode ser que ela use um remédio criado a partir de uma substância descoberta na USP. E pode ser que ela tenha ido ao médico com um aplicativo de transporte criado por nossos estudantes e tenha sido atendido gratuitamente em um dos hospitais da Universidade. E também pode ser que depois da consulta esta mesma pessoa decida levar o filho em um museu de ciências, para aprender mais sobre um assunto que vai cair no vestibular.
Essa curta história já desmente vários dos mitos envolvendo não só a USP, mas a universidade pública brasileira como um todo. Reunimos dez deles e explicamos se eles fazem mesmo algum sentido.
As universidades públicas brasileiras são frequentemente rotuladas de “torres de marfim” e acusadas de viver “de costas” para a sociedade. Não é verdade. As universidades públicas prestam uma série de serviços importantes à sociedade, por meio de hospitais, museus, orquestras, teatros e outras atividades diversas de “extensão” — como são chamados esses serviços de atendimento à população.
Só a USP tem 4 museus e 15 coleções,
que recebem quase
meio milhão de visitantes por ano,
e cinco hospitais públicos,
entre eles o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina,
que em 2018 realizou quase
1,5 milhão de atendimentos
e 50 mil cirurgias.
A Universidade também oferece centenas de
cursos gratuitos
e disponibiliza 5 mil vagas para pessoas acima de 60 anos estudarem de graça na universidade.
A extensão é uma obrigação constitucional das universidades. Como em qualquer serviço público, é claro que sempre é possível fazer mais e melhor; mas dizer que não se faz nada é uma falácia.
Errado. Nos países ricos, a maior parte do dinheiro que financia a ciência na universidade é público e isso vale até mesmo para as universidades que cobram mensalidades.
No caso dos
Estados Unidos, 60%
do dinheiro para a pesquisa vêm dessa fonte;
na Europa, 77%
Em maio deste ano, por exemplo, a Alemanha anunciou que governo federal e os estados investirão 160 bilhões de euros no ensino superior e na pesquisa científica entre os anos de 2021 e 2030.
Em seu doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Danilo de Melo Costa fez um estudo comparativo entre Brasil, Canadá e China sobre o financiamento público da educação superior.
De acordo com o pesquisador, no
Canadá, o dinheiro público representa
de 55% a 60%
do financiamento das universidades e
na China, de 40% a 45%.
Outra razão para os investimentos públicos na ciência é o
incentivo à pesquisa básica
– esse tipo de estudo busca desenvolver o conhecimento científico sobre os fenômenos do Universo e
não tem o lucro nem a aplicação
prática como objetivo
pelo menos a curto prazo.
Pesquisa assim não é de interesse das instituições privadas, ainda que possam levar, no futuro, a grandes avanços tecnológicos e descobertas de alto impacto.
As universidades públicas não colaboram com a indústria, não ajudam o setor produtivo, são contra a iniciativa privada, etc e tal. Você já deve ter ouvido alguma frase dessas por aí.
É uma generalização injusta.
O que vem ocorrendo, na verdade, é um aumento das colaborações entre universidades públicas e
empresas privadas, apesar dos muitos entraves burocráticos
e culturais que dificultam essa interação.
A Escola Politécnica da USP, por exemplo, abriga uma
parceria de R$ 200 milhões
com a Fapesp e a Shell, para pesquisas inovadoras no setor de gás.
Não por acaso, o núcleo de pesquisas tecnológicas da Petrobras também fica dentro de um campus universitário, da UFRJ, com a qual a empresa colabora intensamente desde a década de 1970.
O Centro de Química Medicinal da Unicamp trabalha com três empresas farmacêuticas e de biotecnologia na busca de novos medicamentos; enquanto que o Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia USP/Ipen (Cietec) tem
mais de 100 empresas incubadas e
150 graduadas no currículo.
São apenas alguns exemplos emblemáticos, entre muitos que existem por aí.
Em 2019, a USP regulamentou o compartilhamento e a permissão de uso de seus equipamentos, infraestrutura, materiais e instalações em ações voltadas a desenvolvimento e inovação tecnológica.
Outra iniciativa criada para estreitar as relações da Universidade com empresas e demais instituições científicas é o Sistema USP de Centrais Multiusuários, plataforma para cadastro de equipamentos e laboratórios que podem ser utilizados de forma compartilhada pela comunidade científica da USP e de outras instituições.
A USP criou até mesmo um guia para ajudar na realização de parcerias com empresas.
Depende. Em relação a quê?
O orçamento da USP é de
R$ 5 bilhões e meio.
É errado pegar esse valor e simplesmente dividir por seus 90 mil alunos de graduação
e pós-graduação.
Realmente, as universidades públicas custam mais do que as privadas. Mas há uma razão muito óbvia e positiva para isso, que muita gente esquece de levar em conta na hora da comparação: a pesquisa científica!
E quando se fala que o governo federal gasta mais com educação superior do que com o ensino básico, é preciso lembrar que, segundo a Constituição brasileira: os municípios devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e os estados, no ensino fundamental e médio.
Nas universidades, os professores também são pesquisadores. E além de lecionar e desenvolver seus estudos, eles têm ainda o papel de formar novos cientistas, orientando trabalhos de mestrado e doutorado, ou seja, alimentando a pós-graduação – e como se vê, a responsabilidade por estes programas é majoritariamente de instituições públicas.
O custo operacional das universidades públicas é maior porque elas se dedicam fortemente à pós-graduação (cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado) e à ciência — atividades que exigem uma
complexidade muito maior de recursos humanos e infraestrutura física,
incluindo hospitais e museus, enquanto que as universidades privadas são basicamente escolas de graduação – no Brasil, 82% dos alunos estão na rede privada, segundo o Censo da Educação Superior do Inep.
Tem um mito rolando por aí que as universidades públicas do Brasil “só tem aluno rico”. Mas veja:
de cada 3 alunos das universidades federais,
2 vêm de escolas públicas;
e a renda média das famílias de onde eles vêm é de
um salário mínimo e meio.
Na USP, por exemplo, até 2021,
metade das suas vagas serão reservadas só para alunos de escola pública.
Ok. Mas e como esses alunos conseguem se manter?
As universidades reservam parte de seu orçamento para isso. O dinheiro banca bolsas e auxílios de moradia, alimentação e transporte, assistência em saúde e creches. São formas de ajudar os alunos com dificuldades financeiras a continuar se dedicando à faculdade.
Andam dizendo por aí que a universidade pública brasileira não faz pesquisa. Muito pelo contrário! As universidades públicas, federais e estaduais são as grandes produtoras de ciência e tecnologia no Brasil.
Num ranking das 50 instituições brasileiras
que mais produziram trabalhos científicos
nos últimos cinco anos,
43 são universidades públicas,
e apenas uma é universidade privada.
As top 10 da lista são todas públicas, e apenas uma não é universidade: a Embrapa. Há também universidades privadas que produzem pesquisa científica de qualidade, mas são poucas.
No fim das contas, mais de
90% da produção científica nacional
vem das universidades públicas,
feita por professores e alunos de pós-graduação.
Só a USP, por exemplo, tem cerca de
2 mil pesquisadores
bolsistas de produtividade do CNPq, ou seja que se destacam entre seus pares, além de
30 mil pós-graduandos
A USP é responsável por 20% de todos os trabalhos produzidos no País.
Ou seja: sem as universidades públicas, praticamente não existiria ciência no Brasil.
Você provavelmente já ouviu falar que as pesquisas feitas nas universidade brasileiras “não servem pra nada”. Não é verdade. A cobrança por resultados é justa, mas a resposta é mais complexa do que parece.
A pesquisa universitária gera, sim, resultados práticos de grande relevância econômica e social, contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento de novas tecnologias e para a formação de recursos humanos qualificados. O agronegócio, a produção de petróleo e bioetanol, a indústria química, a saúde pública e a medicina — todos os setores se beneficiam da pesquisa acadêmica, por meio de contribuições diversas, que não podem ser resumidas a um único produto.
Oito das dez instituições que
mais depositam patentes
no Brasil
são universidades públicas, federais e estaduais
10 dos 16 fundadores de empresas “unicórnios” do Brasil foram formados na USP
Cada uma dessas empresas vale mais de US$ 1 bilhão
e só a Unicamp tem
603 empresas-filhas
em atividade,
faturando mais de R$ 4,8 bilhões por ano
Na verdade não.
Com as notícias sobre a falta de dinheiro nas universidades públicas, muita gente começou a se perguntar se elas deveriam mesmo ser gratuitas.
Na USP, um levantamento concluiu que as
mensalidades não cobririam
nem 8% do orçamento
(lembrando que a renda familiar bruta de
45% dos calouros é de até cinco salários mínimos)
E mesmo que todos os quase 90 mil alunos de graduação e pós da USP pudessem pagar mil reais por mês, isso daria cerca de 90 milhões de reais. É muito dinheiro, mas…
sabe quanto custa manter a USP?
Professores, técnicos de laboratório, equipamentos, bolsas, infraestrutura de hospitais e museus, conta de luz e telefone, restaurantes, biotérios, despesas com transporte, segurança e limpeza, material bibliográfico… tudo isso custa quase
500 milhões de reais por mês!
Orçamento da USP em 2019
R$ 5,7 bilhões
O custo não pode ser dividido pelo número de alunos, porque além do ensino, a Universidade precisa
investir em pesquisa e extensão
O dinheiro financia não só a formação de pessoas, mas toda a estrutura necessária para fazer pesquisa e levar esse conhecimento para a sociedade. E é por isso que a receita da USP e de todas as universidades públicas no Brasil vêm de parte dos impostos pagos pela população.
O MIT, nos Estados Unidos, cobra de seus alunos o equivalente a mais ou menos 100 mil reais por ano. Mesmo assim, as mensalidades representam
só 10% de sua receita.
Isso não é real.
Com a Lei de Cotas, as universidades federais passaram a reservar metade de suas vagas para alunos que vieram do ensino médio público. Isso foi em 2012, mas anos antes algumas instituições já estavam colocando em prática as ações afirmativas.
Desde então muita gente já se formou e
o que os dados mostram é que há
pouca diferença no desempenho
de quem entrou por cotas e os demais.
É o que mostram estudos do Insper, da Universidade do Texas, Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
entre outros.
As universidades estaduais não entram na Lei de Cotas, mas muitas vêm criando políticas de inclusão.
A USP, por exemplo, estabeleceu um
sistema de reserva de vagas
que está impulsionando o aumento da diversidade social e racial entre os estudantes, um aspecto muito valorizado por universidades de elite como Harvard e Yale
Em 2019, com as políticas de vagas tanto no Sisu como na Fuvest, a USP atingiu o percentual de 40% alunos matriculados oriundos de escolas públicas – e a qualidade do ensino continua referência no País.
Em 2017, quando a reserva de vagas na USP ocorria apenas pelo Sisu, foi feito um levantamento mostrando que
a média das notas de ingressantes não tinha diferença significativa em relação aos que tinham entrado pela Fuvest.
Vimos que a inclusão de qualquer modalidade de cota não tem impactos significativos na nota média dos aprovados pela simulação. Essa ausência de impacto significativo ocorre porque há alunos elegíveis para as modalidades de cotas (ou seja, pobres, negros e de escola pública) com boas notas e em número suficiente para que não haja redução da nota média.
Fonte: As Cotas nas Universidades Públicas Selecionados? Simulações com dados do ENEM – Insper
A universidade pública é um lugar de esquerda? Sim.
A universidade pública é um lugar de direita? Sim também!
É que uma de suas principais missões é ser um lugar
com pluralidade de ideias e isso é garantido pelo
princípio da autonomia universitária,
que está até na Constituição brasileira.
Art. 207 da Constituição Federal
As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
É ela que garante a independência das universidades dos governos nas quais elas estão inseridas. Ou seja, o conhecimento que elas produzem não vai ser prejudicado ou sofrer interferências das diferentes autoridades que se alternam no poder. Imagine se um único governo, poder religioso ou organização privada ditasse o que as universidades públicas devem ou não pesquisar?
E se você ainda duvida da multiplicidade de ideias na Universidade, veja o exemplo da USP. Passaram por aqui como alunos ou professores todos estes políticos: