Na infância, é desejo de todos os pais que os filhos tenham acesso a uma boa alimentação. E embora a maioria dos responsáveis tenha noção do que significa introduzir uma alimentação saudável em casa, é papel da ciência dos alimentos investigar e esclarecer os mistérios que cercam a comida que vai para as nossas mesas diariamente.
Em uma rua tranquila da Cidade Universitária, no campus da USP em São Paulo, fica a sede do Centro de Pesquisa em Alimentos, também conhecido pelo nome em inglês, Food Research Center, o FoRC. Ocupando um espaço de dois andares em um prédio com laboratórios bem equipados, o centro tem como objetivo principal fazer ciência para uma vida saudável.
Para a professora Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, o local é a culminação de um sonho de 30 anos, que reúne pesquisadores de diversas áreas e unidades da Universidade.
Parte de um projeto financiado pela Fapesp, o FoRC atua como um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid). Sua criação foi uma iniciativa de pesquisadores da USP que se tornaram pioneiros na criação do primeiro centro de pesquisa focado em alimentos e nutrição no Brasil.
“O FoRC começou em 2013 e foi criado com base em um núcleo conhecido como Napan (Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição)”, conta Bernadette. Em cima da estrutura do Napan, o novo grupo começou a ganhar forma, adicionando ao seu corpo de pesquisadores, profissionais de outras universidades, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Além deles, o centro hoje conta com especialistas do Instituto Mauá de Tecnologia.
“Temos por volta de 27 pesquisadores trabalhando, sendo sete pesquisadores principais e os demais como associados”, enumera a professora.
O grupo de profissionais inclui bioquímicos, farmacêuticos, engenheiros, especialistas em saúde pública e nutrição. “A ciência dos alimentos e a nutrição são áreas multidisciplinares. Ou seja, existem vários aspectos relacionados aos alimentos que podem ser pesquisados e a gente queria unir essas diferentes pessoas para trabalharem juntas”, explica ela.
Dentre os objetivos do FoRC estão as interações entre essas diferentes comunidades, tanto a acadêmica, quanto a de profissionais, governo, terceiro setor, todos permeando uma relação com a sociedade em geral. A ideia é divulgar o conhecimento gerado pelo grupo para servir ao público e também transferir a tecnologia ali desenvolvida para garantir futuros investimentos.
A abordagem dos pesquisadores do FoRC partiu de uma divisão estratégica de focos de estudo, o que a professora Bernadette chama de “pilares”. Ao todo, são quatro grandes áreas de concentração. “O primeiro é chamado de ‘Sistemas Biológicos em Alimentos’, que envolve a bioquímica do alimento, sua composição química”, esclarece ela. O objetivo desse campo é propor avanços científicos relacionados, em especial, com a qualidade dos alimentos. Ou seja, melhorar a produção agrícola e a produção industrial.
Os projetos de pesquisa desse pilar envolvem a caracterização de alimentos brasileiros que o grupo classificou como “comercialmente relevantes”. O que significa estudar seus macronutrientes (os carboidratos, as proteínas e lipídeos), micronutrientes (os minerais e as vitaminas) até seus aspectos sensoriais (cor, textura e sabor) e seus potenciais benefícios ou malefícios à saúde.
“O segundo é chamado ‘Alimentos, Nutrição e Saúde’ e é voltado mais para os impactos do alimento na saúde humana, algo que vai além do sentido popular da nutrição, o de montar dietas”, exemplifica. Esse campo busca conhecer o potencial dos alimentos para promover a saúde e reduzir o risco de doenças.
Já o terceiro pilar, “Qualidade e Segurança dos Alimentos”, tem como objetivo fazer pesquisas sobre como aumentar o grau de segurança dos alimentos diante de riscos de contaminação. “O que define a qualidade de um alimento? O que ele precisa ter ou não ter para ser considerado seguro? A gente foca nessas perguntas e explora respostas”, esclarece Bernadette.
O último pilar envolve novas tecnologias e inovação. Nessa área, as pesquisas buscam desenvolver alimentos funcionais e processos inovadores de conservação, o que inclui também a criação de embalagens ecoeficientes. Um dos atuais estudos do FoRC está em busca de novos materiais para embalagens, baseados em biopolímeros de fontes renováveis.
Embora o centro tenha quatro diferentes focos, a professora esclarece que “os grupos trabalham juntos, explorando como seus resultados se inter-relacionam”.
“Eu costumo dizer que os 7 bilhões de pessoas do mundo são cientistas de alimentos, já que todo mundo come. Mas a nossa tarefa aqui é comunicar para a sociedade os nossos achados com base científica”, sumariza a professora.
Além de promover e realizar pesquisas básicas da ciência dos alimentos, o grupo tem como missão educar comunidades diversas com relação à nutrição e saúde. “Temos um trabalho de comunicação muito forte conhecido como ‘Alimentos Sem Mitos’”, conta ela.
Na internet, o site Alimentos Sem Mitos tem a meta de compartilhar informações qualificadas à sociedade, em uma linguagem acessível para todos. “Não precisa ser doutor para ler as reportagens, matérias e notas que discutem desde algumas dúvidas básicas sobre alimentos e nutrição até os últimos avanços científicos nessas áreas”, reforça a docente.
No entanto, para atingir a meta de fazer pesquisas pioneiras, propor soluções e manter um diálogo aberto com o grande público, os pesquisadores do FoRC precisam de recursos. “O nosso problema maior é fazer as parcerias com o setor produtivo”, revela a professora.
De acordo com Bernadette, a indústria de alimentos no Brasil ainda é “pouco tecnológica” e está menos interessada em fazer pesquisa. Eles, que poderiam ser alguns dos maiores investidores de iniciativas como o FoRC, ainda estão distantes de se tornarem parceiros. Mas, basta olhar para os países desenvolvidos, para compreender que parcerias como essa são o futuro da indústria. “Nos Estados Unidos e na Europa existem vários centros parecidos com o nosso, todos apoiados pela iniciativa privada”, cita ela.
Para a professora, acordos entre universidade, governo e indústria são a chave para garantir avanços na produção mundial de alimentos. “E tem espaço para todo mundo, mas você precisa envolver a indústria para manter essa pesquisa acontecendo”, completa ela, ao ressaltar que a busca por esse grau de reconhecimento “é um desafio diário”.
Mais informações: site http://www.usp.br/forc ou e-mail forc@usp.br
Reportagem: Denis Pacheco
Arte: Thais H. Santos