Apesar de muitas conquistas científicas terem sido resultado de esforços individuais, alguns dos mais importantes avanços dependem de considerável trabalho coletivo. É seguindo esse preceito que, nos anos 1970, os biólogos Paulien Hogeweg e Ben Hesper cunharam o termo bioinformática, uma nova área da ciência que integrava matemática, tecnologia computacional e biologia molecular.
No Instituto de Química (IQ) da USP, em São Paulo, o Laboratório de Bioinformática comandado pelo professor João Carlos Setubal segue à risca esse princípio. Criado em 2011, o grupo já se envolveu em projetos que podem mudar o mundo propondo, por exemplo, alternativas revolucionárias ao uso de antibióticos, além de realizar estudos que pretendem compreender o microbioma de fora do planeta, na Estação Espacial Internacional.
Contratado pela USP há oito anos, o professor Setubal veio ao Departamento de Bioquímica com um plano: a implantação de um laboratório de bioinformática. Formado em ciências da computação, o docente trabalhava no Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos.
“A bioinformática tem um significado bastante amplo”, pontua o professor, ao destrinchar o termo como uma ciência que utiliza técnicas metodológicas da informática, ou mais genericamente, das ciências exatas, para solucionar problemas da biologia.
“Com essa definição se pressupõe que as tecnologias usadas são sofisticadas”, argumenta ele ao acrescentar que, nesse contexto, “o uso [dessas tecnologias] não é trivial, pois requer interpretação de resultados, análise e compreensão de como a metodologia funciona.”
Da época em que chegou e foi alocado no IQ, o pesquisador não hesita ao contar que o laboratório ganhou um apelido: “O nome informal é Setulab”, uma aglutinação adotada pelo grupo de estudantes, pós-graduandos e pesquisadores das diversas unidades da USP e de fora que realizam seu trabalho no laboratório.
Desde que surgiu, a bioinformática esteve sempre associada com a biologia molecular, campo da biologia focado no estudo da estrutura e função do material genético e seus produtos de expressão, as proteínas. Neste contexto, se destaca um subcampo chamado genômica, um ramo da bioquímica que estuda o genoma completo de um organismo.
Aliado historicamente com a bioinformática, o estudo da genômica, ou seja, das moléculas de DNA que existem dentro de uma célula, é um dos principais focos do laboratório.
Conforme explica o professor, a informação genética é armazenada nas células de uma forma muito parecida com a que nós armazenamos informação digital em computadores e, por isso, pessoas formadas em computação têm facilidade para entender. “É um casamento feliz entre as áreas”, afirma ele.
A equipe por trás da manutenção do laboratório é variada, incluindo, além do professor e pesquisadores, um técnico que cuida do chamado parque computacional, coração da iniciativa.
“A bioinformática depende de recursos computacionais. A genômica e as derivadas da genômica são áreas de investigação alicerçadas numa geração de dados de grande volume e esse volume de dados tem aumentado exponencialmente ao longo dos anos”, contextualiza.
De acordo com ele, as tecnologias de sequenciamento de DNA, criadas há, aproximadamente, 20 anos, estão passado por uma evolução vertiginosa. “As diferenças principais são na velocidade de gerar dados e no preço, a velocidade aumentou e o preço diminuiu”, sintetiza ele.
No início dos anos 2000, “para se sequenciar o genoma de uma bactéria o custo era de 1 dólar por base, por isso 5 milhões de dólares para 5 milhões de bases. Hoje em dia, esse mesmo sequenciamento custa 100 dólares para ser sequenciado”, exemplifica.
O volume de dados para se fazer essa operação, no entanto, continua gigantesco. A capacidade do parque computacional do Setulab, explica o professor, precisa ser equivalente. “Uma analogia que podemos fazer é com um livro. Um livro comum de 200 até 300 páginas digitalizado ocuparia 1 megabyte. No nosso laboratório, temos um espaço de armazenamento de 100 terabytes, seriam 100 milhões de livros”, exemplifica.
Além disso, é necessário haver capacidade de processamento para que se interprete os dados, o que exige programas especializados e acordos com locações internacionais que armazenam bases de dados genômicos do mundo inteiro.
Nos últimos anos, uma das principais atividades do laboratório foi um projeto temático chamado Metazoo, uma iniciativa que fez uma investigação detalhada de ambientes do Zoológico de São Paulo, em especial, da matéria orgânica gerada pelos animais ali abrigados.
Desde 2004, o Zoológico trabalha com um complexo sistema de compostagem que gera adubo para diversas utilidades. A compostagem, detalha o professor, é um processo de degradação de matéria orgânica degradada por micro-organismos. “O que se sabia sobre compostagem era baseado em experimentos de pequena escala, por isso surgiu a ideia de que poderíamos usar técnicas modernas de biologia molecular e genômica para entender esses micro-organismos”, revela ele.
As complicações para se extrair DNA de organismos que vivem na amostra de compostagem são diversas, por isso, a bioinformática entra em ação para que um “gigantesco quebra-cabeça seja resolvido”, ilustra Setubal.
Encerrado em 31 de julho do ano passado, o projeto, que foi financiado pela Fapesp desde 2012, passou posteriormente por uma fase de análise de dados. A coordenação ficou a cargo da professora Aline Maria da Silva, do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular de Micro-Organismos do IQ.
Outra pesquisa de destaque, publicada pela equipe do laboratório, envolveu a criação de um programa capaz de detectar os genomas de bacteriófagos em amostras ambientais.
Os bacteriófagos são um tipo de vírus que infecta apenas bactérias. “Quando você faz uma amostra ambiental, vírus e bacteriófagos estão em toda parte”, pontua ele ao relatar que o objetivo do software era prioritariamente pegar esses dados e localizar neles apenas os genomas dos bacteriófagos.
“Mas por que alguém estaria interessado em estudar vírus que atacam apenas bactérias?”, Setubal se autoquestiona ao explicar que, além da curiosidade natural dos cientistas em desvendar mistérios, o estudo dos bacteriófagos cresceu em importância porque, hipoteticamente, com eles seria possível combater doenças infecciosas causadas por bactérias sem o uso de antibióticos.
“Se uma doença bacteriana é causada por um bactéria específica, por exemplo, o Staphylococcus, é possível descobrir um bacteriófago que seja específico do Staphylococcus que vai apenas matá-lo, deixando outras bactérias saudáveis”, destrincha o docente, e deixa claro que as generalizações ainda são muitas, já que existem inúmeras complexidades no campo e as pesquisas ainda precisam ser ampliadas.
Trabalhando com bioinformática há pouco mais de 25 anos, Setubal confessa que não estaria em sua posição atual sem a colaboração de pesquisadores de outras áreas. “Eu construí minha carreira em cima de colaborações de colegas que trabalham com biologia molecular, que precisam de bioinformática para processar os dados que geram, por isso 90% do trabalho aqui é colaborativo”, reforça.
Além de citar professores do próprio IQ, Setubal destaca os trabalhos em parceria com docentes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto Butantan. Para realizar todos esses estudos, o professor destaca que a injeção de recursos no laboratório é fundamental.
“Não vamos conseguir expandir se não tivermos recursos e já estamos começando a sentir a queda de novos investimentos, eles são componentes essenciais”, finaliza.
Mais informações: e-mail setubal@iq.usp.br, com o professor João Carlos Setubal
Coordenação: Prof. João Carlos Setubal
Localização: Instituto de Química da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Lineu Prestes 748 – Butantã – São Paulo/SP – 05508-000
Contato: setubal@iq.usp.br
Site: www.lbi.usp.br
Reportagem: Denis Pacheco
Arte: Thais H. Santos