Revista USP – Número 132 – janeiro/fevereiro/março 2022

Editora: SCS/USP
Idioma: Português 
Confira abaixo os artigos deste número e dos anteriores.

A Revista USP também oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo no Portal de Revistas da USP, seguindo o princípio de proporcionar maior democratização mundial do conhecimento

bicentenário da independência:

economia

A Revista USP nasceu sob o signo de uma efeméride. Seu primeiro número, em 1989, estampava um dossiê sobre o bicentenário da Revolução Francesa, essa mesma revolução cujo ânimo republicano, com exceção do Brasil, inspirou as inúmeras independências da América Latina, mas que de certo modo também esteve na base dos movimentos e revoluções que antecederam a Independência brasileira. Desse modo, e ainda que no Brasil não houvesse, em 1822, conforme nos diz o historiador Evaldo Cabral de Mello, um sentimento de nacionalidade, mas antes um “ressentimento antilusitano”, é a partir dessa data que o Brasil cria condições de se tornar aquilo que foi se tornando ao longo desses 200 anos.

Daí a importância de aproveitar o Bicentenário da Independência não apenas para comemorar uma data e um episódio longínquos na história do país, mas principalmente para refletir, sob vários aspectos, de que modo chegamos até aqui. É justamente isso o que a Revista USP pretende com a série de quatro números dedicada a percorrer os caminhos (e descaminhos) da nossa emancipação política, suas motivações e circunstâncias históricas, bem como suas posteriores implicações, isso tudo a partir de quatro eixos temáticos, começando pelo econômico.

“Bicentenário da Independência: Economia”, o primeiro da tetralogia, foi organizado pelos professores Hélio Nogueira da Cruz, Flávio Azevedo Marques Saes e Guilherme Grandi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. A precisão com que apresentam o dossiê, ou por vezes a contundência, ao apontarem, por exemplo, certos “laços históricos profundos” que ainda hoje nos aproximam do período da Independência, tais como “a péssima distribuição de renda, o racismo, o patriarcalismo, o patrimonialismo e a baixa prioridade à educação e à saúde pública”, já basta para nos dar a medida da relevância deste conjunto de textos.

Fechando a edição, e ainda na esteira das datas comemorativas, a seção Arte traz um artigo de Elza Ajzenberg sobre os cem anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo.

Jurandir Renovato

Apresentação

O desenho deste dossiê foi construído a partir de um convite, feito pelos editores da Revista USP, para a elaboração de textos relativos ao processo de emancipação política do brasil por parte de alguns dos mais atuantes historiadores econômicos do país. Estimulados, portanto, pela efeméride do bicentenário da independência, convidamos os autores signatários dos textos aqui reunidos e, de comum acordo com os editores, procuramos estabelecer os contornos gerais dos trabalhos, levando em consideração os temas “clássicos” da historiografia econômica e certa abrangência espacial, isto é, com a contribuição de autores que pesquisam as diferentes regiões do país. 

Leia mais

 Hélio Nogueira da Cruz
Flávio Azevedo Marques Saes
Guilherme Grandi

 

 

base_tarja_home_132

Até o início do século XX a história do Brasil foi marcada pela dinâmica da atividade agrícola, tanto a grande lavoura exportadora, como a agropecuária voltada ao abastecimento do mercado interno, que se confundia com a atividade de subsistência. Embora o mercado internacional fosse o elemento dinâmico, os efeitos sobre as atividades não exportadoras são essenciais para explicar a história, ocupação e povoamento do território brasileiro. Neste artigo objetivamos analisar a dinâmica da agricultura nos primeiros séculos de colonização, tanto as atividades exportadoras como as dedicadas ao mercado interno, e sua situação em meados do século XIX, período de consolidação da cafeicultura, que alterou profundamente a estrutura produtiva nacional e a infraestrutura econômica, em particular o sistema de transportes.

Palavras-chave: atividade agrícola; atividades exportadoras; mercado interno; sistema de transportes.

Until the beginning of the 20th century, the history of Brazil was marked by the dynamics of agricultural activity with both large-scale export crops and agriculture aimed at supplying the domestic market, the latter sometimes confused with subsistence farming. Although the international market was the dynamic element, the effects to supply the internal market are essential to explain the history, occupation and population of Brazilian territory. In this article we aim to analyze the dynamics of agriculture in the first centuries of colonization, both exporting activities and those dedicated to the domestic market, and its situation in the mid-nineteenth century period of consolidation of coffee farming, which profoundly altered the national productive structure and the infrastructure economy and in particular the transport system.

Keywords: agricultural activity; exporting activities; domestic market; transport system.

Fornecemos, de início, estimativas do “estoque” e do “fluxo” de pessoas escravizadas no Brasil na primeira metade do século XIX, enfatizando a intensificação da entrada de cativos. Em seguida, analisamos os impactos desses números nas características da escravidão brasileira à época da Independência, privilegiando dois temas. O primeiro, o padrão da distribuição da posse de cativos, permite-nos perceber o alargamento da disseminação daquela posse. Quanto ao segundo, as famílias escravas, evidenciamos a concomitância de sua vulnerabilidade e resiliência no enfrentamento dos rigores do cativeiro. Por fim, discutimos a eventual participação direta das pessoas escravizadas no processo de emancipação política, apresentando as características do Partido Negro. Nas considerações finais, destacamos aspectos da trajetória da escravidão até sua abolição, apontando as cicatrizes profundas por ela deixadas, ainda nitidamente visíveis em nossos dias.

Palavras-chave: escravidão; Independência; estrutura da posse de escravos; família escrava; Partido Negro.

We first provide estimates of the “stock” and “flow” of enslaved people in Brazil in the first half of the nineteenth century, emphasizing the intensification of the captive’s inflow. Then we analyze the impacts of these numbers on the characteristics of Brazilian slavery during the Independence period focusing on two themes. The first, the pattern of the allocation of captive ownership, allows us to understand the widespread dissemination of that ownership. As to the second, the slave families, we show the conjuncture of their vulnerability and resilience in facing the cruelty of enslavement. Finally, we discuss the eventual direct participation of enslaved people in the process of political emancipation, showing the characteristics of the Black Party. In the final considerations, we highlight aspects of the trajectory of slavery up to its abolition, pointing out the deep scars left by it that are still evident today.

Keywords: slavery; Independence; slave
ownership structure; slave family; Black Party.

 

O artigo discute o tema do comércio interno e das manufaturas na época da Independência. Na primeira parte abordamos o comércio interno – o tráfico de escravizados, distinguindo os negociantes do comércio atlântico daqueles que atuavam na distribuição de escravizados no mercado interno. Tratamos do comércio de abastecimento de alimentos e de manufaturados comuns transacionados pelos tropeiros e pelas vendas, e do comércio de manufaturados importados mais sofisticados. Na segunda parte, o foco recai sobre a produção manufatureira, a indústria artesanal doméstica, baseada no beneficiamento de matérias-primas, algodão, alimentos e bebidas, cerâmica, olaria, etc. Por fim, é tratada uma das mais importantes atividades industriais, as fábricas de ferro, a siderurgia.

Palavras-chave: comércio de escravizados; comércio interno; manufaturas; siderurgia.

The article discusses the theme of domestic trade and manufacturing during the Independence period. In the first part, we address the domestic trade – the slave trade, distinguishing the traders of the Atlantic trade from those who were active in the distribution of slaves in the domestic market. We deal with the trade of food supplies and common manufactured goods carried out by muleteers, sales, and the trade of more sophisticated imported manufactured goods. In the second part, the focus is on manufacturing production, the domestic craft industry, based on the processing of raw materials, cotton, food, beverages, pottery, ceramics, etc. Finally, it addressed one of the most important industrial activities, the ironworks, and the steel industry.

Keywords: slave trade; domestic trade; manufactures; ironworks.

O presente artigo analisa o legado tributário colonial e as primeiras ações do Brasil como nação independente na reestruturação de seu sistema fiscal, na separação das rendas e na definição das competências tributárias das várias instâncias governamentais. Defendemos que a retórica do liberalismo e a falta de planejamento levaram ao estabelecimento de um sistema tributário que manteve os privilégios da elite política e econômica, tendo como base o recolhimento de impostos indiretos sobre toda uma população socialmente desigual. A mesma falta de planejamento acabou por deixar províncias, e em especial municípios, com grande parte da responsabilidade sobre o provimento de bens públicos, mas sem a adequada provisão de rendas para isso. Combinados, esses aspectos comprometeram de maneira significativa o desenvolvimento econômico de longo prazo, agravando ainda mais a disparidade social.

Palavras-chave: fiscalidade; Brasil Império; bens públicos; desenvolvimento; desigualdade.

This article analyzes Brazil’s colonial fiscal legacy and its first actions as an independent nation in structuring its tax system, including the separation of revenue sources and the definition of the fiscal jurisdiction of the various levels of government. We argue that liberalist rhetoric and a lack of planning led to the establishment of a fiscal system that maintained the colonial privileges of the political and economic elite by relying on indirect taxation of a socioeconomically unequal population. The same lack of planning ended up leaving provinces, and especially municipalities, with a large part of the responsibility for the provision of public goods, but without adequate revenue to fulfill that responsibility. The fiscal structure significantly compromised long-term economic development and aggravated the social disparity that exists among its citizens.

Keywords: taxation; Brazilian Empire; public goods; development; inequality.

O contexto histórico da Independência do Brasil foi marcado por inúmeros desafios, dentre eles o estabelecimento de uma rede de vias de comunicação que integrasse o território e, assim, auxiliasse a unidade do Império brasileiro. Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é discutir, em primeiro lugar, aspectos gerais sobre os transportes terrestre e fluvial ao longo do Primeiro Reinado (1822-1831) e da Regência (1831-1840). Em seguida, analisa-se, a partir da bibliografia especializada e de fontes primárias selecionadas, as propostas de alguns dos principais planos de viação que surgiram ao longo do período de 1869 a 1882.

Palavras-chave: transportes; planos de viação; Brasil Império.

The historical context of Brazil’s independence was marked by many challenges, including the establishment of a transport network that would integrate the territory and thus help the unity of the Brazilian Empire. In this sense, the aim of this paper is to discuss, first of all, general aspects of land and river transports during the First Reign (1822-1831) and the Regency (1831-1840). Then, according to the specialized bibliography and selected primary sources, it is analyzed the proposals of some of the main transport plans that emerged during the period from 1869 to 1882.

Keywords: transports; transport plans; Brazil Empire.

Em 1822, em sentido estrito, havia somente um banco no país, o Banco do Brasil. O primeiro objetivo deste artigo foi avaliar, por meio de relatórios do Ministério da Fazenda, sua atuação como fornecedor de crédito ao governo desde a Independência até sua extinção em 1829. Num segundo momento, analisou- -se o que disse a imprensa da corte sobre os negócios bancários no contexto da emancipação política. A pesquisa mostrou que, na altura da Independência, embora os bancos não tenham sido protagonistas da expansão do mercado de crédito no país, o Banco do Brasil cumpriu uma importante função no financiamento do gasto público e na consolidação da Independência. Desse modo, o artigo procurou contribuir para esclarecer o papel do banco no financiamento dos gastos públicos depois da Independência e captar, pela imprensa, o efeito de seus desdobramentos políticos sobre a confiança na instituição.

Palavras-chave: bancos; crédito; Banco do Brasil; Independência.

Strictly speaking, in 1822 there was only one bank in the country, the Banco do Brasil. The first goal of this article was to evaluate, through reports of the Ministry of Finance, its performance as a credit supplier to the government from Independence until its extinction in 1829. In a second moment, it was analyzed what the court’s press said about the banking business in the context of political emancipation. The research showed that, during the Independence period, although banks were not the main players in the expansion of the credit market in the country, Banco do Brasil played an important role in financing public spending and in the Independence consolidation. Thus, the article sought to contribute to clarifying the role of the bank in financing public spending after Independence and to understand, through the press, the effect of its political developments on trust in the institution.

Keywords: banks; credit; Banco do Brasil; Independence.

Este artigo tem como objetivo analisar a economia da Amazônia, do Nordeste e do Sul do Brasil no período da Independência. Para tal, examina as exportações e a força de trabalho escravizada dessas regiões. Propõe-se, ao final, a hipótese de que – direta ou indiretamente – as dinâmicas econômicas entre o Norte e o Sul do Brasil produziram riqueza à margem do Centro-Sul, ao responderem por grande parte das exportações e da população do país naquele contexto.

Palavras-chave: economia; Brasil; século XIX.

This paper aims at analyzing the economy of the Amazon, the Northeast, and the South of Brazil at the Independence. I shall examine exports and the enslaved labor force in these regions. Finally, I present the hypothesis that – directly or indirectly – the economic dynamics between the North and the South of Brazil produced wealth beyond Center-South, as they accounted for a large part of Brazilian exports and population in that context.

Keywords: economy; Brazil; Nineteenth Century.

O artigo discute a evolução do pensamento econômico no Brasil durante a época de sua Independência. Aproximadamente três décadas, entre os séculos XVIII e XIX, que marcam um período de transições: das independências americanas, da Revolução Francesa, da Revolução Industrial inglesa e, no que diz respeito ao pensamento econômico, da difusão das ideias da economia política clássica. No confronto entre essas ideias e a prática da economia colonial, a assimilação da economia política no Brasil realizada pela geração de d. Rodrigo de Sousa Coutinho, José da Silva Lisboa e José Bonifácio de Andrada e Silva implicou tendência contraditória de difícil conciliação entre interesses metropolitanos e coloniais e a manutenção de práticas mercantilistas em meio a concepções liberais.

Palavras-chave: pensamento econômico; Independência do Brasil; José da Silva Lisboa; José Bonifácio.

The paper discusses the evolution of economic thought in Brazil during the time of its independence. Approximately three decades, between the 18th and 19th centuries, which mark a time of transitions: the American independences, the French revolution, the English industrial revolution and, with regard to economic thought, the diffusion of ideas from classical political economy. In the confrontation between the ideas of classical economics and the practice of colonial economics, the assimilation of political economy in Brazil, carried out through the lens of the generation of d. Rodrigo de Sousa Coutinho, José da Silva Lisboa and José Bonifácio de Andrada e Silva, could not occur without contradictory tendencies, from difficult conciliation of metropolitan and colonial interests, maintenance of mercantilist practices in the midst of liberal ideas.

Keywords: economic thought; Independence of Brazil; José da Silva Lisboa; José Bonifácio.

Revisitando o debate sobre capitalismo e escravidão, este artigo ilumina as relações materiais entre Revolução Industrial e crise da escravidão negra no Império britânico a partir das perspectivas da teoria crítica e do sistema-mundo. Depois de sugerir que o debate invisibilizou o capital como categoria de análise histórica, argumento que a Revolução Industrial desencadeou um processo de ampliação de circuitos mercantis sobre o Atlântico e o Indo-Pacífico que estabeleceu relações tensas com fronteiras mercantis escravistas dentro e fora do Império britânico. Essas relações se tornaram uma poderosa mediação material entre a crise da escravidão negra nas West Indies, a ascensão do escravismo nos Estados Unidos, em Cuba e no Brasil e o avanço do neoimperialismo no Oriente.

Palavras-chave: capitalismo; escravidão; Revolução Industrial; circuitos mercantis.

Reviewing the debate on capitalism and slavery, this article emphasizes the material relationship between the Industrial Revolution and the crisis of black slavery in the British Empire from both critical theory and world-system perspectives. After suggesting that the debate made capital invisible as a category of historical analysis, I argue that the Industrial Revolution set in motion a process of expanding mercantile flows over the Atlantic and Indo Pacific that established strained relationships with slave mercantile frontiers within and outside the British Empire. These relations became a powerful material mediation between the black slavery crisis in the West Indies, the rise of slavery in the United States, Cuba, Brazil, and the advance of neoimperialism in the East.

Keywords: capitalism; slavery; Industrial Revolution; mercantile flows

Conteúdos especiais:

Revista USP é uma publicação trimestral da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP. Criada em 1989, é um veículo cultural de caráter ensaístico, o que confere maior dinamismo aos textos. Além disso, é multidisciplinar, aberta a todas as tendências. Outro fator a torna especial: a qualidade indiscutível dos colaboradores, que lhe possibilita ser um verdadeiro padrão de excelência dentro do universo cultural brasileiro.

Você terá a satisfação de ler a cada volume textos assinados pelos mais renomados autores em seu setor. Multidisciplinar e sem preconceitos, a Revista USP não privilegia esse ou aquele enfoque, esse ou aquele grupo, é aberta a todas as tendências.  

Endereço:

Rua da Praça do Relógio 109
Bloco L – 4o. andar
Cidade Universitária
Butantã – São Paulo/SP
CEP 05508-050
Telefone: (11) 3091-4403
Site: www.usp.br/revistausp
e-mail: revisusp@usp.br