Revista USP – Número 129 – abril/maio/junho 2021

Editora: SCS/USP
Idioma: Português
Confira abaixo os artigos deste número e dos anteriores.

A Revista USP também oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo no Portal de Revistas da USP, seguindo o princípio de proporcionar maior democratização mundial do conhecimento

segurança pública

Homicídios e a fragilidade do Estado de direito: o mapa da violência no Brasil

Poucas vezes uma capa conseguiu definir tão bem o conteúdo de um dossiê da Revista USP. Leonor Shiroma, nossa editora de arte, foi muito feliz na escolha da imagem da janela de vidros estilhaçados por tiros, uma imagem que fala por si só. É tão clara e direta que, diante dela, é impossível manter qualquer indiferença, nem mesmo aquela de quando assistimos ao noticiário da TV, quando o crime, de tão banalizado, não nos causa mais assombro. Isso seria de fato assombroso: permanecer impassível diante da imagem. Ela nos fala sobre o horror a que somos submetidos diariamente nas grandes cidades do país, e para o qual termos como “democracia”, “bem comum” e “Estado de direito” esvaziam-se de sentido. Pior ainda quando é jogado na vala comum de um ideário perverso e autoritário, no qual, por exemplo, “bandido bom é bandido morto”, ou na esteira de esdrúxulas políticas de ódio que, revestidas com a auréola infernal das boas intenções, entre outras estultices, visam a incentivar a compra e a posse de armas pelo cidadão comum.

Este dossiê “Segurança Pública”, pensado e coordenado pelos jornalistas e pesquisadores Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, e Luís Felipe Zilli, do Núcleo de Estudos em Segurança Pública (Nesp) da Fundação João Pinheiro, faz uma radiografia desse horror que se espraia, como uma epidemia (outra), por todo o Brasil. Nas suas páginas, o leitor, mais do que simplesmente obter estatísticas assustadoras sobre homicídios praticados nos mais diversos estados, entrará em contato com um universo onde os princípios básicos da civilização e da urbanidade há muito deixaram de existir.

Por fim, não poderia perder a oportunidade de agradecer a Alecsandra Matias de Oliveira, que, neste número, dá cabo com extrema presteza e imenso talento à incumbência que lhe solicitamos para esta trilogia que ora termina. Não deixe o leitor, portanto, de visitar a seção Arte.

Jurandir Renovato

Apresentação

A violência letal, intencional e armada tem sido um dos grandes desafios políticos para as instituições democráticas no contexto atual do Brasil urbano. Mais do que meramente um problema de segurança pública, a concentração de homicídios em alguns territórios metropolitanos ajuda a localizar, no mapa brasileiro, a ação de grupos armados e o domínio que exercem sobre bairros ou conjuntos de favelas, submetendo a população local aos seus próprios interesses. Seja pela constante ameaça ou mesmo pelo uso concreto da violência, tais grupos controlam diversos tipos de negócios legais e ilegais nesses territórios, garantindo lucros elevados para a sustentação e expansão de suas atividades, corroendo a institucionalidade democrática em nível local e apelando para a flexibilização do monopólio legítimo da força pelo estado.

Essas disputas violentas pelo poder nos territórios possuem características em comum nos diversos estados do brasil, assim como especificidades locais.

Leia mais

                                                                                                                                       Bruno Paes Manso

                                                                                                                                              Luís Felipe Zilli

 

base_tarja_home_129

No Brasil, as mortes violentas intencionais interpessoais, ou homicídios, constituem um fenômeno social cotidiano, que fica dissolvido em outras tantas causas de mortes que enfrentamos atualmente. Desde os anos 80, assistimos a um crescimento das taxas de homicídios, atingindo o pico em 2017. Vivemos há 30 anos um estado de violência letal endêmica, que afeta especialmente a juventude negra e pobre, sem conseguir produzir uma compreensão do problema e reação política à altura. Ao contrário, a cultura da morte permanece ativada e especialmente reproduzida em determinados espaços da sociedade. Os efeitos da dinâmica “tráfico-polícia” são a grande causa das mortes dos jovens, e sua produção é acompanhada do diagnóstico genérico “combate ao tráfico de drogas”, cujo relato inclui as justificativas morais, políticas e jurídicas para a manutenção desse contínuo e perverso ciclo de violência letal.

Palavras-chave: violência letal; taxas de homicídio; regulação da morte; letalidade juvenil.

In Brazil, interpersonal intentional violent deaths, or homicides, constitute an everyday social phenomenon dissolved among so many other causes of death that we currently face. Since the 1980s, we have witnessed a growth in homicide rates, reaching a peak in 2017. For thirty years, we have lived in a state of endemic lethal violence that especially affects the black and poor youth without managing to produce an understanding of the problem and an appropriate political reaction. On the contrary, the death culture remains activated and especially reproduced in certain spaces of society. The effects of the “trafficking-police” dynamic are the great cause of death of the youths, and their production is accompanied by the generic diagnosis of “combatting drug trafficking”, the report of which includes moral, political, and legal justifications for maintaining this continuous and perverse cycle of lethal violence.

Keywords: lethal violence; homicide rates; regulation of death; youth lethality.

Este trabalho analisa os processos que produzem dinâmicas homicidas ascendentes em territórios marcados por conflitos entre gangues. O objetivo é entender como a emergência de gangues em determinados territórios impacta os padrões de violência letal entre jovens. Para demonstrar como o efeito gangue ocorre, analisamos os padrões de homicídios em um território periférico do município de Cambé, Paraná, ao longo de 15 anos (1991 a 2006). Os resultados mostram que as dinâmicas homicidas são fortemente impactadas por conflitos intragangues, disputas por poder e status entre membros de gangues e, principalmente, “guerras” de gangues.

Palavras-chave: homicídios; jovens; gangues; violência; Paraná.

This work analyses the processes that produce ascending homicidal dynamics in territories marked by conflicts between gangs. The objective is to understand how the emergence of gangs in certain territories impacts the patterns of lethal violence among youths. To demonstrate how the gang effect occurs, we analyze the homicide patterns in a peripheral territory of the municipality of Cambé, Paraná, Brazil, over fifteen years (1991 to 2006). The results show that the homicidal dynamics are strongly impacted by intra-gang conflicts, disputes for power and status among gang members, and, primarily, gang “wars”.

Keywords: homicides; youths; gangs; violence; Paraná.

O artigo trata do processo de surgimento, consolidação e expansão das facções nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Discutimos as formas de envolvimento de jovens adolescentes em coletivos criminais conhecidos como facções, tratando das experiências deles em dois grupos particulares: os Guardiões do Estado, do Ceará, e o Sindicato do Crime, do Rio Grande do Norte. Em linhas gerais, evidenciamos dinâmicas próprias desses grupos e contextos, assim como modos de representações e de gestão de suas práticas criminais. Tratamos, por fim, dos efeitos sociais de um número cada vez maior de jovens envolvidos nessas organizações, analisando as consequências desse fenômeno para a vida em sociedade.

Palavras-chave: criminalidade; facções; juventude; Guardiões do Estado; Sindicato do Crime.

The article is about the process of the emergence, consolidation, and expansion of factions in the Brazilian states of Ceará and Rio Grande do Norte. We discuss the forms of involvement of adolescent youths in criminal collectives known as factions, covering their experiences in two particular groups: the Guardiões do Estado (Guardians of the State), from Ceará, and the Sindicato do Crime (Crime Syndicate), from Rio Grande do Norte. In general lines, we evince dynamics that are specific to these groups and contexts, as well as modes of representation and management of their criminal practices. Lastly, we cover the social effects of an ever-greater number of youths involved in such organizations, analyzing the consequences of this phenomenon for life in society.

Keywords: crime; factions; youth; Guardiões do Estado; Sindicato do Crime.

O presente texto tem como objetivo analisar a cartografia dos homicídios ou cartografia da violência em Belém, Pará, sobretudo, a partir da sobreposição de territórios envolvendo narcotraficantes, milicianos e o Estado que manifesta as mais variadas formas de conflitos urbanos. Desse modo, os territórios sobrepostos produzem uma necropolítica que tem no componente racial um elemento indutor da banalização e naturalização das mortes. A metodologia aqui utilizada está fundamentada em pesquisas bibliográficas e documentais, análise de dados estatísticos e trabalhos de campo. Como resultado, tem-se a produção do mapa da violência em Belém, o qual aponta para uma concentração das manchas de homicídios nas áreas precarizadas e periféricas da cidade, destacando, assim, a necessidade de uma política urbana acompanhada de políticas públicas.

Palavras-chave: narcotráfico; milícias; necropolítica; racismo.

The present text aims to analyze the cartography of homicides or the cartography of violence in Belém, Pará, Brazil, especially from the overlapping of territories involving drug traffickers, militiamen, and the state that manifests the most varied forms of urban conflict. Hence, the overlapped territories produce a necropolitics that has, in the racial component, an inducing element of the banalization and naturalization of the deaths. The methodology used herein is based on bibliographic and documental research, statistical data analysis, and fieldwork. As a result, there is the production of the map of violence in Belém, which points to a concentration of the homicide spots in the precarious and peripheral areas of the city, thus highlighting the need for an urban policy accompanied by public policies.

Keywords: drug trafficking; militia; necropolitics; racism.

O presente artigo tem como objetivo discutir as dinâmicas da letalidade violenta, sobretudo entre jovens, nos estados do Espírito Santo e Minas Gerais. A partir de dados quantitativos e resultados de pesquisas de campo qualitativas realizadas pelos autores e por pares, o artigo discute a redução das mortes violentas intencionais nos dois estados na última década, a influência, ainda pontual, das facções criminais oriundas do Rio de Janeiro e São Paulo, com maior centralidade nas dinâmicas locais de rivalidades violentas e conflitos armados, e o intenso aumento da letalidade policial em Minas Gerais e Espírito Santo. Finalmente, o artigo inicia uma discussão sobre os efeitos distintos da pandemia de covid-19 nos números de homicídios dos dois estados, que tiveram um aumento significativo no Espírito Santo, mas em Minas Gerais mantiveram a tendência de queda dos anos anteriores.

Palavras-chave: homicídios; letalidade policial; dinâmicas criminais; rivalidades violentas.

The present article aims to discuss the dynamics of violent lethality, especially among youths, in the Brazilian states of Espírito Santo and Minas Gerais. From quantitative data and results of qualitative field research carried out by the authors and their peers, this article discusses the decrease in intentional violent deaths in the two states in the past decade, the still punctual influence of criminal factions from Rio de Janeiro and São Paulo, with a greater centrality in the local dynamics of violent rivalries and armed conflicts, and the intense increase in police lethality in Minas Gerais and Espírito Santo. Finally, the article initiates a discussion on the different effects of the covid-19 pandemic in the homicide numbers of both states, which showed a significant increase in Espírito Santo but maintained the decreasing trend of previous years in Minas Gerais.

Keywords: homicides; police lethality; criminal dynamics; violent rivalries.

Este artigo tem como objetivo analisar o envolvimento de jovens na criminalidade no estado de Mato Grosso do Sul (MS). A pesquisa visa a demonstrar que a expansão do narcotráfico em todas as regiões do estado e a guerra entre as duas principais facções criminosas do Brasil pela disputa da hegemonia atacadista de drogas e armas na fronteira incidem diretamente nos recrutamentos de jovens e no número de encarceramentos no estado. Para o desenvolvimento deste artigo, foram utilizados dados de trabalhos de campo realizados entre os anos de 2010 a 2020 e consultas de informações em sites institucionais vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Palavras-chave: Primeiro Comando da Capital; jovens; Mato Grosso do Sul; narcotráfico.

This article aims to analyze the involvement of youths in crime in the Brazilian state of Mato Grosso do Sul (MS). The research intends to demonstrate that the expansion of drug trafficking in all regions of the state and the war between the two main criminal factions of Brazil disputing the wholesale hegemony of drugs and weapons at the border directly a ect youth recruitment and the number of incarcerations in the state. For developing this article, data from eldwork carried out from 2010 to 2020 were used, along with information from institutional websites connected to the Ministry of Justice and Public Safety.

 Keywords: Primeiro Comando da Capital; youths; Mato Grosso do Sul; drug trafficking.

Conteúdos especiais:

Revista USP é uma publicação trimestral da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP. Criada em 1989, é um veículo cultural de caráter ensaístico, o que confere maior dinamismo aos textos. Além disso, é multidisciplinar, aberta a todas as tendências. Outro fator a torna especial: a qualidade indiscutível dos colaboradores, que lhe possibilita ser um verdadeiro padrão de excelência dentro do universo cultural brasileiro.

Você terá a satisfação de ler a cada volume textos assinados pelos mais renomados autores em seu setor. Multidisciplinar e sem preconceitos, a Revista USP não privilegia esse ou aquele enfoque, esse ou aquele grupo, é aberta a todas as tendências.  

Endereço:

Rua da Praça do Relógio 109
Bloco L – 4o. andar
Cidade Universitária
Butantã – São Paulo/SP
CEP 05508-050
Telefone: (11) 3091-4403
Site: www.usp.br/revistausp
e-mail: revisusp@usp.br