Revista USP – Número 125 – abril/maio/junho 2020

Editora: SCS/USP
Idioma: Português
Confira abaixo os artigos deste número e dos anteriores.

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saramago

Dez anos sem o grande artífice da prosa em língua portuguesa

Há uma cena logo no início do filme A chegada (2016), na qual a personagem central, uma linguista, propõe uma aula sobre a história da língua portuguesa. Quando está dizendo para a sala, mais ou menos vazia, que o português surge num tempo em que a língua era vista como uma expressão de arte, ela é interrompida pelos inúmeros celulares que começam a tocar incessantemente, cujo suspense dará espaço para o desenrolar da trama de ficção científica do longa de Denis Villeneuve.

Pois bem. O fato é que, não obstante a irrelevância do conteúdo da aula para o desenvolvimento da ação narrativa do filme, alguns de nós ficamos curiosos por saber aonde a protagonista, interpretada pela atriz Amy Adams, iria chegar (sem nenhuma ironia ao título do filme) com aquele comentário. Mas, pensando bem, não é tão difícil assim. Decerto falaria da idade de ouro renascentista, citaria Camões, Gil Vicente, lembraria o aluvião inventivo do Barroco, com Vieira, quem sabe Rodrigues Lobo ou Gregório, passaria por Herculano, Garrett, Alencar, Camilo, Machado, Eça, Rosa… e, seguindo esse percurso, ou veredas, inevitavelmente chegaria a José Saramago.

Saramago soube como ninguém enxergar a língua, essa nossa língua portuguesa, como expressão de arte. Uma arte para a qual, aludiu certa vez, pressupõe-se a metáfora da crisálida, sendo a transformação sua força motriz e mecanismo de sobrevivência. “Não se inventam, pois, as línguas, mas talvez possam, e devam, ser reinventadas”, era no que acreditava esse ateu convicto e que foi, sobretudo, um mestre do ofício de escrever; ou, como preferia, um prático, a quem foi “vedado penetrar em arcanos teóricos”. Do exercício desvelado dessa prática é que surgiram – para nossa sorte! – 18 romances e outros tantos contos e peças e crônicas e poemas e memórias.

Dez anos após sua morte, suas histórias – e a forma como soube contá-las – continuam a nos maravilhar e a suscitar leituras as mais diversas e instigantes. O dossiê deste número da Revista USP, organizado por Jean Pierre Chauvin, da ECA/USP, e inteiramente dedicado à sua obra, é prova disso.

Jurandir Renovato

Apresentação

Memória, solidariedade e resistência em José Saramago

 Em 18 de junho de 2020, completam-se dez anos da morte de José de Sousa Saramago (1922-2010). Desde então, uma porção de nós se sente um tanto órfã. Em parte, devido à ausência de uma voz alternativa ao que aí está; em parte, porque se tratava de um escritor que se tornou paradigmático em vida, capaz de amalgamar traços estéticos e questões éticas; hábil ao compor diálogos situados entre a digressão e a síntese; convincente, ao aproximar múltiplas formas de contestação e sensibilidade.

Em dezembro de 2019, Jurandir Renovato, editor da Revista USP, incumbiu-me de organizar um conjunto de textos sobre o escritor português. Nas semanas seguintes, convidei alguns colegas, cujo trabalho conhecia mais de perto. Graças ao talento e energia que a(os) caracteriza, no espaço de um mês eu contava com ensaios de múltiplas perspectivas, que versavam sobre variadas obras de Saramago, pelas mãos de pesquisadores da Unifesp, da Unicamp e da USP.

 

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Jean Pierre Chauvin

Este artigo sintetiza alguns aspectos principais da recepção de José Saramago nos anos de 1980 e 1990, considerando as transformações políticas e culturais do período. Em seguida, apresenta a seguinte hipótese de leitura para o conjunto de sua obra: a ficção de Saramago oscila entre o ceticismo filosófico, a crença política e a reserva moral. Por fim, faz uma interpretação do núcleo hermenêutico presente em História do cerco de Lisboa: a produção de sentido para o evento histórico depende de alguns dispositivos retóricos, sendo os mais decisivos as alegorias do nevoeiro e da muralha vazia.

Palavras-chave: José Saramago; pós- -modernismo; ceticismo filosófico; crença política.

This article summarizes the main aspects of José Saramago’s reception in the 1980s and 1990s, considering the political and cultural transformations of the period. Then, it presents the following reading hypothesis for the whole of his work: Saramago’s fiction oscillates between philosophical skepticism, political belief and moral reserve. Finally, an interpretation of the hermeneutic nucleus present in the History of the siege of Lisbon is made: the production of meaning for the historical event depends on some rhetorical devices, the most decisive being the allegories of fog and the empty wall.

 

Keywords: José Saramago; postmo- dernism; philosophical skepticism; political belief.

Este texto aprecia o livro História do cerco de Lisboa (1989) de José Saramago abordando a questão teórica das fontes primárias do relato historiográfico, conforme foi ficcionalizado no enredo deste romance. Raimundo Silva, o revisor, vive na trama o dilema do historiador defrontado com um dado factual cujo relato considera falso. A relação entre ficção e história aparece nos prólogos das crônicas humanistas portuguesas que o narrador afirma serem as fontes primárias da personagem: neste artigo atesta-se serem elas igualmente fontes sobre a história nacional para o autor empírico do livro. Fala-se sobre a ideia de “erudição histórica” e os limites entre os dois gêneros prosaicos: crônica e historiografia contemporâneas, em possível diálogo com o romance Claraboia (2011), publicado postumamente.

Palavras-chave: verdade; história; crônica; ficção; literatura.

This text appreciates the book História do cerco de Lisboa (1989) by José Saramago addressing the theoretical question of the primary sources of the historiographical account, as it was fictionalized in the plot of this novel. Raimundo Silva, the reviewer, lives in the plot the dilemma of the historian faced with a factual fact whose report he considers false. The relationship between fiction and history appears in the prologues of the Portuguese humanist chronicles that the narrator claims to be the primary sources of the character: in this article it is confirmed that they are also sources on national history for the empirical author of the book. There is talk about the idea of “historical scholarship” and the limits between the two prosaic genres: chronicles and contemporary historiograph. We also consider a possible dialogue with Claraboia (2011), published after Saramago’s death.

Keywords: truth; history; chronicle; fiction; literature.

Em As intermitências da morte, obra de José Saramago publicada em 2005, relata-se uma fábula paródica, irônica e alegórica, cuja personagem central é a própria morte, ou melhor, a “pequena morte cotidiana” das pessoas de um país não nomeado. Tal relato se inicia com estas palavras: “No dia seguinte ninguém morreu”. Então, a partir de 1o de janeiro de um ano qualquer, não se morre mais naquele país. Assim, para discutir essa obra, propõe-se desenvolver neste artigo algo que ela mesma insinua: sua relação com o capítulo XX do livro I, dos Ensaios de Montaigne, intitulado “Que filosofar é aprender a morrer”. Pretende-se mostrar, enfim, que, nessa “inverídica história sobre as intermitências da morte”, fabular é aprender a morrer.

Palavras-chave: literatura portuguesa; Saramago; As intermitências da morte; filosofia; Montaigne.

In Death with interruptions, a work by José Saramago first published in 2005, it is narrated a parodic, ironic and allegorical fable, whose main character is death itself, or rather, the “quotidian small death” of people from an unnamed country. This narration begins with the following words: “The next day no one died”. Then, from January 1st of an unknown year, nobody dies in that country anymore. Thus, in order to discuss this fabled story, we propose to develop something that the narrative itself suggests: its relation with Chapter 20, Book I, of Montaigne’s Essays, entitled “That to philosophize is to learn how to die”. Finally, we intend to demonstrate that, in this “untrue story about interruptions of death”, to fabulate is to learn how to die.

 Keywords: portuguese literature; Saramago; Death with interruptions; philosophy; Montaigne.

Examino aqui a compaixão expressa pelo narrador de Memorial do convento (1982), quarto romance publicado por José Saramago, pelo sofrimento de bois de carga durante o transporte de uma pedra colossal destinada ao pórtico da igreja do convento em construção e de touros e outros animais massacrados em uma arena em Portugal no século XVIII.

Palavras-chave: bois; compaixão; literatura portuguesa contemporânea; Memorial do convento; José Saramago; tauromaquia.

I examine here the compassion expressed by the narrator of Memorial do convento (1982), fourth novel published by José Saramago, for the su ering of oxen during the transportation of a colossal stone destined for the portico of the church of the convent under construction and for bulls and other animals massacred in an arena in 18th century Portugal.

Keywords: oxen; compassion; contemporary Portuguese literature; Memorial do convento; José Saramago; bull ghting.

Neste ensaio, discutem-se as acepções de democracia, como entendida no mundo ocidental a partir da chamada Era Moderna, em diálogo com o romance Ensaio sobre a lucidez (2004), de José Saramago. Pretende-se refletir em torno do que há de efetivamente democrático na contemporaneidade, após decretado o fim da história na década de 1980.

Palavras-chave: democracia; literatura; José Saramago; Ensaio sobre a lucidez.

This essay discusses the meanings of Democracy, as understood in the Occident in the also called Modern Era, regarding José Saramago’s novel Seeing (2004). We intend to reflect on what is effectively democratic in contemporary times, after some historians have decreeing the end of history in the 1980s.

Keywords: Democracy; literature; José Saramago; Seeing.

Este artigo recupera a memória das vezes em que o autor esteve com o escritor José Saramago, como a visita à sua casa em Lisboa e uma entrevista sobre o livro O evangelho segundo Jesus Cristo.

Palavras-chave: Lisboa; José Saramago; O evangelho segundo Jesus Cristo.

This article reminds the opportunities when the author has been with the portuguese writer José Saramago, such as a visit to his home in Lisbon and an interview about his book The gospel according to Jesus Christ.

Keywords: Lisbon; José Saramago; The gospel according to Jesus Christ.

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