Revista USP – Número 122 – julho/agosto/setembro 2019

Editora: SCS/USP
Idioma: Português
Confira abaixo os artigos deste número e dos anteriores.

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feminismos

Direitos da mulher, sexo e gênero: os desafios na construção da igualdade

Não é fácil definir ou nomear uma ideia – no caso, um dossiê – em poucas palavras. Quase sempre a tentação de tornar o nome atraente, porém vago, se contrapõe à necessidade de clareza, sob o risco então de ser demasiadamente específico. Mais difícil ainda quando essa ideia é algo tão palpitante quanto a que atravessa as páginas deste novo número da Revista USP. Assim, quando foi sugerido “Feminismos” à professora Eva Blay, uma das maiores especialistas no assunto e organizadora do dossiê, ela de início se mostrou um tanto refratária a esse título. Ela imaginava, com razão, algo mais sugestivo, que pudesse atrair a atenção de um público para além daquele intimamente ligado ao tema e às questões que ele engloba. Entre outras coisas, que despertasse interesse também no leitor masculino. Se conseguimos convencê-la (e se é que o fizemos), foi menos por méritos próprios que por sua generosa compreensão das peculiaridades que circundam a edição de uma revista. Por isso, fica aqui registrado o nosso agradecimento à professora Eva Blay, bem como a expectativa de que este conjunto de textos possa contribuir com essa que, a nosso ver, é uma das discussões mais relevantes dos dias de hoje.

Esta edição traz ainda, na seção Arte, uma homenagem ao multifacetado Leonardo da Vinci, expressão máxima do Renascimento, em artigo assinado por Elza Ajzenberg, coordenadora do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes, da ECA-USP. Como nos lembra a autora, Leonardo atuava nas interfaces de arte e ciência e é nesse sentido que, 500 anos após sua morte, suas realizações continuam tão fascinantes e inspirando o homem contemporâneo. Vale conferir.

Jurandir Renovato

Apresentação

Vivemos momento crítico com as tentativas de impedir a emancipação das mulheres. A guerra contra gênero mobiliza o Poder Executivo eleito em 2019 e boa parte do Congresso. Ambos visam a desconstruir as recentes conquistas das mulheres à cidadania.
Durante o século XX e as duas primeiras décadas do XXI os movimentos feministas no mundo, e no Brasil em particular, se mobilizaram para alterar a legislação e os costumes que sujeitavam as mulheres à vontade do pai, marido, companheiro, amante e até dos namorados. Sem exagero, desobediência à sujeição é punida com a própria vida, como mostram os elevados feminicídios no Brasil.
Conquistamos o direito de votar, mas carecemos ser eleitas, nos tornamos escolarizadas, mas não em todas as carreiras, continuamos sempre a trabalhar, mas com remunerações inferiores em relação a nossos colegas homens. José Eustáquio Diniz Alves e Suzana Cavenaghi mostram como durante os últimos 150 anos fomos avançando no trabalho, na educação e até nos direitos reprodutivos. Mas as fortes resistências conservadoras põem em perigo as conquistas e ameaçam retrocessos: por exemplo, já tínhamos alcançado parcialmente o direito sobre nosso corpo, nos casos de interrupção da gravidez em decorrência de estupros, mas essa conquista cinquentenária está sendo ameaçada em nome de “não nascituros”.

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Eva Alterman Blay

O Brasil está em uma encruzilhada. Depois de ser um dos países de maior crescimento econômico e de maior mobilidade social, ao longo do século XX, seu desenvolvimento entrou em ritmo de estagnação. A dinâmica econômica favorável ajudava no progresso geral das condições de vida da população e favorecia, em especial, a redução das desigualdades de gênero no país. As mulheres brasileiras conquistaram vitórias expressivas desde a Proclamação da República, em especial, depois da Segunda Guerra Mundial, porém, a atual recessão econômica, que se desdobra em crise social e política, estancou o processo de maior igualdade entre homens e mulheres e já apresenta retrocessos na busca da equidade de gênero, no  campo da maior autonomia em geral, mas especialmente em relação à inserção feminina no mercado de trabalho e na área dos direitos sexuais e reprodutivos.

Palavras-chave: mulheres brasileiras; desigualdade; recessão econômica; mercado de trabalho.

Brazil is at a turning point: after being one of the countries with higher economic growth and social mobility throughout the 20th century, its development has stagnated. The favorable economic dynamics helped in the general progress of the population’s living conditions and favored, in particular, the reduction of gender inequalities in the country. Brazilian women have conquered significant victories since the Proclamation of the Republic, especially after World War II; however, the current economic recession, which is unfolding in social and political crisis, has halted the process of greater equality between men and women, already presenting setbacks in the pursuit of gender equity in the field of greater autonomy in general, but especially in relation to women’s insertion in the labor market and in the area of sexual and reproductive rights.


Keywords: Brazilian women; inequality; economic recession; labor market.

 

Nosso objetivo será de analisar a questão do gênero a partir da divisão sexual do trabalho persistente e crônica no mercado de trabalho. Para isso propomos uma reflexão sobre a experiência de um cabeleireiro e de uma estivadora, no Quebec (Canadá). Assim, buscamos trazer visibilidade sobre essa divisão sexual do trabalho que em si traz embutida uma certa dinâmica e hierarquia entre os gêneros. Ainda hoje, apesar de toda teorização do gênero, muitas vezes se pensa ainda o gênero em termos de sexo, de uma maneira binária, como uma simples consequência do sexo biológico.

Palavras-chave: gênero; normas de gênero; estereótipos; divisão sexual do trabalho; performance de gênero.

Our objective is to analyze the gender issue from the persistent and chronic sexual division of labor in the labor market. To do so, we propose a reflection on the experience of a male hairdresser and a female stevedore in Quebec (Canada). Thereby, we seek to bring visibility on the sexual division of labor which embodies a certain dynamics and hierarchy between genders. Despite all the theorizing on gender, the issue is often still thought in terms of sex in a binary way, as a simple consequence of biological sex.

Keywords: gender; gender norms; stereotypes; sexual division of labor; gender performance.

 

O presente artigo é uma versão prévia de uma discussão que pretende ser mais profunda em breve. Nele proponho uma reflexão sobre os desafios enfrentados por mulheres negras periféricas no ambiente acadêmico que, cotidianamente, reproduz uma estrutura racista, machista e capitalista dificultando o acesso e permanência de mulheres negras, sobretudo as pobres, nas universidades, impondo barreiras subjetivas na construção da vida acadêmica. Essas opressões em intersecção podem fazer com que mulheres negras silenciem e, consequentemente, adoeçam ou se paralisem diante das violências sofridas nos espaços de produção de conhecimento.

Palavras-chave: raça; classe; gênero; ambiente acadêmico.

This article is a previous version of a discussion soon to be explored. It proposes a reflection on the challenges faced by peripheral black women in the academic environment, which daily reproduces a racist, sexist and capitalist structure, making it difficult for black women, especially the poor ones, to access and remain in universities, imposing subjective barriers in the construction of academic life. These intersecting oppressions can make black women be silent and, consequently, become ill or paralyzed in face of the violence suffered in the knowledge production spaces.

Keywords: race; class; gender; academic environment.

 

A história das mulheres no esporte aponta para um protagonismo secundarizado em virtude do projeto político de um esporte dominado pelos homens. Narrar os feitos das mulheres no campo esportivo permite a visibilidade de uma jornada subdivulgada. Analisar a trajetória vivida por atletas permite compreender o protagonismo como um ato político, presente na dimensão social, definida ao se caracterizar como algo novo, que inaugura outro tempo. A entrada das mulheres no esporte, assim como em outras esferas da sociedade, é um ato transgressor, que emerge das sutilezas das relações humanas.

Palavras-chave: esporte; mulher; projeto político.

 

The history of women in sports points to a secondary protagonism because of the political project of a male-dominated sport. Narrating women’s accomplishments in the field of sports allows for visibility of an under-advertised journey. Analyzing the trajectory lived by athletes allows us to understand the protagonism as a political act, present in the social dimension, defined by being characterized as something new, which inaugurates another time. Women’s entry into sport, as well as in other spheres of society, is a transgressive act that emerges from the subtleties of human relations.

Keywords: sport; woman; political project.

As análises relativas a sexo e gênero têm se espalhado por todas as ciências. Esse tema se vincula aos processos de implementação dos direitos à plena cidadania das mulheres. No Brasil atravessamos uma guerra ao gênero por parte de segmentos conservadores, machistas e racistas. Será que vamos voltar à fogueira da Inquisição e queimar as inovações decorrentes da inclusão de gênero no saber?

Palavras-chave: sexo; gênero; direitos da mulher; Inquisição.

Sex and gender analyses have spread across all the sciences. This theme is linked to the processes of implementation of women’s full citizenship rights. In Brazil, we have been facing a war on gender started by the conservative, sexist and racist segments. Will we return to the Inquisition’s bonfires and “burn” the innovations arising from the inclusion of gender in knowledge?

Keywords: sex; gender; setbacks on women’s rights, Inquisition

 

No presente artigo, propomos uma leitura crítica do Feminismo para os 99% – um manifesto que, retomando o slogan do movimento Occupy, faz um chamado para construir uma aliança global entre os diversos feminismos das greves de 8 de março e das marchas contra Trump nos Estados Unidos. Interessa-nos discutir os caminhos que as autoras desse texto, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser, propõem para criar um bloco hegemônico que possa enfrentar e transformar as políticas do capitalismo neoliberal. Ao mesmo tempo, queremos chamar atenção sobre os riscos implicados numa proposta política que articula um feminismo populista operando com antagonismos abstratos que reproduzem esquecimentos históricos e hierarquias epistêmicas entre o norte e o sul global e polarizam com os feminismos atuais.     

Palavras-chave: feminismo dos 99%; neoliberalismo; anticapitalismo; antigenerismo.

In this article we propose a critical reading of Feminism for the 99% – a manifesto, which, taking the slogan of the Occupy movement up, calls for a global alliance between the various feminisms of the march 8 strikes and the marches against Trump in the United States. We are interested in discussing the ways that the authors of this text, Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya and Nancy Fraser, propose to create a hegemonic bloc able to confront and transform the policies of neoliberal capitalism. At the same time, we aim to draw attention to the risks involved in a political proposal that articulates a populist feminism operating with abstract antagonisms, which reproduce historical forgetfulness and epistemic hierarchies between North and South and polarize current feminisms.

Keywords: Feminism for the 99%; neoliberalism; anti-capitalism; anti-genderism.

 

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