Foto: Projeto Huka Katu / FORP USP

USP vai ao Xingu para formar profissionais comprometidos com a saúde dos indígenas

Com protocolos sanitários, o projeto Huka Katu retoma atividades com equipe de estudantes e professores da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP no Parque Indígena do Xingu

 17/08/2021 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 18/08/2021 as 18:29

Vitória Pierri

Huka Katu (sorriso lindo, em Tupi Guarani) é o nome de um projeto da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP que leva alunos e professores a aldeias indígenas, buscando formar profissionais que compreendam as reais necessidades de saúde dessas comunidades brasileiras. Agora, uma equipe se prepara para mais uma expedição no Parque Indígena do Xingu, localizado no Mato Grosso, divisa com o Pará, com duas viagens programadas neste segundo semestre. Elas vão seguir os protocolos necessários neste período de pandemia: toda a equipe está vacinada contra o novo coronavírus e realizará testes para a covid-19 antes da partida.

Para esta primeira jornada pós retomada das atividades, a equipe da Forp contará com a atuação de ex-alunos que participaram das edições anteriores do Huka Katu, agentes indígenas de saúde, uma equipe diária e multiprofissional do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), contratados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a coordenação distrital. 

Custos de transporte, alimentação e estadia são subsidiados pela USP, através da Pró-Reitoria de Graduação e Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, além da própria Forp, conforme explica o aluno Thales Peres Candido Moreira, participante do projeto. O Huka Katu tem parceria com a Unifesp na promoção de saúde indígena no Xingu, com os Laboratórios Sabin na testagem de covid-19, e também recebe apoio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde.

Desde 2004, aproximadamente 160 estudantes de graduação e pós-graduação já passaram pelo projeto, atuando no Dsei do Xingu e de outras regiões, como São Paulo e Rio Grande do Sul, envolvidos com a questão assistencial e também de gestão, sobretudo, com entendimento da “questão intercultural”. O Huka Katu, como explica o professor Wilson Mestriner Junior, coordenador do projeto, envolve a saúde da população indígena de forma comprometida com sua cultura e modo de vida.

O projeto acadêmico Huka Katu funcionou como estágio até 2012. Agora, transformado em disciplinas optativas – Atenção à Saúde Bucal em Populações Indígenas I e II, retoma as atividades para, além da formação de dentistas, “estruturar um modelo de atenção em saúde bucal”, conforme destaca Mestriner Júnior, sobre o trabalho que pretendem realizar.

Wilson Mestriner Junior, professor da FORP e coordenador do projeto Huka Katu - Foto: Reprodução / Linkedin

Ouça no player abaixo entrevista que o professor Wilson Mestriner Junior e as acadêmicas e cirurgiã-dentista que participam do projeto deram ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional.

Crianças em aldeia da região do Xingu - Foto: Projeto Huka Katu / FORP USP

Tratamento de cáries sem “brocas ou turbinas”

Antes de partir para as aldeias do Xingu, os alunos passam pela disciplina preparatória, com conteúdos teóricos sobre antropologia, sociologia, ética, etiqueta e interculturalidade. Só depois, viajam com o propósito de desenvolverem “ações coletivas de promoção, prevenção e controle das principais doenças”, conta a aluna Vitória da Fonseca Oliveira.

Na programação, o grupo realiza atividades de educação em saúde, sobre dieta, aleitamento materno e higiene bucal, quando então fazem “escovação dental supervisionada, a aplicação do bochecho fluorado e flúor gel, e exame bucal com finalidade epidemiológica”, continua a aluna Vitória. Como procedimentos clínicos, o projeto executa a fluorterapia, selante e Tratamento Restaurador Atraumático (TRA) – técnica restauradora de dentes atingidos por cáries, que utiliza apenas instrumentos manuais, sem uso de “brocas ou turbinas”.

Projeto utiliza técnicas manuais de restauração de dentes - Foto: Projeto Huka Katu / FORP USP

Atividades de educação em saúde, em foto antes da pandemia - Foto: Projeto Huka Katu / FORP USP

Cirurgiã-dentista residente da Forp e integrante da equipe, Larissa Dias Vilela adianta que o Huka Katu oferece “promoção de saúde, recuperação de agravos, reabilitação, capacitação de profissionais”, contribuindo para a autonomia da população local no “enfrentamento do processo saúde-doença de maneira positiva”. Tudo é feito, segundo a dentista, com respeito às singularidades de cada etnia, seguindo planejamento de atividades previamente definido pelos responsáveis pelo Huka Katu junto em conjunto com os profissionais do DSEI no Xingu.

Expectativas dos estudantes

Os alunos acreditam em alguns desafios no decorrer do projeto, como a imprevisibilidade, a imersão em ambiente de trabalho diferente do habitual, a diferença cultural e de idioma, o choque de realidades, o perfil epidemiológico e o trabalho em grupo. Mas, ainda assim, a acadêmica Veridiana de Oliveira Mantovani acredita na contribuição positiva de cada fator, “tanto para a formação profissional, quanto para a vida pessoal”.

Expectativa compartilhada por sua colega, a aluna Marina Correia Cassiani que acredita na sua participação no Huka Katu como “um marco na vida dos estudantes”. Segundo Marina, é uma oportunidade de se ver diante de mudanças de paradigmas que ampliam o olhar para a diversidade e humanização, situações que, para a aluna, vão além da técnica e do conhecimento. “O projeto nos possibilita sair do ambiente que nós estamos acostumados para sermos os atores de execução”, afirma Marina.

Atendimento à população indígena em projeto da FORP antes de pandemia - Foto: Projeto Huka Katu / FORP USP

A retomada do Huka Katu anima a estudante Mariana Beduschi a querer que “o projeto continue”. Ela acredita que trata-se de algo que ajudam a construir, então, “que seja significativo tanto para a comunidade quanto para os alunos”. Esta é a mesma expectativa de Juliana Apolinário da Fonseca. “Sabe aquelas coisas que a gente acha que sabe como é, mas só entende quando vive? Então, eu acredito, muito mesmo, que essa experiência proporcionada pelo projeto traduz muito bem essa questão”, afirma a acadêmica, que está ansiosa para a atuação em campo no Xingu.