Um gigante segue entre os caminhos da cultura

Em 2024, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP celebra 90 anos de contribuição significativa à ciência, educação e formação de gerações de intelectuais e professores

 13/12/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 17/12/2024 às 13:31

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Simone Gomes

Prédio da História - FFLCH - Foto: Júlio Bazanini

Bem disse o sociólogo, crítico literário e professor da USP, Antonio Candido (1918-2017):

“Considero a Faculdade inicialmente chamada de Filosofia, Ciências e Letras e depois dividida em vários institutos um acontecimento extraordinário. Ela não apenas mudou a vida cultural de São Paulo, mas contribuiu para modificar a de todo o País”.

É essa certeza do mestre que vai se confirmando pelos caminhos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. A sua história pontuada de desafios revela a sabedoria de seus 90 anos.

Gerir a FFLCH, como afirma o professor Paulo Martins, vice-diretor de 2016 a 2020 e diretor de setembro de 2020 a 25 de setembro de 2024, “ é estar à frente com um gigante. Seus cinco cursos de graduação – Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História e Letras -, 23 programas de pós-graduação, 11 departamentos, 14 mil alunos, 300 funcionários, 420 professores, seis prédios, sua biblioteca com 300 mil volumes são uma amostra da sua enorme complexidade”.

Antônio Cândido - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Um gigante com quem a Professora Emérita Walnice Nogueira Galvão, de Teoria Literária e Literatura Comparada, convive com alegria e muitas boas lembranças e histórias. Paulistana, Walnice é uma das principais referências nas pesquisas  dos grandes escritores brasileiros, como Guimarães Rosa (1908-1967) e Euclides da Cunha (1866-1909). E está muito feliz por estar presenciando os 90 anos da sua faculdade.

Walnice Nogueira Galvão - Foto: Arquivo Pessoal
Walnice Nogueira Galvão - Foto: Arquivo Pessoal

“Uma iniciativa inusitada abalou São Paulo nos anos de 1930: a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, posteriormente, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas”, registra a professora Walnice. “O objetivo da empreitada era, no fundo, consolidar uma universidade dedicada ao saber universal, como seu nome indica. Unindo-se às poucas escolas superiores existentes, como as de Medicina e de Direito.  A faculdade trazia uma novidade em nossas terras: a dedicação à ciência pura, em vez da aplicada.”

Como bem lembra a professora, “daí as novas disciplinas: filosofia, sociologia, psicologia, mas também física, química, biologia, geografia, matemática e afins. Para tanto, foram recrutados especialistas europeus, tendo os franceses predominado nas ciências humanas, os alemães nas ciências naturais e os italianos nas ciências físicas e nas matemáticas”. Enfim, um corpo docente que formou os grandes mestres, que se tornaram os eméritos no decorrer destes 90 anos da FFLCH. “O caldo de cultura que então fermentou foi responsável pela formação de alguns dos mais influentes  intelectuais brasileiros, que se tornaram os mestres das gerações seguintes”, observa a professora. ”Estas, por sua vez, frutificariam professores do ensino médio e superior, propagando o que aprenderam.”

Quarenta anos se passaram depois que a emérita Walnice Nogueira Galvão lançou o livro Sobre os Primórdios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Porém, as reflexões que registrou pontuam o caminho dos 90 anos e do futuro dos alunos, talvez professores e mestres.

Para perceber a importância da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na cultura brasileira, basta caminhar pelo corredor do prédio da Administração da FFLCH e conferir os retratos dos Professores e Professoras Eméritas: Alfredo Bosi, Antonio Candido de Mello e Souza, Aziz Ab’Sáber, Bento Prado Júnior, Boris Schnaiderman, Carlos Guilherme Serôa da Mota, Davi Arrigucci Júnior, Eva Alterman Blay, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Francisco Corrêa Weffort, João Baptista Borges Pereira, José de Souza Martins, José Arthur Giannotti, José Sebastião Witter, Leon Kossovitch, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Marilena Chaui, Milton Santos, Paula Beiguelman, Raquel Glezer, Renato Janine Ribeiro, Sedi Hirano, Ulpiano Bezerra de Menezes, Walnice Nogueira Galvão, entre outros importantes nomes que podem ser conferidos neste link.

“Quando a FFLCH fez 50 anos lancei, pela Edusp, o livro Sobre os Primórdios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Uma publicação que reúne os depoimentos dos integrantes das primeiras turmas que foram alunos dos professores fundadores da escola”, conta Walnice. “Esses alunos são Paul Arbousse-Bastide, Mário Schenberg, Cândido da Silva Dias, Florestan Fernandes, Antonio Candido de Mello e Souza, Ruy Coelho, Gilda de Mello e Souza e Fernando Henrique Cardoso. Eles testemunham o que foi a experiência intelectual desses tempos pioneiros.”

“ O objetivo da empreitada era, no fundo, consolidar uma universidade de fato dedicada ao saber universal”

As lições da FFLCH no cotidiano da Universidade

Alunos circulando entre os prédios de Letras da FFLCH USP
Alunos em uma das áreas de convivência da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Foto: Julio Cesar Bazanini

Muitos professores que se formam na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP continuam trilhando os caminhos do gigante de 90 anos. A seguir, apresentamos alguns alunos, como Paulo César Garcez Marins e Maria Aparecida de Menezes Borrego, do Departamento de História, que hoje atuam na direção do Museu Paulista da USP e do Museu Republicano de Itu. Também o geógrafo Wagner Costa Ribeiro, atual vice-prefeito do campus da USP-Butantã, traz a importância de mestres eméritos como Aziz Ab´Sáber, Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, José Pereira de Queiroz Neto e Milton Santos, todos têm em comum o combate à injustiça social e espacial presente no Brasil e no mundo.

Também Lisbeth Rebollo Gonçalves, que entrou em 1967 para cursar Ciências Sociais, lembra quando a FFLCH ainda estava na Rua Maria Antônia. Conta sobre a mudança da FFLCH para a Cidade Universitária e os desafios no tempo da ditadura. E foi como socióloga e cientista social que chegou ao campo das artes como diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e professora do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA da USP.

O historiador e jornalista Atílio Avancini explica que descobriu a fotografia na FFLCH em plena ditadura militar e se tornou professor de Fotojornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA) da USP. Foi na graduação em Letras, mestrado e doutorado em Letras que Jean Pierre Chauvin se deixou encantar pela cultura e pela literatura brasileira. E se dividiu entre o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA e também como professor na FFLCH, orientando pesquisas no Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.

O crítico literário e professor Paulo Martins, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, fala da sua experiência na FFLCH. Uma trajetória dedicada, como estudante de grego e latim, que o levou a ser professor e diretor de 25 de setembro de 2020 a 25 de setembro de 2024 e vice-diretor de 2016 a 2020.

Leia os depoimentos:

O professor Aziz Ab’Sáber destacou-se não apenas pelos estudos geomorfológicos, mas também por trazer a dimensão social aos estudos da natureza, com destaque para a Amazônia”

Wagner Costa Ribeiro, geógrafo, professor do Departamento de Geografia e vice-prefeito da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira 

No âmbito do Departamento de Geografia,  os 90 anos da FFLCH poderiam ser lembrados pela importante contribuição de Professores Eméritos dedicados aos temas socioambientais, quando eles ainda não eram tratados com a frequência atual. O professor Aziz Ab’Sáber destacou-se não apenas pelos estudos geomorfológicos, mas também por trazer a dimensão social aos estudos da natureza, com destaque para a Amazônia. Outro Professor Emérito a ser lembrado foi Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, pioneiro nos trabalhos de clima urbano, tão em voga em nossos dias. Já o Professor Emérito José Pereira de Queiroz Neto destacou-se por iniciar pesquisas sobre solos tropicais. O que eles têm em comum? Associar a ação humana aos processos naturais, um marco nos estudos geográficos no Brasil, com forte repercussão internacional.

Wagner Costa Ribeiro - Foto: IEA/USP

Não poderia deixar de lembrar de outro iminente Professor Emérito: Milton Santos. Seus textos metodológicos e análises sobre a produção do espaço geográfico e a globalização são marcados pela dimensão social. Portanto, ao destacar os quatro Professores Eméritos do Departamento de Geografia, pode-se identificar um traço comum: o combate à injustiça social e espacial presente no Brasil e no mundo.

Os professores citados marcaram sua produção científica com engajamento político, uma característica que pode ser associada a tantos outros docentes que passaram pelo Departamento de Geografia, que pode ser identificado pelo pensamento crítico, dada a contribuição de vários professores como Manoel Fernandes Seabra, Armando Corrêa da Silva, Antônio Carlos Robert Moraes, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Wanderley Messias da Costa, Ana Fani Alessandri Carlos, Sandra Lencioni, Odete Seabra, Lylian Coltrinari e Maria Adélia de Souza. Certamente esta lista está incompleta, mas ela expressa um ambiente crítico e produtivo presente no departamento por décadas.

“Na pós-graduação é também inesquecível a disciplina de Ulpiano Bezerra de Meneses, cujas ideias animam intensamente o Museu Paulista da USP”

Paulo César Garcez Marins, historiador, professor e diretor do Museu Paulista e orientador nos Programas de Pós-Graduação em Museologia e em Arquitetura e Urbanismo da USP

Ter sido aluno do Departamento de História da FFLCH foi certamente não apenas um fator decisivo em minha formação profissional, mas também um privilégio pelos convívios intelectuais e pelos modelos éticos de desempenho docente compromissados com a educação pública de qualidade. Ingressei na graduação em 1987 e tive oportunidade de ter aulas memoráveis com Janice Theodoro da Silva, José Carlos Sebe, Arnaldo Contier, Nicolau Sevcenko e com Maria Odila Silva Dias, referência central em minha formação, que orientou minha tese de doutorado, concluída em 1999, no Programa de História Social.

Paulo César Garcez Marins - Fotos: Reprodução/MP USP

Na pós-graduação, é também inesquecível a disciplina de Ulpiano Bezerra de Meneses, cujas ideias animam intensamente o Museu Paulista da USP, onde ingressei como docente em 2004. O ambiente intelectual do departamento era então muito pautado pela discussão da historiografia francesa das sucessivas gerações da Escola dos Annales e da produção dos historiadores britânicos de linhagem marxista, o que fazia da FFLCH um polo de revisão historiográfica com impacto nacional.

As décadas de 1980 e 1990 também foram marcadas pelos eventos ocorridos nas salas da faculdade, como os congressos que tinham por tema a Inquisição (1987), o centenário da Abolição (1988) e a América (1992), que empolgavam os estudantes diante de abordagens inovadoras. Toda uma nova geração de pesquisadores relacionados à escravidão e às camadas populares, como Laura de Mello e Souza, Maria Cristina Wissenbach, Maria Helena Machado, Leila Algranti ou Silvia Lara, defendeu ali suas dissertações e teses, levando a renovação da FFLCH para as livrarias e salas de aula de todo o País. E foi também na faculdade que pude iniciar uma trajetória voltada à cultura material e às representações visuais, algo então raro nos departamentos de história brasileiros, mais uma evidência de uma faculdade inquieta e com novos horizontes, que se multiplicam até o presente.

“Foi pelas Ciências Sociais que cheguei às artes, aluna e orientanda em mestrado e doutorado do professor Ruy Coelho e do professor Teófilo de Queiroz Júnior, que o substituiu durante suas estadas em Portugal e na França” 

Lisbeth Rebollo, cientista social, socióloga, crítica de arte, ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea, docente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA-USP e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – Prolam USP

Ingressei, em 1967, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, para cursar Ciências Sociais, quando a FFLCH ainda estava na Rua Maria Antônia. Mas, no andamento do curso, houve a mudança para a Cidade Universitária, após um confronto de violência na época da ditadura instalada no País. Não foi um período fácil, com muitos professores cassados pelo regime ditatorial. Os cursos na área das humanidades foram duramente atingidos, grandes nomes da docência da Universidade foram cassados, estudantes presos e todos sofremos com isso.

Lisbeth Rebollo Gonçalves -Foto Cecília Bastos

Foi pelas Ciências Sociais que cheguei às artes, aluna e orientanda em mestrado e doutorado do professor Ruy Coelho e do professor Teófilo de Queiroz Júnior, que o substituiu durante suas estadas em Portugal e na França. Mas cursei várias disciplinas na Faculdade de Filosofia com a professora Otília Arantes e nas Letras, a disciplina ministrada pelo professor Antonio Candido, que me aproximou de sua esposa, a professora Gilda de Mello e Souza, de quem recebi importante orientação para a minha pesquisa em artes. Estes professores foram todos fundamentais na minha formação e na especialização no campo das artes. Na época em que estudava na FFLCH, ainda foi possível ter algum contato com dois professores da chamada missão francesa que contribuiu para a criação e consolidação da faculdade: fui aluna de Paul Hugon, assessorado pela professora Diva Pinho, e pude conhecer e entrevistar o professor Roger Bastide em uma de suas visitas ao Brasil.

Mas houve um grande mentor para chegar à FFLCH, às Ciências Sociais: foi o sociólogo e crítico de arte Sérgio Milliet que, amigo da família, aconselhou-me, argumentando que “o curso abre perspectivas críticas e você poderá ir, com segurança, para outras áreas”, recomendando que prestasse vestibular na USP.

Fui para o estudo das artes, ainda quando a Escola de Comunicações e Artes estava nascendo. Assumi, mais tarde, como docente, o ensino das disciplinas Estética e História da Arte I e II, nesta unidade, ali realizando meus concursos de ingresso à docência e depois o de livre-docência e titular.

Fico feliz em estar vivenciando o aniversário de 90 anos da FFLCH da USP e de ter participado como docente do ensino da história e da sociologia da arte. E por ter podido, mais tarde, em dois mandatos, atuar como diretora do Museu de Arte Contemporânea da nossa universidade. Continuo ativa na Pós-Graduação, no Prolam e no PGEHA, nos quais fui uma das professoras pioneiras.

“A formação em História foi muito importante, pois trabalho como docente e pesquisador com a fotografia e o cotidiano urbano, ou seja, movimentos advindos da revolução científico-tecnológica do final do século 19”

Atílio Avancini, historiador, fotógrafo e professor da Escola de Comunicações e Artes

Iniciei o curso de História, na FFLCH, em 1975. Anos difíceis decretados pela ditadura militar, representando o endurecimento da repressão aos uspianos opositores com mortes, desaparecimentos e torturas. O ano é demarcado pelo assassinato do jornalista e professor da ECA, Vladimir Herzog, nas instalações do II Exército. Apesar das inúmeras greves em curso, comecei a reler o mundo a partir da História Antiga (Grécia, Oriente, Roma), favorecendo deslocar-me do tempo-espaço presente. E contra o mundo de grosseria, tive a oportunidade de participar do curso de extensão em Fotografia – Laboratório Básico em Preto e Branco, organizado pelo Centro Acadêmico de História e coordenado pelo crítico de arte Moracy de Oliveira. 

Atílio Avancini - Foto: USP/BR

O caminho mágico da evasão imaginária se abriu por ter sido premiado com uma lata de filme (TriX Kodak) e uma caixa de papel fotográfico (Ilford) –  havia produzido o melhor ensaio fotográfico na temática feiras livres. Esse fato contribuiu para legitimar meu ofício maior: a fotografia. A formação em História foi muito importante, pois trabalho como docente e pesquisador com a fotografia e o cotidiano urbano, ou seja, movimentos advindos da revolução científico-tecnológica do final do século 19. É dentro dessa configuração histórica moderna que encontramos a nossa identidade e que precisamos de métodos de análise. A fotografia é um documento rico, mas é preciso estar atento à dualidade “realidade e ficção” que a imagem acolhe. O salto para uma ordem cultural centrada nos estímulos das imagens e dos sons traz em seu bojo um empenho capitalista e sedutor em modelar a vida social.

“Costumo dizer aos alunos que o professor é um aluno há mais tempo. Parece-me que a curiosidade pelo conhecimento e a disciplina como método são essenciais à pesquisa e à docência de qualidade”  

Jean Pierre Chauvin, especialista em Teoria Literária e  Literatura Comparada e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP 

Ingressei no curso de Letras-Português por duas vezes. A primeira, em 1991, antes de completar 18 anos. A segunda, em 1995, aos 22. Em 1991, tive que deixar a graduação devido a questões de ordem pessoal. Da segunda vez, sentindo-me em débito comigo mesmo e com meus pais, levei a faculdade mais a sério. Houve um dado decisivo para as etapas futuras e o maior interesse por literatura brasileira. Dentre os livros para o vestibular (1995), estava a novela O Alienista (1882), de Machado de Assis. Logo no primeiro semestre letivo, o saudoso professor Joaquim Alves de Aguiar, do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH, leu conosco Dom Casmurro (1900), o que aumentou ainda mais a admiração pela prosa do escritor, estimulado pelo didatismo do mestre Juca, como o chamávamos. 

 

Jean Pierre Chauvin - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O interesse crescente por Machado levou-me a investigar o que poderia haver de alegórico, mas também de simbólico, na jornada do médico e cientista Simão Bacamarte em Itaguaí – vila modesta que abrigava um enorme manicômio, segundo o narrador da novela. A preferência por O Alienista, certamente uma das melhores narrativas produzidas pelo autor, levou-me a percorrer toda a prosa machadiana disponível à época, considerando a edição que possuía das Obras Completas (1992): nove romances, 127 contos e cerca de 600 crônicas. De lá para cá, a tarefa seria ainda maior, porque foram descobertos e editados muitos outros contos e crônicas de Machado. Concluído o bacharelado em 1998, ingressei na licenciatura em Letras e na pós-graduação, esta sob orientação do professor Marcus Vinícius Mazzari, colega do mesmo departamento de Joaquim Alves de Aguiar no segundo semestre de 1999, ocasião em que cursei a disciplina Seminários de Machado de Assis: Memorial de Aires, ministrada pelo professor Alfredo Bosi (que acabara de lançar Machado de Assis: O Enigma do Olhar). Anos mais tarde, fiz algumas visitas a ele no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, onde conversamos longamente sobre o escritor. 

Finalizado o mestrado em março de 2022, em 2023 ingressei no doutorado, também sob a orientação do professor Mazzari. O projeto inicial era pretensioso: tencionava mapear a figuração do malandro em 17 romancistas brasileiros, entre os séculos 19 e 20. Felizmente, meu orientador interveio: providência que, somada a uma chave de leitura proposta por Astrojildo Pereira, permitiu concentrar-me em Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Do estudo comparativo entre os três autores, desenvolveu-se a tese de doutorado, concluída em novembro de 2006.

“Integro o quadro de docentes do Programa de Pós-Graduação em História Social, e busco orientar os alunos com o rigor metodológico que aprendi com os mestres” 

Maria Aparecida de Menezes Borrego, historiadora e vice-diretora do Museu Paulista da USP 

Em 1989, ingressei no curso de bacharelado em História da FFLCH. Embora tenha sido influenciada por professores do ensino básico, o contexto histórico e político em que vivíamos certamente foi decisivo em minha escolha. O primeiro ano foi tomado pelas discussões sobre as eleições diretas para a Presidência da República e os rumos do País, afinal fazia mais de 25 anos que o povo brasileiro não ia às urnas escolher seu presidente. O ambiente de debates acalorados sobre essa questão e tantas outras era novo para mim e me conquistou logo de início.

Maria Aparecida de Menezes Borrego – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

Cursei disciplinas muito instigantes que despertaram meu interesse para a carreira acadêmica, como as ministradas por Laura de Mello e Souza, minha querida orientadora, Janice Theodoro da Silva e Maria Helena Rolim Capelato. Mas foi, de fato, a saudosa Ilana Blaj quem me ensinou, por meio de suas aulas sobre Brasil Colonial, a um só tempo brilhantes e eruditas, didáticas e acessíveis, como desenvolver uma discussão historiográfica, como proceder a uma análise documental e como ser professora de História. Mal sabia naquele momento – e ela nunca soube – que seria indiretamente responsável pela escolha de meus temas de mestrado e doutorado relacionados aos papéis dos agentes coloniais no império português desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH. 

Ao defender a tese de doutorado em 2007, minhas pesquisas tiveram continuidade no Museu Paulista da USP, sob a supervisão firme e arguta de Cecília Helena Lorenzin de Salles Oliveira, cada vez mais caminhando para preocupações com a dimensão material da sociedade colonial. E na seara da cultura material foram, sem dúvida, os estudos de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, que também já havia sido meu professor na graduação, que fizeram com que eu concebesse o ofício do historiador de uma forma diferente e melhor, com mais desafios e compromisso para com a realidade, nosso passado e nossa memória, buscando um presente e um futuro mais dignos. Desde 2013, tenho exercido a docência e a curadoria no Museu Paulista, fui supervisora técnico-científica do Museu Republicano Convenção de Itu por dez anos e atualmente atuo como vice-diretora do Museu Paulista. Contudo, sigo muito perto a FFLCH. Integro o quadro de docentes do Programa de Pós-Graduação em História Social, e busco orientar os alunos com o rigor metodológico que aprendi com os mestres. 

“O aluno, na verdade, é um diamante bruto. Mas ao ser lapidado, ele vai se transformando em brilhante…”

Paulo Martins, crítico literário, professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de 25 de setembro de 2020 a 25 de setembro de 2024 e vice-diretor de 2016 a 2020

Minha trajetória na USP é mesmo curiosa… Prestei vestibular em 1980 para História na USP e Direito no Mackenzie. E fui bem nos dois vestibulares. Mas eu queria me tornar uma pessoa rica… São coisas, pensamentos de menino de 18 a 20 anos. Aí pensei que ser professor de História não me ajudaria neste sonho. Resolvi fazer Direito, mas no decorrer de dois anos, fui me tornando uma pessoa especialmente infeliz. Certo dia, quando meu pai, também professor, chegou em casa, falei que não aguentava mais. Não iria largar Direito, mas faria outro curso simultaneamente. Resolvi fazer vestibular de novo lá pelos idos de 1983 – 84. 

Paulo Martins - Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Decidi cursar Letras na USP e aprender grego antigo; mas isso significava detonar o desejo de ser rico. Desisti definitivamente de Direito. Certo dia, estava na fila do xerox e comecei a conversar com um rapaz. Contei sobre a minha opção de fazer grego antigo e inglês. E ele me desaconselhou. Disse: “Melhor fazer grego e latim”. Segui o seu conselho. E esse rapaz que me fez mudar de rumo é meu amigo até hoje, o professor João Ângelo Oliva Neto, graduado em latim e grego. Na nossa turma não tinha mais do que dez alunos. Creio que todos se tornaram professores da USP. E a riqueza que descobri foi o convívio com Antonio Candido, Alfredo Bosi e tantos outros mestres. Aprendi a trabalhar com diamantes. O aluno, na verdade, é um diamante bruto. Mas, ao ser lapidado, ele vai se transformando em brilhante… Minha expectativa é de poder comemorar os 100 anos. Mas estou me sentindo muito feliz e honrado por estar presenciando e participando dos 90 anos.


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