Tabela periódica resume todo conhecimento do mundo

Cada um dos elementos indica uma parte da natureza, interpretada ou ressignificada pelo homem; tabela completa 150 anos em 2019

 01/03/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 03/12/2019 as 12:01
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No Instituto de Química, o professor Henrique Eisi Toma montou uma tabela periódica com elementos químicos expostos – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Uma tabela com inúmeras letras. Toda pessoa que já estudou química deve ter se deparado com ela. Mais do que letras, a tabela periódica representa parte da natureza analisada e ressignificada pelo homem. O Carbono, por exemplo, é a base para a construção de nanotubos supercondutores nos computadores mais modernos e também está em tudo que há de orgânico. A invenção do russo Dmitri Mendeleev, lá em 1869, vai muito além da tabulação. Ela guarda histórias como a da cientista polonesa Marie Curie, responsável pela descoberta do Polônio e do Rádio, que adaptou veículos para realizar raio-X nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, após descobrir o elemento Rádio. 

O Brasil também tem histórias relacionadas à tabela e envolvendo o elemento de número 42, o Molibdênio. Na década de 1960, quando poucos cientistas acreditavam que a fixação biológica de nitrogênio (FBN) poderia competir com fertilizantes minerais, à base de potássio, a cientista checo-brasileira Johanna Döbereiner iniciou um programa de pesquisas sobre os aspectos limitantes da fixação biológica de nitrogênio (FBN) em leguminosas tropicais. Esses estudos iam no sentido inverso ao da orientação dos Estados Unidos, maior produtor mundial de soja, que elaborava tecnologias de produção apoiadas no uso intensivo de adubos nitrogenadas.

Os estudos de Johanna permitiram que a fixação do nitrogênio pelas plantas fosse feita pela bactéria rhizobium – responsáveis por transformar o nitrogênio gasoso em amônia, através do molibdênio. Dessa forma, a soja gerava seu próprio adubo. O método, que começou na soja, mostrou-se muito eficiente em diversas outras culturas, e alavancou a produção alimentícia. A façanha rendeu a cientista checo-brasileira uma indicação ao prêmio Nobel.

O professor do Instituto de Química (IQ) da USP, em São Paulo, Henrique Eisi Toma, chama a tabela de “portal da química”. Segundo ele, a ferramenta pode ter mais de 600 formas, a depender do objetivo de quem a organiza. A escolhida por Mendeleev, distribui os elementos em ordem crescente de número atômico (quantidade de prótons no núcleo), e os divide em 18 famílias e 7 períodos (colunas e fileiras, respectivamente).

E ela não para de crescer. A professora Alinka Lépine-Szily, do Instituto de Física (IF) da USP, em São Paulo, destaca que, em 2016, foram criados quatro novos elementos (Nihonium, Moscovium, Tennessine e Oganesson), completando a sétima fila. E, no ano passado, começou-se um projeto para mais um: o Ununênio. “Está cada vez mais próximo de chegarmos a uma oitava fila de elementos químicos”. Por enquanto, esses elementos não têm aplicação prática, mas servem para confirmar modelos teóricos.

Alinka representou a América Latina, em janeiro, durante mesa-redonda de abertura da cerimônia do ano internacional da tabela periódica, proposta pela International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) com o apoio da International Union of Pure and Applied Physics (IUPAP) e endossada pela Unesco. Os 150 anos da publicação do cientista russo é para destacar a tabela como uma ferramenta única que permite pesquisadores prever a aparência e as propriedades da matéria na Terra e no resto do Universo.

Detalhe da tabela periódica do IQ com exemplos de elementos químicos –  Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As muitas facetas da tabela

Henrique Eisi Toma – Foto: USP Imagens

Quem visita o Instituto de Química da USP, em São Paulo, no campus Cidade Universitária, depara-se com uma tabela periódica com os elementos expostos para observação. Claro, aqueles que podem ser vistos pelos olhos humanos. A criação é de autoria é do professor Henrique. 

Ela lembra que, a princípio, deve-se entender que as tabelas, na verdade, são várias. Em termos de pesquisa, a mais precisa seria organizada pelos orbitais eletrônicos, ou suas formas no caso da teoria quântica. Outra apresenta a escassez dos elementos, fundamental no momento de entender a lógica econômica de seu uso.

O próprio professor do IQ criou uma, na qual elucida a importância dos elementos para a biosfera. “A vida, na verdade, surge de um caráter mineral, apesar da dominância orgânica em sua composição. Os metais de transição fazem catálise (processo de aceleração de uma reação química). Elementos como o manganês fazem parte da clorofila, responsável pela fotossíntese, transformando gás carbônico e água em energia e oxigênio.”

A área de pesquisa do cientista são as nanopartículas. Ele trabalha com as terras raras, um grupo de 17 elementos químicos da família 3b (a terceira delas), de número atômico do 57 ao 71. São particularmente importantes na criação de supercondutores e produção de lâmpadas, telas de televisores, tablets, smartphones, turbinas de energia eólica, entre outras aplicações na área tecnológica. Sua pesquisa propõe a associação das partículas nanométricas à ímãs de de neodímio- super fortes e comuns em HDs—, a extração ocorreria sem a necessidade de aparelhagens caras.

Os núcleos do futuro

Segundo a professora Alinka, entre os elementos de menor número atômico que o Urano, somente um não é encontrado naturalmente: o Tecnécio. “O isótopo de meia vida de 6 horas é obtido através do decaimento do Molibdênio radioativo. É o elemento mais usado em radioterapias.”

Ela destaca que o elemento pode ser aplicado de outra forma. Com a ajuda de nanopartículas, se poderia aplicar a radiação de maneira local, somente nas células cancerígenas. Deste jeito, se evitaria os danos às células saudáveis, atingidas por raios gama, como acontece hoje.”

Alinka Lépine-Szily – Foto: IEA USP

A especialidade da professora, em detrimento disso, são os elementos pesados e superpesados – aqueles recentemente criados pelo homem. “Os novos tipos de átomo foram criados em Dubna na Rússia, apesar da colaboração de pesquisadores norte-americanos e japoneses”, conta Alinka. São eles:  Nihonium, Moscovium, Tennessine e Oganesson. “Esses elementos têm o núcleo muito instável e só existem por frações de segundo. Caracterizá-los é difícil e não traz nenhum retorno financeiro a curto prazo.”

Há um grupo de teóricos, a professora Alinka entre eles, que defende uma segunda ilha de estabilidade depois dos elementos superpesados. Se teria contato, por isso, com elementos inimaginados pelo homem, com suas próprias peculiaridades, tal como possíveis aplicações inéditas. A ideia, contudo, não é um consenso, os químicos são céticos quanto a uma próxima ilha de estabilidade (zona de equilíbrio energético que permite a estabilidade de um núcleo).

Com ou sem elementos novos, a tabela periódica sinaliza como o homem se relaciona com o ambiente com o qual vive. Entende-se desde a origem da nossa vida, ao passo que busca-se o futuro. Fora que a depender da perspectiva adotada, a tabela pode atingir vários significados.


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