São Paulo estava parcialmente preparado para as crises, diz presidente da Fapesp

Reconduzido ao cargo, Marco Antonio Zago faz um balanço da gestão e explica por que o Estado reagiu rápido à covid-19 e aos entraves financeiros para a produção científica

 28/09/2021 - Publicado há 3 anos

Tabita Said

Há pelo menos cinco anos longe das bancadas e laboratórios, o médico e pesquisador Marco Antonio Zago tem dedicado sua carreira ao apoio da produção científica em um dos três órgãos que mais financiam pesquisas no Brasil. Junto do CNPq e Capes, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) foi a principal fornecedora de recursos de 2011 a 2018 não só para a USP, mas para toda a pesquisa desenvolvida no País.

O levantamento foi realizado pela Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica na Plataforma InCites (Thomson Reuters / Clarivate Analytics) e identificou o número de documentos publicados no período: 122.967 (CNPq), 70.048 (Capes) e 56.667 (Fapesp).

Para Zago, o Estado de São Paulo se beneficiou de políticas permanentes de apoio à ciência e tecnologia implementadas ao longo dos últimos 60 anos, a mesma idade que completará a fundação no ano que vem. Reconduzido ao cargo de presidente da Fapesp, ele reconhece as conquistas em seu antigo campo de atuação – oncologia e hematologia – e lembra com orgulho de seus ilustres ex-alunos, como o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas. Mas diz que a nova geração de pensadores é altamente competente e entusiasmada para “avançar sobre o conhecimento e preparar a sociedade para reagir a um mundo que nós não sabemos exatamente como será”.

Marco Antonio Zago - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Quando foi reitor da Universidade de São Paulo, sua gestão foi marcada por medidas de contenção e reorganização financeira. Como lidou com esses desafios durante sua gestão na Fapesp?

Eu sou uma pessoa privilegiada, porque em toda instituição onde eu chego, eu enfrento uma crise. Foi assim na Reitoria da USP e aqui na Fapesp, só que aqui foi uma crise representada pela pandemia. A pandemia afetou a vida do mundo todo: das universidades, das indústrias, do setor financeiro e também da pesquisa. Mas nós nos adaptamos a ela e organizamos uma reação do setor de saúde do Estado e de outras áreas. Desde financiamentos de testes clínicos de vacina no Butantan; projetos que eram sobre pesquisa de outro tipo, que foram convertidos para a covid; colocamos recursos em pequenas empresas tecnológicas para que desenvolvessem produtos, equipamentos e protocolos, para combate à covid. Financiamos projetos de vacina e agora abrimos um edital que é de natureza internacional, a Plataforma Transatlântica para Ciências Humanas e Sociais, envolvendo vários países para fazermos pesquisas relacionadas à retomada da atividade e recuperação pós-pandemia.

E como deverá conduzir a próxima gestão?

É sempre muito difícil fazer previsões, porque a gente encontra surpresas como foi nesse caso. Mas alguns princípios já tradicionais vamos procurar manter. Primeiro, a Fapesp é uma fonte muito importante de recursos para pesquisa no Estado; a pesquisa sem etiqueta, a boa pesquisa em qual área for: biológicas, exatas, humanidades, artes… e que não tem obrigatoriamente que ter uma aplicação. Ela pode ter – é bom que tenha – mas não precisa ter e pode ser sobre qualquer assunto que faça avançar o conhecimento. Continuaremos com nosso programa forte de bolsas, de iniciação científica ao pós-doutorado, porque esse programa cria as novas gerações, as novas lideranças. É difícil encontrar uma universidade em qualquer local do Brasil que não tenha pelo menos um ex-bolsista da Fapesp. Então, de certa forma, a Fapesp financiou o desenvolvimento científico do País, claro que mais fortemente aqui no Estado de São Paulo.

O negacionismo e a disseminação de fake news prejudicaram este desenvolvimento?

Essa circulação, não só de fake news, mas de desrespeito ao conhecimento, à lógica, essas coisas ‘criadas’… mas, por outro lado, eu diria que esse período da pandemia fortaleceu a ciência, não a enfraqueceu. Nunca se falou tanto, publicamente, sobre ciência como neste período. Toda noite, a TV traz notícias a respeito de vacina, vacinação, testes. A maioria dos brasileiros hoje sabe que tem uma coisa que se chama ‘PCR’ (exame que detecta o material genético do vírus). Três anos atrás, isto era uma linguagem exclusiva dos médicos e biólogos, um engenheiro não sabia o que era. Então, a imagem geral para a população é a de que a ciência ajudou a resolver um problema do mundo todo, que ninguém estava esperando. No entanto, se você perguntar para qualquer epidemiologista, pesquisador na área de microrganismos, ele vai dizer que sim, deveríamos esperar e haverá outras. Portanto, uma lição importante é nos organizarmos para enfrentar as próximas. São Paulo estava parcialmente preparado para isso, primeiro porque tem muita gente competente, muitos dos quais fizeram doutorado com bolsa da Fapesp. Segundo, havia laboratórios preparados. Você vê que, feito o diagnóstico do primeiro caso aqui em São Paulo, 48 horas depois o vírus estava sequenciado. Se nós fôssemos, naquele momento, fazer um projeto para sequenciar o vírus, comprar os equipamentos, comprar o material de consumo, importar… levaria 48 meses!

Algo semelhante aconteceu com o zika vírus. Cientistas da USP comprovaram a relação entre o vírus e má-formação, e ainda desenvolveram terapias com as crianças que nasceram microcefálicas.

Por isso é irresponsável chegar em um laboratório e perguntar: ‘Com o que você trabalha?’. Imagina que, há dez anos, você diria: ‘Trabalho com o vírus zika – E onde é que tem isso? – Ah, numa floresta lá da África tem esse vírus… – Bom, e o que nós temos que ver com isso? Para que está fazendo essa pesquisa?’. Se o sujeito respondesse: estou fazendo porque daqui a dez anos vai ter zika em São Paulo, ele seria profético. Mais ou menos é essa a ideia, isto é, a Fapesp tem que criar condições para que os pesquisadores possam reagir a uma ameaça que não sabemos ainda qual é, mas que um dia vai ocorrer e temos que estar preparados para isto. É um dilema paralelo ao que a Universidade tem com seus estudantes. Não é para ensiná-lo a fazer planta para construção, mas para ser educado a reagir aos desafios daqui a dez anos, quando nós não sabemos como o mundo vai ser. E isto vai absolutamente na contramão do negacionismo da ciência, em que a pessoa tem uma opinião pré-formada a respeito de uma coisa e tenta impor sua opinião sem examinar a situação para tentar achar uma solução lógica. Ela tem, previamente, uma visão de como as coisas devem ser e de qual será a resposta. Este é um indivíduo que nunca vai conseguir ser cientista.

O que é preciso para retomar a atividade científica no País e evitar uma fuga de cérebros?

Acho que passamos sim por uma certa crise, contenção e dificuldades que se originam principalmente da redução do apoio por parte do governo federal a todas essas atividades, haja vista o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que é muito importante para a vida do País inteiro. Mas o Estado de São Paulo é o menos afetado de todos, porque temos políticas permanentes de apoio à ciência e tecnologia e à educação superior que nem dependem muito do governo que está, no momento, governando o Estado. Dependem muito mais de uma estrutura que foi criada ao longo dos últimos 60 anos. Temos as três universidades públicas com o orçamento garantido e é uma parcela considerável do ICMS que vai pra isso. Depois você tem a Fapesp com 1% da receita tributária e que também é quase que o único Estado em que isso se efetiva, embora esteja escrito na Constituição de outros Estados. Então, é claro que há uma redução global da produção científica neste momento, mas não tenho a sensação de que haja um grande fluxo de jovens brasileiros saindo do país. Se isso se concretizar, será um grande desastre porque essas pessoas se fixam lá fora e nós as perdemos.

Que projetos destacaria para pensar o futuro do Brasil?

A Fapesp é hoje a instituição brasileira que mais apoia pesquisas na região amazônica, por exemplo. E isso é compreensível, porque o que acontece lá tem muita influência no Estado de São Paulo. Nosso regime de chuvas em grande parte depende do que ocorre na Amazônia, então, na contramão de muitas coisas que ocorrem no Brasil, nós apoiamos fortemente a pesquisa sobre mudanças climáticas,biodiversidade e bioenergia, que são, a meu ver, uma agenda do futuro. Nós temos a agenda de transição digital, que envolve o fortalecimento das tecnologias da informação, a robótica, Inteligência Artificial, e a outra é a agenda verde ou de sustentabilidade. Também nós incentivamos muito as parcerias com grandes empresas nos chamados Centros de Pesquisa em Engenharia ou em pesquisa aplicada. São 22, dos quais 12 foram implantados de 2019 até agora. E retomamos, este ano, a seleção dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), programa muito valorizado pelos nossos pesquisadores. Mudamos um pouco a estratégia, com chamadas em quatro anos seguidos, cada ano em uma área do conhecimento. Este ano Ciências da Vida, ano que vem Engenharias e Exatas, no outro Humanidades e no outro novamente Ciências da Vida. Recebemos cerca de 40 propostas e pelo menos três serão aprovadas.

Detalhe do professor Marco Antonio Zago, durante entrevista - Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

60 anos, 17 ODS

Em maio de 2022 a Fapesp completa 60 anos. A idade trouxe consigo mais preocupações e menos comemorações. “Ao invés de fazermos um programa festivo, nós estamos fazendo um programa de atividades para pensar a ciência e mostrar nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável”, conta o presidente. A fundação inaugurou um
portal
que liga seu portfólio de projetos apoiados a cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a implementação da Agenda 2030.

Para contar a história da fundação até aqui, um grupo de jornalistas, cientistas e gestores foi convidado a escrever o livro FAPESP 60 anos: Ciência, cultura e desenvolvimento. O conteúdo vem sendo publicado em fascículos digitais mensais, desde julho deste ano.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.