Recém-criado, instituto sediado na USP vai buscar soluções permanentes para o combate à fome

Instituto sediado na Faculdade de Saúde Pública da USP dá continuidade aos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho de Combate à Fome e amplia abordagem, envolvendo universidades nacionais e internacionais e outras entidades, como Embrapa e Conab

 19/05/2023 - Publicado há 11 meses
Pesquisadores de várias instituições vão buscar soluções permanentes para acabar com o problema da fome no País – Foto: Governo Federal

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O novo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), sediado na Faculdade de Saúde Pública da USP, é um centro avançado de pesquisa, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), que criou 58 novos institutos em todo o Brasil. Com um título bem grande, INCT Combate à Fome Estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada, abordagem transdisciplinar de sistemas alimentares com apoio de inteligência artificial, ele sintetiza algumas questões importantes para o grupo, como enfatizou a coordenadora Dirce Marchioni, professora associada ao Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, durante o Seminário de Combate à Fome e à Insegurança Alimentar: propostas de políticas públicas, ocorrido em abril, na Biblioteca Brasiliana.

O INCT dá continuidade ao trabalho iniciado pelo GT USP Políticas Públicas de Combate à Insegurança Alimentar e à Fome, composto de docentes e pesquisadores da USP de diversas áreas relacionadas ao tema da fome, que durante o evento apresentou os resultados, com a entrega de um relatório final, que incluiu 39 propostas que devem ser articuladas entre as políticas públicas voltadas ao combate à fome e à insegurança alimentar no País. Segundo a professora, “esse grupo de trabalho, reunido pela Reitoria da USP, pôde produzir, num período de pouco mais de um ano, bastante evidências. Foi um trabalho, primeiro, de aprendizado, de trabalhar na transdisciplinaridade, e junto dos pós-doutorandos. O relatório transparece nas propostas, mas há uma riqueza que ainda está sendo explorada”.

Ampliando a abordagem, o INCT é uma instituição que se caracteriza por grandes projetos de pesquisa de longo prazo, e vai funcionar por cinco anos, em redes nacionais e internacionais, com cooperação científica e participação de múltiplos agentes. Atualmente, é composto de 78 pesquisadores, de 12 universidades do Brasil, majoritariamente universidades públicas, além de dez universidades estrangeiras, com o apoio de entidades como Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e Instituto Ciência na Rua. “Somos grandes, do ponto de vista de participação, e diversos. São diversas especialidades dos pesquisadores, e isso é uma fortaleza do INCT: trazer essa diversidade, trazer esses olhares de áreas completamente diferentes para pensar juntos uma questão”, destacou a coordenadora.

Propostas e objetivos

Como informou a coordenadora, o INCT é como um think tank, instituições que desempenham o papel de advocacy para as políticas públicas, além de terem a capacidade de explicar, modificar e articular os atores, e também como um laboratório de ideias, um gabinete estratégico, ou um centro de pensamento, de reflexão. “É uma instituição formada por um grupo de especialistas de natureza investigativa e reflexiva que se juntam para reflexão intelectual sobre assuntos de natureza diversa. É um espaço, onde vamos desenvolver pesquisas, ensino e extensão, que se propõe a estabelecer esse diálogo não só na academia, mas com todos os atores interessados nesse tema.”

Para Dirce, é muito claro que para o enfrentamento dessa questão da fome é necessária a participação de esforços de diferentes disciplinas, da engenharia, medicina, comportamento alimentar, nutrição, comunicação e várias outras que podem se somar. “O INCT tem o seu núcleo de membros, mas estamos estabelecendo parcerias para buscar e complementar as nossas expertises e nossos projetos.” Ela também destaca os princípios que fundamentam o INCT: o primeiro deles é o direito à alimentação adequada, “ou seja, é a realização do direito a se alimentar com qualidade, de forma que aquele alimento vá fornecer saúde e qualidade de vida; não é qualquer alimentação e sim, uma alimentação saudável e sustentável.”

Outro ponto importante para a coordenadora é que foi adotada uma abordagem de sistemas alimentares, desde a produção do alimento, dos insumos que são necessários para isso, o seu processamento, distribuição, o comércio em redes que vão dar acesso para o consumidor, o consumidor com suas escolhas (como ele prepara o alimento e também como ele descarta esse alimento). “Nós buscamos olhar todas as fases do processo porque há um entendimento de que os sistemas alimentares estão nas raízes de muitos dos problemas que nós enfrentamos.”

Estamos vivendo num mundo e num país em que convivemos com a desnutrição, a deficiência de nutrientes e a obesidade”

Temos então, simultaneamente, problemas de falta de alimentos e de excesso de consumo de alimentos. Isso ainda com um desafio, as mudanças climáticas, que no final da década de 1990, quando começaram as políticas públicas nessa área, ainda não eram um problema, mas hoje são, como alerta a professora. “Hoje nós temos que pensar na alimentação de uma forma também sustentável, e no que está acarretando aos limites planetários”. Além disso, consoantes com os novos tempos, como afirmou Dirce, é preciso trazer a inovação com a inteligência artificial, e também a comunicação e difusão.

Os projetos estão estruturados em cinco eixos: Saúde e Nutrição; Políticas Públicas; Cadeia de Valor; Inteligência Artificial; Comunicação e Difusão. E os objetivos são conduzir estudos investigando a insegurança alimentar e os desafios e estratégias para atendimento do direito humano à alimentação adequada; identificar os determinantes da produção sustentável de alimentos, a redução dos gargalos ao abastecimento e distribuição de alimentos de qualidade e saudáveis e diminuição das perdas e desperdício de alimentos; investigar os determinantes sociais vinculados aos resultados de políticas públicas de alimentação e nutrição; pesquisar, desenvolver e aplicar ferramentas e técnicas computacionais para coleta, fusão, processamento, armazenamento, análise, extração do conhecimento e disseminação de dados e informações sobre fome e insegurança alimentar em ambientes urbanos; e investigação sobre a difusão e divulgação científica, possibilitando a democratização de conhecimento para a melhora da qualidade de vida das pessoas e a diminuição das desigualdades. A proposta é bem ambiciosa, segundo a professora.

Novos projetos

“Se nós temos aqueles objetivos gerais, nós temos 57 objetivos específicos nas áreas de pesquisa, formação e extensão, solidariedade e internacionalização, que se concretizam em 96 metas”, informou. “Se no GT não era o grande foco a formação e ensino, o INCT traz isso para dentro. Temos as pesquisas que estão sendo conduzidas, mas também temos objetivos de ensino. Ela cita como exemplos, a proposição, que já está em andamento, de uma disciplina de graduação em Segurança alimentar, que será oferecida, simultaneamente, em várias das instituições participantes do INCT, além do início da discussão de uma disciplina de pós-graduação, e de ações de extensão junto à comunidade. A professora ainda ressaltou que alguns dos projetos propostos vão usar a abordagem cidadã, ou seja, vão trazer a coparticipação da comunidade, desde sua concepção, aproximando cada vez mais a academia da população. “Um trabalho conjunto, de valorização dos saberes que existem nas comunidades e intersecção com os saberes da academia.”

Há também alguns exemplos de estudos, que já estão sendo conduzidos, como enumerou a professora: avaliar o impacto da pandemia de covid-19 na alimentação e saúde de universitários; identificar e modelar indicadores para o sistema alimentar; a composição da cesta básica e mapear a produção acadêmica sobre alimentação e nutrição, entre inúmeros outros. Além disso, há vários tópicos de interesse, entre eles, agricultura urbana e agricultura familiar, consumo alimentar, desperdício, uso da inteligência artificial na tomada de decisões, políticas de aquisição de alimentos e políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública.

Histórico da fome

Hoje, temos 33 milhões de brasileiros em insegurança alimentar grave, ou seja, passando fome, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Segundo Dirce, já nos anos 1940 a fome era um problema, como denunciava Josué de Castro em sua grande obra Geografia da Fome, que trazia um mapa mostrando como a fome se distribuía no nosso país. “Um marco importante se deu nos anos 1990, 50 anos depois de Josué de Castro desnudar essa realidade e enfatizar que essa era uma realidade que tinha raízes políticas estruturais, mostrando que não havíamos avançado”, disse a coordenadora, citando a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que levou para a sociedade o debate sobre o tema, produzindo uma estatística alarmante: 32 milhões de pessoas em insegurança alimentar nos campos e nas cidades.

Mas com todo debate em torno do tema, como lembra a professora, foram sendo criadas ações de combate à fome, como o Programa Fome Zero e o Bolsa Família. Assim, a partir de 2013, houve um declínio importante na insegurança alimentar. “Se mostrou que era possível diminuir a fome e a desigualdade com políticas públicas”, afirmou, lamentando que, logo depois, novamente se percebeu um aumento da insegurança alimentar grave. “O Brasil, que havia saído do Mapa da Fome (ONU), retornou a esse mesmo mapa em 2018, e com a pandemia as questões se agravaram muito.” Nessa época”, disse a professora, “não havia dados estatísticos, e foi quando a Rede Penssan produziu os inquéritos de insegurança alimentar no nosso país, desnudando essa realidade perversa e trazendo esse debate para a sociedade mesmo com a negação do governo vigente na época”.

“Então trata-se de um problema, se olharmos dados de 2018 e compararmos esse mapa com o mapa produzido por Josué de Castro, muito semelhante. As condições do País em tantos anos passados continuam mostrando uma desigualdade grande, uma desigualdade regional e nós temos que buscar o combate a essa tragédia de uma forma permanente; nós temos que buscar hoje, nesse momento histórico, o diálogo com o poder público, e isso está na agenda. Unir forças para erradicar esse problema de forma permanente, alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, disse a coordenadora.

Confira abaixo  a entrevista da professora Dirce Marchioni sobre o novo INCT no 39º episódio do Saúde É Pública, podcast produzido pela Faculdade de Saúde Pública da USP, disponível no Canal da FSP-USP no Youtube.

Para conferir o evento na íntegra, clique no player abaixo.

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