Quais as possibilidades de um desenvolvimento verde?

A pergunta norteou as últimas discussões do seminário USP Pensa Brasil, e as palestras apontaram mais problemas do que soluções

 19/08/2024 - Publicado há 4 meses

Texto: Luiz Roberto Serrano

Arte: Simone Gomes

cinco pessoas sentadas, em um palco, diante de um telão com a programação dos debates dos dia
Joênia Wapichana, Ricardo Abramovay, Beatriz Saes, Adriana Ramos e Jéssica Maes - Foto: Marcos Santos / USP Imagens

“Existe um desenvolvimento verde?” Essa questão, fundamental para o futuro da humanidade, foi o tema do painel da última noite, 16/8, do terceiro USP Pensa Brasil, que, ao longo da semana passada, promoveu o seminário COP 30: Desafios para o Brasil, com uma série de debates sobre a questão climática no Brasil e no mundo, realizados no Auditório Istvan Jancsó, na Cidade Universitária, em São Paulo. A realização do seminário, de 12/8 a 16/8, objetivou alinhavar uma multiplicidade de contribuições para os debates que se realizarão na COP 30, em Belém do Pará, em 2025. “Foram debates importantes, com contribuições relevantes que suscitam novas divagações”, disse a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, na abertura da noite de encerramento do seminário.

O debate do tema Existe um desenvolvimento verde? revelou a complexidade da questão e os enormes desafios que envolvem a sua concretização. Expuseram suas ideias: Beatriz Saes, professora da Escola Paulista de Economia e Negócios da Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica; Adriana Ramos, assessora do Instituto Socioambiental e membro da Associação Brasileira de ONGs; Joênia Wapichana, advogada, atual e primeira mulher indígena presidente da Funai; Ricardo Abramovay, professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-professor da FEA-USP.

Segundo Beatriz Saes, o matemático e economista romeno Georgescu-Rogen lembrou, em seu livro Entropia e Processo Econômico, que “a economia depende da natureza, que os recursos do planeta são finitos e fadados a decrescer”. Depois de pontuar as ideias e dúvidas sobre crescimento e desenvolvimento que marcaram a história da economia desde o pós- Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, Beatriz Saes lembrou que imaginar um futuro sustentável “é pensar em modelos de produção, as suas relações com a natureza, a sua sociabilidade”. E advertiu: “Só substituir fontes de energia fósseis por sustentáveis talvez não seja suficiente”. Um exemplo de dificuldades, de acordo com ela: “A produção de hidrogênio verde exige explorar muita terra, o que provoca desmatamento”.

“O metabolismo social contemporâneo está doente”, sentenciou, por sua vez, Ricardo Abramovay. Ele lembrou que, ao contrário do consumo da própria natureza, no da sociedade não há devolução. “Retiramos da natureza recursos que não são recompostos, ao usá-los causamos efeitos destrutivos”, criticou. Apontando que, em 1970, a extração média de minerais metálicos no mundo era de 8,5 toneladas por habitante, hoje, de acordo com seus dados, só na Índia essa relação bate em 4 ton/por habitante e no Canadá em 25 ton/por habitante. Citou a Organização das Nações Unidas – ONU que recomenda que, nas suas atividades, os consumidores troquem o conceito de eficiência por suficiência,  privilegiando o que satisfaz às suas necessidades. Sintetizando a questão, citou o livro A Economia das Fraudes Inocentes, do saudoso economista John Kenneth Galbraith. Segundo a editora Companhia das Letras, a obra “mostra que a divergência entre as crenças estabelecidas e a realidade é ainda maior na economia […] um mundo de fraudes, nem todas inocentes”.

“Como ambientalista tenho medo do assunto que discutimos, pois não estamos preparados para encontrar soluções”, ressalvou Adriana Ramos. De acordo com ela, a ideia de um planejamento mais organizado de desenvolvimento da Amazônia teria sido abandonada. Usou o exemplo da Usina de Belo Monte como uma obra sem plano de desenvolvimento sustentável. “A água do Rio Xingu não dá para todo mundo, não dá para Belo Monte”, sentenciou. Adriana Ramos lembrou a existência da publicação Amansa Brasil, do Instituto Socioambiental, que se contrapunha às propostas do programa Avança Brasil, do governo de Fernando Henrique Cardoso, que desenhava, entre outras sugestões, a construção de estradas na região da Amazônia, ligando nosso país aos vizinhos de fronteira. Na sua visão, atualmente existiria um esforço de desclassificação das comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, que se concentraria principalmente no Congresso Nacional.

Para Joênia Wapichana, é importante levar para as discussões da COP, no próximo ano, a questão da regularização das terras indígenas e das estratégias de conservação da biodiversidade na região amazônica. “Roraima tem 50% de terras indígenas”, lembra ela, propondo que é fundamental o papel dos indígenas de hoje como protagonistas, a sua participação como parte das soluções nas providências necessárias para a proteção das suas terras. Citando o ambientalista indígena Ailton Krenak, que disse que “o futuro é algo que a gente constrói”, afirmou que a preservação do “mundo dos povos indígenas, que atualmente ocupam 13,8% do território nacional,  é um desafio de todos”.

O seminário COP 30: Desafios para o Brasil, do USP Pensa Brasil, realizado de 12 a 16 de agosto passados, teve o objetivo de colaborar para enriquecer as discussões climáticas que serão realizadas no próximo ano em Belém do Pará. Consistiu na realização de seminário, conferências, debates, publicações, sessões de cinema, apresentações de coral, orquestra e teatro. Toda a programação pode ser encontrada, na íntegra, no Canal USP.             

Assista, ao lado, ao debate Existe um desenvolvimento verde?, do quinto dia do USP Pensa Brasil. Também é possível assistir aos demais eventos da programação


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